As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Azuis

Imagem: Noite estrelada à beira do Reno, 1888, Vincent Van Gogh


Vento que vem,
soprando sonhos em meus pensamentos.
Estes,
que vagueiam entre estrelas,
buscando-te inutilmente,
sem encontrar
o brilho único de teu olhar.

31/05/2013
 

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Gênesis



Imagem: Índia do Xingu – Sebastião Salgado – 2007



Sabe-se pequena, quase implume, uma fêmea kaiowá qualquer. Sonha com grandes lobos de olhos de água cristalina refletindo o azul do céu. São eles que aguçam seu espírito, qual sopro na fogueira. Cobre-se com peles de guará e sai na noite profunda. As estrelas guiarão seus passos, seu norte. Seus olhos oblíquos e dissimulados buscam-lhes os rastros. Já é quase madrugada quando aninhada sob os braços da frondosa árvore, adormece exausta.
 
Com os primeiros raios de sol, revigorada pelas águas frescas do riacho guardado pela vegetação margeante, seguiu rumo à planície. Mesmo ao longe, seus ouvidos atentos percebiam sons que sabia não serem da floresta. Mais próxima, soube vozes de uma língua desconhecida. Sua curiosidade menina conduziu-a, até que visse o que pensou ser uma tribo. Um povo muito alvo que não se pintava, mas cobria seus corpos com adereços coloridos.

É somente uma cena criada através de fotografias de Sebastião Salgado, revisitadas a propósito de sua mais recente exposição, Gênesis, que já pode ser apreciada no Museu do Meio Ambiente. Alguns entre os 245 trabalhos estão expostos na área externa, ambientados à exuberância do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. É sem dúvida um dos grandes expoentes da fotografia contemporânea, reconhecido mundialmente. Impressiona-me o foco de suas lentes em flagrantes da vida, muitas vezes denúncias que prescindem das palavras, de realidades humanas artisticamente mostradas.

Há um motivo particular para minha preferência por suas fotos de indígenas e identificação com elas, sejam as da jovem do alto Xingu – uma escultura viva – ou das Zo’e, paraenses, descansando em redes sobre folhas de palmeiras. Tataraneta de uma índia brasileira, quase perdida na memória familiar, pouco se sabe sobre sua história além de ter sido pega a laço nas cercanias de uma fazenda. Como a maioria dos brasileiros, sou fruto de uma miscelânea racial, mas vejo em mim retratados os traços genéticos absolutos da gênese de nosso povo.


Publicada na Revista CAPITA Global News em 30/05/2013

terça-feira, 28 de maio de 2013

Monograma


Brinco com as letras
com a delicadeza de quem as tece
no puro linho.
Entrelaço-as,
dou-lhes cores no espaço.
Por fim,
são elas que me embalam perfumadas,
unindo-se em lembranças minhas
dos desejos nossos,
para além dos lençóis, 
nós,
opostos complementares,
naturalmente,
um homem e uma mulher.

28/05/2013.

domingo, 26 de maio de 2013

É fácil ser difícil



Imagem: Fonte Google

Difícil mesmo é ser fácil! Não ria, já que esse fácil a que me refiro, é aquele ser mais adequado, que amadureceu e ultrapassou o próprio umbigo e olha, com olhos de ver, o mundo e o outro e não se esconde, por incompetência ou comodidade, no mau humor, um azedume conveniente, quando melhor lhe cabe. Aquele que rosna, antes mesmo de ser ameaçado.

Sabemos bem, ainda que não tenhamos formação profissional específica, reconhecer e devemos respeitar quem está realmente deprimido ou apresenta alguma dificuldade emocional ou transtorno psíquico que inspira cuidados. Nesses casos, a ajuda terapêutica associada ou não a outras técnicas ou medicamentos, quando necessários, permitem uma vida produtiva, com relações profissionais e pessoais adequadas.

Trato aqui dos de difícil trato, os temperamentais de carteirinha, que às vezes parecem andar com uma plaquinha, do not disturb, pendurada no pescoço. Seja por egocentrismo ou narcisismo crônico, por recusar-se a evoluir e crescer ou sabe-se lá o porquê, sentem-se no direito (e o reivindicam) de serem absolutamente desagradáveis. Agem como se só eles tivessem motivos para se aborrecer e fazem questão de alardear aos quatro cantos do mundo.

A esses é bom fazer saber, que com certeza em algum momento pagarão um ônus e provavelmente bem alto por sua opção: o de ficarem sozinhos ou sem palco algum dia. É que acaba cansando ver o mesmo espetáculo repetidas vezes.

Há remédio para tudo, aquele sem rótulo e que não se encontra em farmácias e nem se manipula: é querer. Querer ser e estar, conjugando direitinho os tempos verbais. That's the question! Uma questão traduzida maravilhosamente por Gullar:
"Uma parte de mim/ é todo mundo:/outra parte é ninguém:/fundo sem fundo...
Uma parte de mim/ pesa, pondera:/ outra parte/ delira...
Traduzir-se uma parte/ na outra parte/ - que é uma questão/ de vida ou morte -/ será arte?"
                Ao que exclamo: Sim, a arte de bem viver!

Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 26/05/2013

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Uma história de amor



Imagem: Menina com bandolim – Pablo Picasso

A música brasileira é sabidamente considerada um manancial riquíssimo, merecendo inclusive o olhar de estudiosos dos quatro cantos do mundo. Cabe a nós reconhecê-la como uma linda história de amor, que bem poderia ser escrita, mais ou menos assim:

Eu nem queria mais sofrer a agonia da paixão, nem tinha mais o que esquecer, vivia em paz, na solidão. Não sei se o acaso quis brincar ou foi a vida que escolheu, por ironia fez cruzar o meu caminho com o seu.

Vieste de olhos fechados num dia marcado, com a cara e a coragem, com malas, viagens, prá dentro de mim. Me encontrou tão desarmada e antes que eu dissesse não, se instalou feito um posseiro dentro do meu coração.

Quando um coração que está cansado de sofrer, encontra um coração também cansado de sofrer, é tempo de se pensar, que o amor pode de repente chegar. Porque foste na vida, a última esperança encontrar-te me fez criança. Porque já eras meu, sem me dizer que vinhas e tuas mãos foram minhas com calma, meu coração ateu quase acreditou no que não passou de um leve adeus.

De repente, não mais que de repente fez-se de triste o que se fez amante. Breve pássaro pousado em minha mão bateu asas e voou. Só uma coisa me entristece: a jura secreta que não fiz, porque foste em minh'alma como um amanhecer, porque foste o que tinha de ser.

Volto ao jardim com a certeza que devo chorar, derramando sem querer a febre dos meus ais, pois bem sei que não queres voltar para mim. Queixo-me às rosas, mas que bobagem, as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti. Se falo em mim e não em ti é que nesse momento já me despedi, meu coração ateu não chora e não lembra, parte e vai-se embora.

* Músicas e poemas citados: As rosas não falam (Cartola), Teresinha (Chico Buarque de Holanda), Vieste e Acaso (Ivan Lins), Jura Secreta (Sueli Costa e Abel Silva), Soneto da Separação (Vinícius de Moraes), O que tinha que ser e Caminhos cruzados (Tom Jobim), Enquanto espero (João Bosco), Coração ateu (Sueli Costa).
Publicada na Revista CAPITA Global News em 23/05/2013

domingo, 19 de maio de 2013

Nem sempre o vento leva



Imagem: Pipas - Cândido Portinari - 1941
               
Para um bom entendedor, um pingo é letra, ponto de parada que em si encerra e de partida na expectativa do próximo parágrafo, com fôlego recuperado e idéias refeitas. Divagações que me trazem bons temas, língua portuguesa e linguagem. Muito se fala do Acordo Ortográfico, que continua gerando desacordos, tamanhas as diferenças entre o português falado e escrito pelos cantos do mundo, sem considerar as que encontramos nos regionalismos em nosso próprio país. Se já são gritantes na linguagem oral, pode-se imaginar um oceano entre as letras, especialmente no que se chama de linguagem culta. Que o digam os escritores, poetas e os amantes da boa literatura.

Faço aqui apenas uma observação e não a queixa comum de uma maioria monoglota que alimenta o mito de ser o português “a língua mais difícil do mundo”. Um deslize na concordância ou no gênero - muitas vezes de palavras de origem árabe ou inglesa - basta para que o cidadão amaldiçoe a língua pátria, já que mãe, ao pé da letra seria o sânscrito.

À parte a discussão, muito mais teórica e que no momento não nos altera tanto a prática, importam a todos as formas de expressão, já que a comunicação oral ou escrita é parte de nossa cultura e do quotidiano. Dia desses recebi um e-mail institucional que estabelecia normas, inclusive de tratamento, para sua utilização. Inicialmente achei até divertido, partindo do entendimento de que seriam óbvias demais para serem necessárias. A surpresa quanto ao meu equívoco, veio pouco tempo depois, com uma mensagem trocada entre colegas de trabalho e copiada por engano à instituição interessada. Os termos utilizados, quando muito, poderiam ser adequados em partidas de futebol e além de estremecerem as relações institucionais, foram motivo para uma punição administrativa exemplar aplicada aos desbocados. Fica a lição sobre o poder da comunicação e a moral da história: as palavras, nem sempre o vento leva!

Publicada no Jornal ”O Pioneiro” em 19/05/2013