As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Chuvas de Verão



Foto: José Galvão - Desmoronamento de encosta ao lado do Hospital São José/Colatina (ES)


 
Todos os anos a história se repete, as mesmas chuvas, as mesmas imagens da tragédia que se misturam às nossas lágrimas de solidariedade natalina. Todos os anos também, muitos se empenham espontaneamente em enviar doações que possam dar algum conforto aos tantos desabrigados acolhidos nos ginásios, escolas e galpões, que parecem ser sempre os mesmos, lugares e rostos desolados, num déjà vu de cenas iguais e igualmente lastimáveis. Às perdas materiais somam-se as mortes, irreparáveis perdas, que se calam no lamento mudo dos sobreviventes desesperançados.

Todos os anos, também se ouvem as incansáveis críticas aos governos - sejam de que partidos forem - a quem todos nós responsabilizamos pelas carências e desastres sociais. Os recursos prometidos para obras a serem feitas em tempo exíguo, muitas vezes escorrem com as enxurradas e ninguém mais sabe de seu paradeiro, como se evaporassem quando as chuvas cessam e os pobres coitados, sem voz e sem teto, deixam as manchetes e seguem em busca de migalhas até resgatarem a notoriedade no próximo verão.

Do que se pode prevenir ou ao menos minimizar pouco se fala, apesar de conhecidas as áreas de risco e de exaustivos estudos sobre impacto ambiental. E nós, que nos livramos de todo o sofrimento comodamente protegidos, consolamo-nos com a impossibilidade de agirmos individualmente na prevenção das catástrofes naturais.

Dizem que todos devem plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Não por acaso a máxima popular sugere esta cronologia, já que a se manter o caminho trilhado em breve não haverá livros e filhos por falta de árvores; estas que lhe dão o conforto da poltrona em frente ao noticiário da tevê e as páginas do jornal que lê. As chuvas de verão poderiam ser passageiros fenômenos da estação, se cada um plantasse sua árvore numa encosta desbastada ou à margem de um rio careca. Simples como cuidar das violetas em sua janela!


Publicada na Revista Capita News em 29/12/2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Imagine


Imagem: Google/ Divulgação




Visto do alto distante era imensamente azul, um azul profundamente pacífico. Um entre infinitos, escolhido para que a vida frutificasse. Lá, pousei como uma folha que cai suavemente no outono e senti-me acolhida, tal semente a brotar na Terra.

Visto daqui de dentro, havia verdes frondosos até onde a vista alcançasse, fontes cristalinas e frutos doces e maduros sem que sede ou fome existissem, sombras frescas acompanhando o caminhar dos rios e o ar era leve de se respirar nas encostas que não escorriam com as chuvas de verão.

Havia um colorido especial nos viventes, harmoniosos como os tons do arco-íris, iguais, igualmente repartiam o pão, a terra, o saber e as mãos na edificação dos bens comuns e comunitários. Sem maiores ou menores, o poder era diluído entre todos e as responsabilidades partilhadas e era paz o nome do espírito reinante.

Teria encontrado o paraíso ou os jardins de Epicuro? Talvez me encontrasse nos anseios primordiais da humanidade, que tantos têm sonhado e interpretado com milhares de olhares com o foco único que permeia todos os desejos, uma utopia distante, mas ainda possível, creio, com a força inspiradora dos poetas, as notas marcantes dos músicos, os tons das paletas dos pintores , as lentes dos cientistas, o suor do trabalhador anônimo, com o poder que emana dos que tem boa vontade e sem a inércia e desistência dos abatidos e desesperançados .

Enfim, amanheci em meu sonho de Natal, este que ilumina em todos nós a solidariedade e nos colore de esperanças renovadas de que haja um futuro claro e melhor para todos, sem as carências,  a violência, injustiças e desigualdades tantas. Um mundo desejado, em que todas as crianças estejam acolhidas no calor de seus lares à espera do velhinho com tantos nomes pelo mundo afora alimentando a fantasia de ser infância, nossas sementes do amanhã, que nos perpetuem na construção do porvir.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Papo cabeça

Imagem: Desenho em preto e branco – Diego Dias

 
Em uma tarde qualquer, uma amiga em sua mesa de trabalho foi surpreendida com o olhar perdido e a caneta pousada sobre um pedaço de papel. Percebendo os olhares curiosos quanto ao seu aparente e incomum alheamento, já que extremamente ativa, a jovem disse entre risos:

- Sei que preciso anotar algo muito importante que não posso me esquecer de fazer, mas não consigo me lembrar o que é.

- Pior sou eu, – respondeu a outra – escrevo lembretes e os guardo tão bem guardados, que os escondo de mim e nunca consigo achá-los.

Entrando no assunto, disse às duas que o meu salvador é o inseparável caderninho de notas, hábito de quem vem das gerações anteriores aos e-mails, celulares e toda a espécie de tecnologia que podemos utilizar como memórias auxiliares ou HD’s externos.

Desse ponto em diante passamos a conversar sobre as vantagens e desvantagens que vemos no uso excessivo desses recursos atualmente. A primeira observação veio de quem ainda não tinha entrado na história e que ponderou sobre o isolamento social que se observa em todo lugar, quando pessoas lado a lado não interagem entre si e se mantém ligadas exclusivamente às suas extensões eletrônicas.

Já aquela que esquece os próprios recados considerou que estamos ficando, especialmente os mais jovens, cada vez mais comodistas e preguiçosos, sem termos mais tanta necessidade de pensar, já que tudo que precisamos saber pode ser encontrado em segundos através de um clique. É evidente que há ressalvas quanto à qualidade das informações encontradas na rede, mas...

Fiquei eu a questionar se os idosos do futuro terão alguma lembrança ou memória já que praticamente tudo pode ser arquivado em arquivos virtuais de algum tipo. Disse quase tudo, porque para o que sentimos e vivemos, ainda não inventaram nada que resgate a intensidade dos momentos. No mais, que nos livrem os anos das artroses que nos impeçam de teclar.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 22/12/2013

sábado, 21 de dezembro de 2013

Avenida Santa Fé, 1860

Imagem: Fotografia de Paula Derenusson

 

17 horas. Lá estava eu diante do prédio imponente e perfeitamente preservado. Tinha cuidadosamente planejado para que houvesse aquele fim de tarde para conhecer El Ateneo, em Buenos Aires. De sua história sei ser uma empresa sólida, com mais de cem anos de idade, que em 2.000 alugou um prédio decadente que havia sido um teatro magnífico construído em 1.919 e depois um cinema, transformando-o em uma das maiores e mais bonitas livrarias do mundo, que conta com mais de 120.000 títulos em estoque.

A arquitetura, a abóboda pintada por Nazareno Orlandi uma alegoria representando a paz ao fim da primeira guerra, as galerias e varandas originais, a ornamentação intacta e até as cortinas de veludo me impressionaram muito, como a qualquer turista, mas não me deliciaram mais do que o passeio entre as prateleiras que durou horas, sem que visse o tempo passar.

Havia um silêncio obsequioso daqueles que costumam ouvir o que os livros dizem e os poucos sons que se podia ouvir, além da música ambiente eram murmúrios de admiração. Entre tantas a primeira sessão a chamar minha atenção foi a dos grandes mestres da música clássica, seguida pelas magníficas edições ilustradas com as obras dos maiores pintores de nossa história e depois, as inúmeras e fantásticas publicações da Tashen sobre a arte da fotografia.

Em nenhuma das sessões, muitas delas com várias estantes, estive mais tempo do que na de poesias. Admirei-me ao encontrar Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto ao lado de E.E. Cummings, sem que houvesse um Drummond ou Cecília. Lamentei serem tão poucos poetas naquela imensidão de livros, mas me vi recompensada com uma reedição de Dante Alighieri e voei na “Arte de Pájaros” de Neruda com ilustrações de Julio Escamez e Hector Herreira, em que o menor dos poemas – Cisne – foi o que mais me encantou: Sobre la nieve natatória/ uma larga pregunta negra.


Publicada na Revista Capita News em 20/12/2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Gente Humilde


               Imagem: Fotografia de Eduardo Gonçalves e Veiga              


Como mineira, nasci atrelada ao trem da História e como nossa gente, gosto de sabê-la e contar “causos”. Em um desses dias de estrela, de boa sorte no garimpo, encontrei a gravação de um show no Teatro Castro Alves, no ano de 1975 em Salvador, em que o próprio Vinícius de Moraes, acompanhado por Toquinho ao violão conta sobre a segunda versão da letra de Gente Humilde – música de Garoto – escrita em parceria com Chico Buarque. Uma delícia de ouvir!

Foi interessante saber que se tratava da segunda versão, nunca havia ouvido falar da primeira e assim saí a pesquisar sobre ela. Foi na série “O cancioneiro de Garoto”, de Jorge Mello, que encontrei o fio da meada.

Segundo registros nos próprios diários de Garoto, a inspiração de “Gente humilde” veio de suas costumeiras visitas aos subúrbios cariocas. Em um depoimento, Badeco – ex-integrante do conjunto vocal “Os Cariocas”– afirma que inicialmente era um tema instrumental até que Moacir Portes apresentou-a a uns amigos mineiros e ao voltar ao Rio de Janeiro trouxe a letra, que foi interpretada pela primeira vez em 1951, pelo coral “Os Cantores do Céu”, integrado por Belinha Silva, Zezé Gonzaga, Os Cariocas, Trigêmeos Vocalistas e o coro da Rádio Nacional, além de Lolita e Magda Marialva, do Trio Madrigal:

Em um subúrbio afastado da cidade/ Vive João e a mulher com quem casou/ Em um casebre onde a felicidade/ Bateu à porta foi entrando e lá ficou/ E à noitinha alguém que passa pela estrada/ Ouve ao longe o gemer de um violão/ Que acompanha/ A voz da Rita numa canção dolente/ É a voz da gente humilde/ Que é feliz.

Reza a lenda que sobre a autoria da letra, Moacir disse: “É um mineiro amigo meu, um bicho do mato. Não adianta que ele não quer aparecer. Ele pediu que caso você gostasse da letra, fosse colocado assim: autor desconhecido.”

Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 08/12/2013

Contraste



Imagem: Jean-Baptiste Debret – Museu Afro-Brasileiro


Ainda hoje são raros os que podem se dizer absolutamente livres da influência do preconceito racial, tão arraigado em nossa cultura que podemos vê-lo transitando em mão-dupla. Há expressões cotidianas, muitas vezes encontradas até mesmo na literatura que denotam o peso de parte de nossa história que já deveria ser página virada.  Nem mesmo depois da fotografia Kirlian, que comprovou que nossa aura de energia é multicolorida, aboliu-se o uso do termo negro de alma branca, por exemplo.

Lembrei-me de alguns versos de Cruz e Sousa tantas vezes impregnados de brancura. Nosso Cisne Negro encarnou o contraste entre sua origem negra e a educação nos moldes europeus que recebeu. Filho de escravos alforriados criou-se sob a proteção e cuidados dos antigos senhores, que o tinham como se filho fosse. Por ironia seu tutor e seu pai, chamavam-se Guilherme e foi com D. Clarinda – clara e linda – que aprendeu as primeiras letras.

Sua poesia representa bem o quanto são raros os poetas e escritores de origem negra ou mestiça reconhecidos no Brasil e denota além da musicalidade e sensualismo, uma obsessão pela cor branca, expressas pelas figuras de suas alvas musas, como objeto do desejo proibido e também de repulsa.

Àqueles que se limitam à sua obra, escapa a vida do homem que lutou contra o preconceito racial para além do contexto pessoal - já que vítima de discriminação – através da participação em jornais e publicações abolicionistas. Foi um exemplo daqueles que não se deixam abater pelas vicissitudes da vida, alcançando através da poesia a harmonia de suas cores tão límpidas como em “Cristais”:
“Mais claro e fino do que as finas pratas/ o som da tua voz deliciava…/ Na dolência velada das sonatas/ como um perfume a tudo perfumava.// Mais claro e fino do que as finas pratas/ o som da tua voz deliciava…/ Na dolência velada das sonatas/ como um perfume a tudo perfumava”.


Publicada na Revista Capita News em 09/12/2013

domingo, 1 de dezembro de 2013

Pérolas

Imagem: Google/ Divulgação    
          
                 

Diferente das legítimas que são produzidas lentamente e se transformam em jóias de rara beleza, encontramos por todo lado pérolas que são verdadeiros atentados quando não o assassinato do português.

São sempre esperadas e objeto de muitas piadas as ditas “pérolas do ENEM”. Particularmente chego a duvidar que sejam todas oriundas do Exame Nacional do Ensino Médio, uma vez que somente a equipe que as analisa e corrige tem acesso às provas e além disso, infelizmente, os deslizes que revelam o pouco conhecimento e domínio da língua portuguesa não são privilégios dos estudantes.

Bastou um passeio de cinco minutos pelas redes sociais e e-mails recebidos para colher algumas destas pérolas em nada preciosas. Em uma dessas postagens em quadradinhos coloridos lia-se assim: “Há momentos em que as palavras perdem os sentidos”. Confesso que não sabia que as palavras pudessem ser acometidas por desmaios e quem quase perdeu os sentidos fui eu ao me deparar com uma expressão desta natureza.

Logo em seguida, como pérolas em um colar: “Um homem com ego inflamado”, capaz de fazer revirarem-se em seus túmulos os grandes teóricos das ciências humanas. E depois, um “alicerce na base”, como se fosse possível construí-lo no teto e na mesma frase - usufrutuaremos - uma flexão verbal inimaginável.

Pior foi encontrar em uma matéria sobre o leilão dos aeroportos a seguinte frase: “É uma questão de acreditarmos que o cidadão vai ter algo melhor quando embargar e desembargar nestes aeroportos”. Chego a ter desejo de embargar os títulos dos doutos senhores que assinam a coluna, que se dizem graduados em Direito e Economia, com pós-graduação em Finanças e chefes de redação em jornal de grande circulação no país.

Engrosso as fileiras dos que questionam os rumos da educação no Brasil e as causas e conseqüências do analfabetismo funcional, que em minha opinião se estende à incapacidade de criar textos, para além de interpretá-los.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 01/12/2013

domingo, 24 de novembro de 2013

Atenção Senhores Passageiros!

Imagem: A Central do Brasil em três tempos, 1977 – Arquivos “O Globo”


Passageiros sim, todos nós, com bilhete só de ida, sem rascunho para se passar a limpo ou reticências na lápide pelo que se deixou de viver. Até aí nada de novo, não há notícias de estudos científicos abalizados que nos provem em contrário.

Então, aventure-se! Levante-se da cadeira cômoda de seu cotidiano e mexa-se, enquanto há esse tempo que não se sabe o quanto dura. Nada de esportes radicais, bungee jumping ou salto livre de paraquedas. Também não se trata de um manual de auto-ajuda, tranqüilize-se! É somente uma sugestão de como sair da rotina nas situações miúdas mesmo, como fiz no último fim de semana.

Comecei aceitando, sem titubear, um convite inusitado e absolutamente inesperado. No dia e hora marcados embarquei em um voo de capital a capital, seguindo depois de metrô e ônibus, até chegarmos à pequena cidade serrana e finalmente subirmos estrada de terra acima até o sítio. Sim, um sítio lindo com a casa pendurada no alto da montanha sem televisão, internet ou celular e com direito a fogão de lenha, muitas vidraças e verde – muito verde- além da deliciosa companhia.

Ah, sim, as aventuras! Elas e as inversões de papéis. Primeiro deixei-me adotar por um cãozinho e uma gata manhosa, numa manifestação genuína e despretensiosa que me fez esquecer o “politicamente correto” movimento de proteção aos animais. E mais: ao invés de pescar, alimentei os peixes criados no açude e ousei ladeiras abaixo de havaianas, o que me fez sentir como um bebê em seus primeiros passos trôpegos.

A volta foi o epílogo desta proeza quase épica. Experimente enfrentar a Via Dutra de ônibus, debaixo de um pé d’água no final do feriadão e depois da Rodoviária lotada, encontrar o Aeroporto Santos Dumont fechado. Tudo isto sem o mínimo de stress! Ainda ando meio bêbada de tanto verde e por enquanto nem a hora do rush me tira do sério.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 24/11/2013

sábado, 23 de novembro de 2013

Pensâncias


Imagem: Google


Há poesia em mim e em ti,
na brisa que murmura perfumes,
 na água que gota,
na terra que barro
e no céu que estrela.
 Basta ser arco para lançar-se
e íris para olhar.



23/11/2013

O despertar das sementes

Imagem: “L’hommequiplantaitdesarbres – Fréderic Back


Foi sem consentimento expresso, sem que a busca estivesse à flor da consciência que planejei o voo que me levaria a outra serra, de montanhas outras. Pousei suavemente numa manhã muito azul e mais quente do que as primaveras deveriam permitir, que logo se tornou tarde de encontros e boa prosa sob as sombras das árvores, fartas em nossa caminhada.

A casa e seus viventes receberam-me como se estivesse de volta depois de uma longa viagem. Pelas janelas, descortinava-se o vale de verde imenso riscado pelo rio que serpenteava até onde a vista alcançava, perdendo-se entre as curvas de montanhas sobrepostas além e por elas filtrava-se a luz morna que trazia um mundo de fora para dentro, inundado de perfumes e cantos silvestres.

Havia um encantamento único, vindos das mãos calejadas e suaves do homem que plantava árvores e cultivava amigos. Singular em sua obra, fez da leveza de suas mãos que conduzem a pena através de suas tantas histórias, a força que semeia o chão ávido de sombras generosas. Foi inevitável associá-lo à história fantástica, mas real, da vida de Elzéard Bouffier contada pelo romancista francês Jean Giono, que certamente encontraria em sua biblioteca - que pousada sobre um mezanino - parecia flutuar sob o telhado rústico, uma entre suas peripécias criativas que me proporcionou bons momentos com Ezra Pound, entre seus milhares de livros.

Conduziu-me gentilmente, creio que intuitivamente, a encontrar-me sem que me procurasse, ao ensinar-me a acordar as sementes. Trouxe comigo como lembrança, o perfume das andirobas e buritis e a renovada certeza que entre tantos ineptos e insossos, há os raros que muito fazem em seu pouco, marcando silente e indelevelmente seus caminhos pelo mundo, não com pedrinhas a serem seguidas, mas semeando a esperança dos frutos a serem colhidos adiante. Tão raros que não alardeiam feitos em busca de honrarias vãs, são simplesmente, inteiros, plenos de vida como sementes.



Publicada na Revista Capita News em 22/11/2013


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

To the raven

Imagem: Google



I ever dreamed like all

At first, a each one that I dreamed

The world said:

No, you can’t!

Then, I began to dream in silence,

Without a whisper

And so, everything became to come true.

Finally, I said to the raven:

Don’t say no to me,

Nevermore…




 20/11/2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Talvez

Imagem: Paintings books – Van Gogh

Talvez não tenha lido Guimarães Rosa como deveria, por ter sido plantada nas terras das Gerais e regada por histórias de antes, de coronéis e jagunços, além dos resquícios ambulantes deles que tive o desprazer de ver pelas ruas desfilando seus mandos e desmandos, orgulhosos por serem temidos por uma fieira de desafetos. Além disso, meus ouvidos desde cedo se habituaram à fala entoada em muitos tons e aos termos típicos tão familiares e diversos nas andanças por esses rincões.

Talvez por concordar que as palavras que já existem bastam para dizer o que se consegue e o que é proibido, como disse Clarice Lispector e como ela tenha ousado saber pensares distantes dos meus, para além do pensamento, lá onde não há mais palavras, onde se é essência, saberes de tempos outros e de além-mar.

Apesar dos pés no chão, talvez tenha alçado o olhar através do horizonte mediterrâneo em busca do cheiro de mar que Jorge Amado me trazia, subversão permitida entre as leituras ditadas entre tantas que nos eram proibidas.

Sinto como essa gente simples - que sou - o sabor do angu com couve, que mesmo apreciado no mesmo prato, guarda sabores particulares, únicos em cada um de nós. Mas ouso como Ophélia nas letras bordadas em cartas ao seu Fernando, apesar de tantos e busco entender o que dizem os papiros, as melodias de liras, os versos antigos esparsos pelo tempo e as histórias de saber e de saber contar.

São devaneios e conjeturas de quem se lê enquanto se escreve desde miúda, ouvindo das histórias os princípios e tecendo na imaginação menina as suas dentro de outras tantas. Foram muitas léguas a entortar caminhos, mas hoje sigo o rumo antes traçado, amadora de e nas letras, rompendo fronteiras próprias enquanto for esse pouco ou quase nada, poeira na estrada desses sertões que fazem distâncias, um assobio no vento talvez.



Publicada na Revista Capita News em 13/11/2013

domingo, 10 de novembro de 2013

Dito e feito

Imagem: Ouro Preto – Foto de Mônica Caetano Gonçalves


Ela era realmente especial, a começar pelo nome: Cerize, minha avó materna. Entre suas tantas histórias, boas de contar, gosto de me lembrar de sua fonte inesgotável de provérbios, ditos e termos populares sempre prontos a serem disparados no momento oportuno. E logo em seguida ria, ria muito, já que quem ri por último, ri melhor.

Certo é que quando pequena não entendia patavina e passava horas dando tratos à bola, tentando analisar o sentido daquelas metáforas todas. Crianças muitas vezes se apegam ao sentido literal da frase, chegando a imaginar os pobres macacos, quietinhos, um em cada galho. E eu não fugi à regra.

Demorei um pouco para entender quando me chamava de santinha do pau oco, quando aprontava das minhas, mas nem tanto quanto saber a origem do termo. Alguns anos mais tarde, morando em São João d’El Rei, pude ver os tais santos esburacados recheados pelos contrabandistas dos séculos XVIII e XIX com ouro em pó, moedas e pedras preciosas que enviavam para Portugal.

Os ditados populares permanecem iguais por anos a fio, mantendo tradições morais, filosóficas e religiosas. Muitos historiadores e escritores se dedicam a descobrir as origens dessa riqueza cultural, mas não é tarefa fácil. Deve ter havido uma viagem no tempo até que se concluísse que a expressão “farinha do mesmo saco” vem de uma frase em latim “Homines sunt ejusdem farinae” e do costume de se qualificar e separar as farinhas melhores das piores. Eu mesma cansei de tentar descobrir de que cor seria o burro fugido, até saber que originalmente seria “Corra do burro quando ele foge”, um bom conselho já que burro bravo é perigoso mesmo. A tradição oral modificou a frase e no fim das contas o que era verbo virou cor.


Dito e feito. Dos tantos que aprendi com Vó Cerize, restou o hábito de lembrá-los a cada vez que o momento se ofereça.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O Outro

Imagem: Edward Hopper – Night on the El Train, 1918


É bem provável que estejamos vivendo na mais egoísta das épocas. A busca da liberdade através da afirmação da individualidade parece ter atingido um nível extremo em que é confundida com o individualismo, expressando-se através de um egocentrismo exacerbado. Como consequência há cada vez mais solitários e pior, por opção pessoal, como se liberdade e solidão fossem indissociáveis.

Fiquei pensando sobre esta questão, depois de uma conversa com um amigo que me enviou um vídeo sobre a sexualidade no Japão atual, ou melhor, sobre a falta crescente de relacionamentos afetivo-sexuais. Lá, chegam a pagar para acariciar gatos como substitutivo do aconchego de uma relação interpessoal – disse-me ele, sem esperanças de que haja como reverter este tipo de comportamento em nossa civilização a não ser depois que uma grande tragédia atinja a humanidade.

São muitas as formas de analisar a questão, desde o medo do sofrimento advindo das relações sociais – o medo do homem pelo homem – definido por Freud, até avaliarmos em que medida este isolamento absurdo atende aos interesses do poder. Associando as duas vertentes pode-se supor o quanto é vantajoso transformar a libido em força de trabalho e assim também desfavorecer a formação de grupamentos humanos em torno de um sentir ou pensar comum.

Acredito, apesar da opinião do amigo de longas conversas, que em algum momento próximo se iniciará um movimento reverso, já que a história do comportamento social mais parece um eletrocardiograma, com picos quase sempre antitéticos, seja nos costumes ou manifestações afetivas. Aos poucos e individualmente a insatisfação pessoal pelo distanciamento que criamos entre nós, ensejará a mudança. Não há como negar as pulsões primordiais, sexuais para além do sexo e a busca do prazer que não seja somente uma satisfação imediata do desejo. Logo poderemos ser surpreendidos por uma reedição de Woodstock, que através de diversas tribos high tech reúna gerações numa nova era de paz e amor.



Publicada na Revista CAPITA News em 05/11/2013

domingo, 3 de novembro de 2013

Tarrafeando

Imagem: Revista Brasileira de Geografia – IBGE 8ª edição. RJ, 1966. Mutirão


Há que se esperar um bom tempo, apesar do muito que já se tem a dizer e estudar, antes que se possa concluir sobre as conseqüências da virtualidade nos relacionamentos e comportamentos sociais. Muitos ainda resistem aos meios tecnológicos, enquanto outros tantos já se tornaram dependentes das telinhas para se comunicar com o outro, com o mundo.

Zygmunt Bauman, um dos pensadores que mais têm produzido obras que refletem os tempos contemporâneos, considera que os contatos online têm a vantagem de poder ser desligados sem maiores explicações quando se tornam desconfortáveis; mas perde-se na habilidade de estabelecer relações de confiança.

Arrisco-me atrevidamente a acrescentar que seja qual for a opção individual quanto às infinitas formas de se relacionar, sempre haverá perdas e ganhos e a cada um cabe avaliar o quanto lhe custa o benefício. Além disso, os relacionamentos virtuais não precisam excluir os reais e calorosos, podem bem ser complementares.

De fato, temos nas redes sociais a oportunidade de encontrar pessoas com as quais provavelmente jamais conviveríamos, muitas delas distantes e até as que passam por nós na calçada ou embarcam no mesmo ônibus sem sequer serem notadas. E é possível fazer como alguns, eu inclusive: vamos navegando e tarrafeando avatares, descobrindo afinidades nas gentes que podem se tornar boas companhias, amigos de verdade. Falo dos bons encontros que vejo acontecendo e também acontecem comigo.

Muito se fala dos riscos de se cair em mãos de falsários ou coisa pior, mas esses estão em toda parte em nosso mundo real e se valem de todos os meios que têm ao alcance, inclusive invadir sua casa pulando a janela.

Se não for um hábito extremo, que afaste o indivíduo do convívio real - usado como defesa, medo ou insegurança – não vejo motivo para discriminar os instrumentos que a tecnologia nos oferece, afinal podemos nos conhecer inesperadamente e de formas inusitadas em qualquer lugar do planeta.




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 03/11/2013

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Encontro marcado




Imagem: Foto de German Lorca


Muitas vezes, pouco se precisa para escrever uma crônica. A motivação pode vir de uma imagem, uma cena cotidiana e de um sem número de estímulos, como surgiu, numa boa conversa, uma pérola dita pelo amigo de tempos que nem o tempo conta: “É, desconfio que não estamos ficando mais jovens.” Ao riso imediato seguiram-se olhares silenciosamente pensativos que me trouxeram bons argumentos para refletir depois, em duas linhas de raciocínio. Ambas partem do princípio de que estamos sim, ficando jovens por mais tempo, tanto no início quanto no fim da linha.

Na ponta de cá, vemos grande parte dos jovens de classe média e alta espichando a adolescência e adiando as responsabilidades da vida adulta e produtiva, apoiados na necessidade crescente de especialização que o mercado exige a qualquer profissional que se pretenda bem sucedido. Com isto, quase sempre o amadurecimento emocional fica aquém do que se espera, face à dependência financeira da família ou pior, cria-se um embate constante entre o desejo de independência e a impossibilidade de exercê-la.

No outro extremo, graças aos avanços científicos especialmente na área da saúde, - tanto curativa, quanto preventiva - vemos nossa expectativa de vida aumentando em qualidade e quantidade. Quem antes era considerado idoso a partir dos cinqüenta, hoje será visto em academias ou pedalando, além de administrar dinâmica e produtivamente sua carreira e vida afetiva. Na prática, trocamos os chinelos pelos tênis. De novo percebemos a influência do way of life que o capitalismo nos impõe ao ficarmos - por sorte ou oportunidades - por mais tempo no mercado de trabalho apesar de, nem sempre ser uma opção e sim por uma necessidade imposta pela desproporcionalidade entre os valores das aposentadorias e os planos de saúde. Sem contar com o fato de que muitas vezes estamos financiando a formação de nossos jovens, filhos ou netos, ponto em que os extremos da linha se enlaçam.



Publicada na Revista CAPITA News em 28/10/2013

domingo, 27 de outubro de 2013

Histórias para contar



 Imagem: Google/Divulgação


Finalmente consegui agendar novo atendimento para requerer o tão sonhado passaporte. Desta vez munida de todos os documentos possíveis e imagináveis, faltando-me somente os brasões e uma muda da árvore genealógica da família. Talvez fosse prudente levar uma pequena autobiografia, já que seria indubitavelmente original, sem as polêmicas que dividem opiniões atualmente.

A espera pelo atendimento foi longa apesar do horário marcado e não havendo o que fazer, criei uma história resumida sobre mim, que poderia ser útil para melhorar o humor da atendente, já que quase sempre são inaptas e despreparadas para lidar com pessoas, repetindo frases automáticas e decoradas com o detestável gerundismo.

Algo mais ou menos assim: Era uma vez uma menina, que por sorte e muito empenho dos que a antecederam, nasceu em berço mais confortável do que a maioria. Sonhou sonhos meninos que viveu intensamente em suas fantasias, enquanto os caminhos reais se desenhavam devagarinho a cada passo que inventava imaginando-se bailarina.

Tagarela e perguntadeira, mas mineira, logo aprendeu a buscar as respostas silenciosas dos livros e foi o saber calado que aprendeu neles, que iluminou a escrivaninha, quando lá fora era uma noite escura e triste, entrecortada por lamentos e dores, que pareciam não ter fim.

Quando finalmente anunciaram a manhã, percebeu as sementes já semeadas que exigiriam muito cuidado até que florescessem e seguiu fazendo o seu pouco, menos do que gostaria. Primeiro ouviu o choro desconsolado das crianças abandonadas e desvalidas; depois os brados adolescentes que clamavam às avessas, sedentos por seus direitos; e mais tarde as queixas aflitas dos doentes, amontoados em filas. Já não era a menina sonhadora dos primeiros tempos e anônima como abelha operária numa imensa colmeia, fez de seu trabalho aconchego e lenitivo para tantas dores.

Deixando pedrinhas coloridas por onde passou, agora pôde olhar para trás e ver-se trilhando passo a passo os caminhos que escolheu, reinventando outros tantos a percorrer.



 Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 27/10/2013

domingo, 20 de outubro de 2013

Caso de Família


Imagem: Goethe Gallerie – Wilhelm Von Haubath -1890


Sem que inicialmente me ocorresse o motivo, lembrei-me de um desses casos, repetidas vezes contados que toda família tem. Uma entre tantas histórias de meu bisavô Martim, alemão católico que escolheu o Brasil como pátria de seus filhos.

Na casa de cozinha grande e fogão de lenha, a avó, mãe e tias preparavam o almoço animadas pela conversa, sem se descuidarem do menino, com seus três anos de idade, que brincava por lá. Todas o advertiam quando se aproximava do fogão, encantado pelo brilho e cor das chamas, novidades em seu mundo de magia infantil.

Calmamente sentado à mesa, lendo seu jornal, Vô Martim chama o pequeno e leva-o até o fogão, aproximando a mãozinha arteira do fogo para que sentisse o calor e explicando que poderia se queimar.
               
Depois disso, antes de voltar à sua leitura, chama a avó:

- Jovelina, traz a pomada e que nenhuma de vocês fale mais nada com ele - sentenciou.

Naturalmente, não tardou e o pequeno Robson queimou os dedinhos nas brasas, chorando desconsolado como toda criança depois das travessuras desastradas.

- Fem cá no Fofô! - disse Martim, com seu sotaque carregado.
- Fofô não disse que faz totói? – completou enquanto socorria o pequeno com o unguento que aliviava as dores.

A lição também é para os mais protetores, nem sempre réus confessos como eu. À teimosia infantil e onipotência adolescente, ambas surdas, é a experiência dolorida que ensina. Cabe-nos, com nossas próprias cicatrizes, acalentar-lhes o choro sentido até que entendam que os erros na vida não são como rabiscos que se apagam com borracha; que são suas marcas que firmam nosso passo e orientam o caminho.

Histórias como esta se tornam encantadas em nossas memórias, quase lendas, plenas de saudades. Parafraseando Clarice Lispector, sempre oportuna: Um dia meu anjo da guarda, vestido de pai, disse-me que teria que fazer tudo por mim mesma e foi embora.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 20/10/2013