As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 30 de dezembro de 2012

Perfil


Imagem: T.S. Eliot (Esme) e Valerie Eliot (née Fletcher), by Angus McBean

As ondas castanhas da neblina me arremessam
Retorcidas faces do fundo da rua,
E arrancam de uma passante com saias enlameadas
Um sorriso sem destino que no ar vacila
E se dissipa rente ao nível dos telhados.
É fácil se encantar com a leitura de versos da boa poesia e não são muitos os que se interessam em conhecer, por pouco que seja, o ser humano que guarda em si o Poeta, idealizando sua figura, quase tanto quanto as musas inspiradoras o são. Assim, costumam ficar surpresos com suas biografias, onde se apresentam como simples mortais, em sua humanidade.
T.S. Eliot, autor desses belos versos, laureado com o Nobel de Literatura em 1948, é um bom exemplo disso. Um americano, que chegou à Inglaterra aos 27 anos, vindo de Harvard para concluir doutorado em Filosofia. Embora discorde, já que não se pode dissociar o homem de sua obra, seu lugar ou tempo e das influências que recebeu, transcrevo uma afirmação do próprio Escritor, que bem descreve sua dualidade: Quanto mais perfeito for o artista, mais inteiramente estarão nele separados o homem que sofre da mente que cria.
Vestia-se de uma respeitabilidade impecável, colete, terno, gravata e chapéu coco, além de colecionar guarda-chuvas. Homem de pouca e entediante fala, raramente dizia o que pensava, preferindo discorrer sobre diferentes tipos de chá. É óbvio que passou a ser considerado nos meios literários como o maior chato!
Um casamento triste, alguns relacionamentos, que presumo platônicos e a dedicada Valerie. Aliás, não fosse por ela, Eliot teria mantido suas determinações de não ter seus poemas ilustrados ou musicados e nem seriam publicados seus versos inéditos e manuscritos. Jamais tomaríamos conhecimento de seus poemas adolescentes e inacreditavelmente obscenos e nem assistiríamos Cats, com música de Andrew Lloyd Webber, que rendeu mais de dois bilhões de dólares.
O homem, entretanto, não impediu que o Poeta revolucionasse o mundo com o modernismo!

* Publicada na revista CAPITA Global News em 26 12 2012

domingo, 23 de dezembro de 2012

Então é Natal...


Imagem: A Madona de Port Lligat (1949) Salvador Dali



                Quando se é criança, tudo é festa, de luzes e alegria, de um mundo mágico, incompreensivelmente encantador. Tempo que dura pouco, já que logo se descobre que o bom Velhinho não distribui igualmente e nem a todos a sua generosidade e que afinal ele não existe.
                Para muitos e infelizmente não para todos, logo vem as constatações de que alguém paga as contas dos presentes, quando pode; que como em qualquer outro dia, há muitos com fome e que assim como o aniversariante, que só teve direito a nascer no exílio, outros tantos lutam por uma sobrevivência ao menos digna e que as vicissitudes e agruras do e de ser humano não fazem trégua porque é Natal.
                Definitivamente, não quero posar de Grinch, o esverdeado personagem de Dr. Seuss e estragar a festa de ninguém e menos ainda parecer antissocial, mas concordo em parte com o escritor e jornalista mineiro Mário Prata, que com seu bom humor criticou algumas inconveniências das festas natalinas em sua crônica “Jingle Bell pra vocês”.
                É mesmo complicado ter que dividir o espaço no restaurante, quando se quer um jantar tranquilo, com aquela turma barulhenta, que nem é a sua, em plena comemoração de fim de ano. E o amigo secreto então? De secreto, quase nada, já que logo todo mundo sabe quem sorteou quem e a brincadeira perde toda graça. Sem contar com as horas perdidas imaginando o que comprar, em meio àquele corre-corre louco de fim de ano. Parte da festa!
                E tem mais! A publicidade brasileira, tida como uma das melhores do mundo, nessa época perde totalmente a criatividade e se rende aos trenós na neve ao som do Ho, ho, ho do barbudo de vermelho, em pleno verão dos trópicos.
                Ah, sim, os presentes! Tudo que desejo é que os meus e os seus possam estar presentes, confraternizando em harmonia, nessa noite que merece ser feliz.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 23/12/2012

domingo, 16 de dezembro de 2012

Malandro é o curupira...


Chorinho, 1942 – Cândido Portinari

"Malandro é o curupira, que só faz gol de calcanhar". Lendo uma edição da revista Piauí, encontrei essa pérola! Coisas de um Brasil criativo, que muitas vezes negligencia sua própria cultura, consequência natural de quem negligencia sua própria gente. Apesar de não gostar tanto assim de futebol e menos ainda de malandragem, no estrito sentido da palavra, cabe uma boa análise, sob o ponto de vista cultural.
É inegável o nosso patrimônio de lendas e figuras mitológicas, que vão do Curupira às mulas-sem-cabeça, passando pelo Saci e que poderiam ser muito mais de mil e uma noites, além das tantas que Lobato contou. Lobato mesmo, esse que andam querendo censurar nas escolas, alegando ser preconceituoso. Uma outra história!
Sem tanto rigor quanto o de Suassuna, acredito que também cabem aqui o Pato Donald e sua turma, a Cinderela e Peter Pan. Só me preocupa que com essa globalização toda, nossas crianças cresçam, por displicência nossa, sem saber que havia um boto que gostava de festas juninas e moças bonitas. Êita Boto malandro!
Uma malandragem carregada de romantismo e imortalizada em verso e prosa. É difícil esquecer o Vadinho em “Dona Flor e seus dois Maridos”, de Jorge Amado; a bem-humorada "Ópera do Malandro", de Chico Buarque de Hollanda ou a peça teatral "Boca de Ouro", escrita por Nelson Rodrigues, um perfil realista do malandro. É claro, faltava Macunaíma, criação de Mario de Andrade, nosso anti-herói tupiniquim, sem caráter nenhum e senhor da nossa brasilidade.
Afinal, é sobre cultura brasileira que trato, em todas as suas manifestações artísticas, sejam plásticas, literárias, musicais e folclóricas, eruditas ou populares. O que falta é valorização, por nós mesmos, desse tesouro nacional tão aclamado em outras terras e que aqui, vem perdendo identidade e espaços para expressão.
 Se as pinturas de Hopper são estudadas no ensino fundamental americano, porque não ensinamos, em casa e na escola, sobre Portinari ou Tarsila?

* Publicada na Revista CAPITA Global News em 13∕12∕2012 e no Jornal “O Pioneiro” em 16∕12∕2012

sábado, 15 de dezembro de 2012

Morena

Imagem: Fotografia de Antonio Cosme


Chovem pétalas sobre o telhado francês
um verão de lembranças
do jambo na pele morena.

15/12/2012

domingo, 9 de dezembro de 2012

Desumanidade

Imagem: Foto de Antonio Cosme - Linhares -ES


Do fruto que brota
de teu árido e salgado suor,
apenas pressentes pelo perfume a doçura
e segues qual engrenagem humana,
na indústria das desigualdades.

09/12/2012

De nobre estirpe


Rancho na Serra do Cipó, Atlas zur Reise in Brasilien ,1826.


Ando com vontade de cachoeira, de pés descalços, café com rapadura e conversa ao pé do fogão de lenha. E enquanto busco o lugar ideal, viajo por meu interior. Era assim a fazenda com a casa centenária de janelas sem frestas, iluminada a bicos de gás, espantando os uivos lunares que ecoavam nas rochas.
Inevitáveis eram as histórias de não fazer dormir, que animavam nossas noites. Muitas passavam por personagens reais e familiares, já que toda família que se preza tem ao menos um entre os parentes, de quem se tenha casos, digamos, peculiares para contar. Tenho a sorte de ter alguns.
Vem-me a fisionomia rosada e sorridente de Noemi, uma das tias-avós maternas, jovial aos sessenta e poucos anos, quando convivemos com maior proximidade. Eram dias divertidos em sua casa colorida pelas porcelanas chinesas e inglesas que colecionava, milimetricamente dispostas por toda parte. Da mocidade contava, vaidosa, além de ter sido namoradeira, sobre o curso de enfermagem, raridade entre mulheres de sua geração, sua salvação e sustento quando sobreveio a prematura viuvez. Do marido, guardou os olhos azuis da filha e seguiu, sem contudo se negar ao namorado, negro e elegante, que aqueceu suas noites por muitos anos.
Sua alegria de viver e imaginação deliciosamente fértil não se abateram frente ao câncer de mama, combatido com os poucos recursos médicos da época. E sobreviveram! Quem a via em seu tailleur em tom pastel e sedosos cabelos brancos, jamais imaginaria suas tantas cicatrizes.
Pelas dez e meia da manhã, hora de preparar o almoço. E almoço mineiro, temperado pela prosa boa das mulheres na cozinha, partilhando tarefas e receitas, especiais e quase secretas.
Sai Noemi, apressada, voltando do quarto com a grande tesoura de costura na mão. Sem se importar com nossos olhares curiosos, corta inusitadamente a couve, bem fininha, enquanto nos conta da descendência direta do Barão de Catas Altas ou seria de Cocais?

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 09/12/2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Fio de seda

Imagem: Googlegift

Um dia, amanheci
do tanto tempo
tecendo-me em sedas,
rompendo com as dores de meu casulo,
que fortaleceram-me para alçar voo
e prosseguir...


* Trecho do livro autoral inédito Amoras, Amores e outros bichos.

07/12/2012


domingo, 2 de dezembro de 2012

Preto no Branco


O Beijo do Hotel de Ville - Robert Doisneau


Certo dia, em meados dos 1800, Baudelaire, tratando da Modernidade, escreveu: “É o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável”. Falava entre outras coisas de uma preocupação com a fotografia, que entendia poder banalizar a pintura e empanar seu brilho e importância. Natural que assim fosse naquele momento.
Mais de um século depois, podemos rever e revisitar essa preocupação, em outro viés. A banalização veio de fato, mas não atingiu as artes plásticas e sim a própria fotografia. O desvario dos cliques nipo-digitais traz em si a nostalgia dos filmes, da câmara escura, da suavidade e precisão das Leicas e até do Lambe-lambe que povoou as praças de minha infância, num banho revelador, de pura magia.
Há entretanto, os que fazem mais do que arte na fotografia, nomes como Doisneau, Cartier-Bresson e Eisenstaedt, entre tantos  famosos e os quase anônimos com nomes em letra miúda nos postais de Copacabana ou São João D’El Rei. Esses imprimem uma aura poética às imagens que capturam, retratando um fragmento de história, história do dia a dia, nas vitrines da vida, como fosse uma poesia do idêntico e não do diferente.
Não ouso tanto quanto Walter Benjamin ao comparar a fotografia à Psicanálise, mas reflito sobre o quanto dos desejos inconscientes do coletivo há no olhar único e individual que fica gravado numa fotografia artística. E sobre o quanto, muita vez inadvertidamente, nos reconhecemos e identificamos através delas.
É impossível evitar a sensação que nos inspira o Beijo do Hotel de Ville, de Doisneau ou os tantos beijos de guerra de Alfred Eisenstaedt e a autoconfiança do garoto da Rue Mouffetard na Paris de 1954, de Cartier-Bresson, de quem tomo emprestada a definição dessa expressão artística contemporânea: Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração. É um estilo de vida.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 02/12/2012 e na Revista Capita Global News em 29/12/2012


sábado, 1 de dezembro de 2012

Utopia

O Bule Vermelho - Carlos Scliar


Quero da vida o sonho vivido,
Cheiro de terra molhada,
Perfume de café torrado,
Melodia de nascente,
Um toque de flor na pele,
O suor do dia
E o aconchego da noite
A seu lado.

01/12/2012