As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Alma de Bailarina



Imagem: Ballet dancer - Renata Brzozowska, 2008


Sabemos que o feminismo como originalmente concebido, seja a ideia ou o movimento, é hoje uma página virada na história e que infelizmente não foi o bastante para que nós, mulheres, conquistássemos um espaço mais justo nas sociedades humanas. Nem falo dessa igualdade que confundimos com oportunidades iguais no mercado de trabalho, um de nossos mais flagrantes enganos, já que desiguais. Desiguais por natureza, essa biológica mesmo, que desde as cavernas nos atribui papéis diversos convencionados socialmente ao longo do tempo.

E engano, por sabermos desde Aristóteles que “a verdadeira igualdade consiste em tratarem-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualem” e que nos levou a usar todos os dias o modelito da Mulher Maravilha, somando às nossas tarefas profissionais, aquelas não remuneradas, ditas domésticas e tidas como inerentes ao gênero feminino. Leio a opinião pertinente de Elfriede Jelinek, Nobel de Literatura, que ainda traz embutida questões outras, maiores do que as diferenças de gênero: “Nenhum país teria PIB o suficiente para pagar a dívida dos serviços não remunerados (e não reconhecidos) feitos pelas suas mulheres”.

Tudo nos indica que a fórmula mágica deveria ser outra, essa que não sabemos, mas que incansavelmente buscaremos até que se faça seu tempo de ser. Acredito que o papel da mulher será redefinido gradualmente, influenciado por todos os passos que nos fizeram antes o caminho, tudo isto que chamamos de cultura e história. Ah, o tempo! Melhor mesmo seguir pensando na vida – essa mistura de necessidades e acasos - enquanto fazemos o pão de cada dia, alimento de nossas crias, com as mãos delicadas e firmes de uma pianista e as vestes de bailarina, sonho primeiro de menina, a equilibrar-se nos palcos do mundo.

Lembro, entre os primeiros que ousei chamar de versos:
Seja um ‘Pas de deux’ ou ‘Solo’
vence as dores
dos esforços e desamores
dançando a esperança
do porvir.


Publicada na Revista Capita News em 30/08/2013.

domingo, 25 de agosto de 2013

Como é que vai?

Imagem: Google/Divulgação
               

Finalmente o país, ou ao menos parte dele, despertou quanto à importância do hábito de leitura e do mercado editorial brasileiro. É claro que o foco são as tendências de consumo, mas já podemos perguntar como vai o livro, o autor e o leitor no país.

Dias atrás li uma matéria divulgando, quase orgulhosamente, uma pesquisa indicando que os mineiros leem quase o dobro de livros por ano do que a média brasileira, ou seja, aproximadamente 7 livros por mineiro a cada ano. Pode parecer uma vitória, mas se considerarmos que a média em outros países é superior a 10 e chega a ser maior do que 15 nos países nórdicos, não temos com que nos vangloriar. Mesmo por aqui, há alguns anos, era exigida a leitura de 10 obras, entre romance e poesia, para se preparar para as provas das Universidades Federais, além de todos os livros didáticos indispensáveis às outras disciplinas. Pelo que sei esta exigência baixou para cinco nos últimos anos e não é unanimidade entre as demais escolas superiores.

Tudo isto importa para quem faz dos livros um negócio rentável, o que infelizmente não é o caso do escritor. Transformar o leitor em um número estatístico atende a quem busca os melhores nichos do mercado, mas obviamente não aponta dados qualitativos que realmente nos orientem quanto à qualidade da educação a ser oferecida ou ao nível cultural do brasileiro do século XXI.

E se nem isto, menos ainda é levado em conta que a relação do leitor com o livro é um encontro com o prazer literário que não se atém às normas de consumo ou a motivação e as buscas de quem se entende como escritor. Nesse caminho, ressalto somente o que nos diz Octávio Paz: A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade, ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 25/08/2013

sábado, 24 de agosto de 2013

Haikai - Série



XVII
A tarde derrama cores de noite,
nas últimas gotas do dia
escrevo estrelas nascentes.



XVIII
Ainda que tarde
Sou olhar navegante
Que me faz porto.



XIX
Nas manhãs de domingo,
antes do café e depois dos jornais
nosso tempo é enquanto.



XX
Gosto dos enquantos,
dos aindas e durantes,
os antes, só depois.


24/08/2013

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

E essa tal felicidade?

Imagem: Google/divulgação
               
Vinha de um círculo de debates e leituras filosóficas que precisam decantar a seu tempo. Pensei ser necessário desligar-me por uns dias do estudo pesado e mergulhar no corriqueiro da vida. Adormeci com desejos de certa poltrona, ainda aquém dos dias que se fazem caminho para que se torne realidade.

Na manhã fria e azul de fim de inverno, pouco depois do café e da propaganda de margarina que antecedia o telejornal, já pude me perceber na contramão do que esperava ser o dia. A sequência de sorrisos plásticos dos comerciais trouxe com ela a reflexão sobre a tirania da felicidade, esta imposta de fora para dentro pelos meios de comunicação, com o sabido objetivo de tornar a massa refém de tudo o que se pode comprar, na ilusão de alcançar essa tal felicidade.

Disseminou-se em nosso tempo a obrigação de ser feliz ou ao menos parecer ser, revelada sob os véus de Maia, que ocultam os próprios umbigos, apesar de serem eles a intenção primeira. Assim é mostrada a si mesmo e ao outro somente a imagem que o mundo capitalista e globalizado espera de cada um e que se confunde com a do executivo bem sucedido: bonito, bem vestido, seguro de si, realizado e resolvido afetivamente e com aquela estrelinha dos cremes dentais brilhando no sorriso.

Certos estão muitos estudiosos, os psicanalistas principalmente, que sugerem que abandonemos o termo, já que atualmente tornou-se uma mercadoria capaz de vender outras mercadorias e não se pode acreditar a vida, esse conjunto de necessidades e acasos, como motivo em si mesmo que assegure a plena felicidade, tornando-nos cegos às tantas misérias da humanidade.

Foi a este lugar que chegamos, depois de pensarmos por dois milênios sobre a utopia da felicidade - esta que Kant disse não existir – e a buscarmos narcisicamente em nós mesmos, tornando o outro, que pretende nos impor seus paradigmas, o próprio inferno de Sartre.


Publicada na Revista CAPITA Global News em 22/08/2013

domingo, 18 de agosto de 2013

Elementar, meu caro Watson!

Imagem: Fonte Google/ Divulgação

Há quem se sinta protegido e seguro nesta individualização e nos relacionamentos mais superficiais que vem caracterizando este nosso tempo, acreditando mostrar-se só um pouquinho e quando muito só o melhor ângulo de seu perfil. Em uma manhã qualquer vai acordar com a sensação de estar sendo vigiado por olhares algumas vezes mais do que curiosos ou por passos que o seguem silenciosos esgueirando-se nas sombras.

Não falo de paranoia, o que pode até acontecer em casos mais graves, mas sim da era pós internet em que a grande maioria julga navegar, sem se perceber preso às redes sociais e especialmente a imensa exposição de nossa pretensa privacidade.

Hoje nosso Holmes provavelmente estaria na fila dos desempregados, como um anonimous qualquer, já que até Watson dominaria a técnica elementar de um simples clique depois de um nome ou pergunta simples em um site de pesquisas qualquer. Bond, coitado, mesmo com todo aquele charme britânico, quando muito seria um pesquisador sênior da WikiLeaks, se não exilado na Rússia.

Os melhores detetives e agentes secretos foram substituídos por stalkers, pessoas comuns que espionam a vida de qualquer um, ainda que um vil mortal, por todos os motivos imagináveis, desde a mais simples curiosidade que toda a tecnologia favorece até a perseguição obcecada de celebridades, sem contar a espionagem de fato, seja a empresarial ou a que busca por segredos de estado.

A partir do assassinato do olho mágico pelas câmeras de circuitos internos, do surgimento dos celulares que sempre acreditei serem coleiras eletrônicas e do amplo acesso às redes sociais, todo mundo vê e sabe de todo mundo. Segredos só mesmo entre quatro paredes e ditos ao pé do ouvido, se não houver nenhum equipamento ligado via bluetooth.

Stalker bom em minha opinião é o filme de Andrei Tarkovsky, com suas típicas tomadas lentas e longas, intensamente elaboradas, intercaladas com diálogos filosóficos e até mesmo poesias.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 18/08/2013

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Haikai Série




XIII

Caminhos etéreos em pautas,
conduzem os voos que alço
nas cordas que vibram sentimentos.


XIV

Parto,
Um renascer
Outra.


XV

Calo as palavras
Perdidas de seu nexo
No silêncio, as respostas.


XVI

Há tolices bem ditas
que não se escrevem,
delas o vento se encarrega.


14/08/2013

domingo, 11 de agosto de 2013

Na hora do almoço

Imagem: Almoço dos Remadores – Renoir, 1880
               
Seria um almoço comum numa segunda qualquer no restaurante de costume. A comida cheirosa - bem feita – e o tratamento simpático e familiar davam o tom aconchegante ao ambiente e tornaram-me cativa, antes mesmo que surgissem os laços de amizade com as donas da casa: mãe e filha.

Sentei-me à mesa com uma delas, como já era hábito. Com ela, outra amiga conversava animadamente, sem se inibir com minha presença, ainda uma desconhecida.  Falava com poucas vírgulas e muitas exclamações, sobre seu novo amor, um amor vindo inesperadamente de uma relação de amizade em seu passado.

Fiquei apenas ouvindo inicialmente, motivada por toda aquela felicidade que transbordava nela. Como foi bom ver o brilho apaixonado no ilhar daquela mulher madura. Houve num momento de hiato em sua fala, a oportunidade para que fossemos formalmente apresentadas.

Na prosa que se seguiu pude vislumbrar nuances da mulher que é. Sua eloquência, além da intensidade de sua vivência afetiva, vem da academia. Uma dedicada professora universitária e orientadora de teses, que apesar da carreira sólida, da responsabilidade e da carga horária apertada, cogita inclusive em abandonar tudo para viver seu grande amor.

Contou-nos o quanto o novo relacionamento com seu Alan Delon - semelhança que talvez somente ela encontre – tem lhe propiciado na busca do melhor de si, fazendo com que retomasse a escrita não acadêmica e a leitura dos poetas preferidos, esquecidos em algum lugar em sua juventude.

Acabamos nos encontrando em comentários sobre Guimarães Rosa, Jorge Luis Borges e Mia Couto, para citar apenas alguns. Quando nos despedimos apressadas, percebi que passaríamos a tarde inteira entretidas em nossa descoberta como pessoas, não fossem as obrigações que nos aguardavam.

Teria sido um almoço comum de uma segunda qualquer, não fosse aquela presença feminina tão viva e autêntica em sua felicidade madura e a oportunidade de constatar algumas obviedades sobre as riquezas que as relações afetivas nos propiciam.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 11/08/2013

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Os caminhos de Pollyanna

Imagem: Eleanor H. Porter

A madrugada insone levou-me à modesta estante, morada dos livros aos quais não dei asas, em busca de um Borges que me acompanhasse até o amanhecer. A pouca iluminação do abajur me fez tatear entre eles quase às cegas, guiada pela lembrança de sua localização mais provável.

Acabei surpreendida ao encontrar outro que nem sabia mais lá: um exemplar adolescente da Pollyanna de Eleanor H. Porter. Não cabia uma releitura, mas ao abri-lo, senti como se estivesse folheando minhas recordações meninas.

Hoje poucos se lembram da história comovente e alegre da encantadora órfã, vivendo na casa da tia solteirona e rica. Menos se sabe ainda que a primeira tradução em português chegou-nos pelas mãos de Monteiro Lobato em 1934 e que se seguiram onze Pollyannas escritas por outras autoras como Elizabeth Borton, Harriet Lummis Smith, até a última versão na década de 90, de Colleen L. Reece.

O século XX foi realmente decisivo para a inserção da mulher em todos os cenários, sociais, políticos e culturais. Naturalmente o universo feminino foi descoberto como nicho de mercado, embora não houvesse ainda totalmente disseminado, o sincronismo que a globalização e a internet trouxeram.

Nesse sentido, há correlações interessantes. Enquanto as americanas incendiavam meio mundo - além de simbolicamente os sutiãs – as brasileiras suspiravam lendo fotonovelas. A partir do modelo italiano da década de 50 e da popularização do cinema, a revista Grande Hotel, precursora da Capricho, Sétimo Céu e outros vinte títulos encantaram o público feminino.

A maior contribuição das fotonovelas - assim como das Pollyannas - foi incrementar o hábito de leitura entre as brasileiras nos mais diversos níveis sócio-culturais, especialmente por suas edições baratas e acessíveis às de menor poder aquisitivo. Definitivamente uma grande evolução em um Brasil de alto nível de analfabetismo.

Amanhecia quando fechei o pequeno livro amarelecido e o devolvi carinhosamente ao seu espaço na estante. Borges me acompanharia em outra madrugada.



Publicada na Revista CAPITA Global News em 08/082013

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Haikai - Série





IX
O primeiro olhar da manhã
Traz na brisa o perfume
Do outono esperado.



X
O hiato das palavras não ditas
Guardam as reticências
De olhares eloquentes.



XI
Há que ser fugaz o momento
Para que a intensidade
Não cegue a lucidez.



XII
Sonho estrelas e naus
Singrando caminhos de pedras
Nas montanhas de meu horizonte.

06/08/2013

domingo, 4 de agosto de 2013

O dia dos meus dias

Imagem: Amêndoas – Van Gogh
               
Também eu, queria chapinhar em poças d'água, saber universos nas pedrinhas brancas do caminho, sem o coelho da Alice correndo com as horas apressadas atrás de mim. Seria muito bom ter de novo aquela sensação de que o tempo passa manso e que o próximo aniversário ainda está longe de chegar.

Falo de ansiedade sim, mas não só aquela nossa, genuína. Há também a que nos é imposta, de fora para dentro. É esta que nos faz sentir o quanto perdemos entre o início da linha e o ponto final nos engarrafamentos inúteis nossos de cada dia. A vida moderna e especialmente a globalização nos rouba em nosso tempo, com as mais variadas e imprevisíveis situações, fazendo-nos sentir muitas vezes como se tivéssemos vivido um ano em um dia.

Além disso, somos impelidos a produzir cada vez mais e por mais tempo ao longo dos anos, para atender ao modelo imposto e aos caprichos do mercado de consumo. O modelo a que me refiro é o que aponta como objetivo maior o sucesso individual e para tanto, estudamos e nos especializamos mais e nos dedicamos com afinco cada vez maior ao trabalho. Pagamos com o que nos é mais caro por tudo que nos custa caro, muito mais do que podemos comprar, mesmo que em suaves prestações.

Sei bem que não há novidades aqui e que muitos são os que se dedicam a tratar seriamente sobre o assunto, sejam nas ciências sociais ou humanas, nas mais diversas áreas de cada uma delas. Apenas constato os caminhos, que muitas vezes sem escolha, sou obrigada a seguir sem sequer ver a paisagem ao redor. 

No fim das contas o que não quero é cantar Titãs sobre o meu próprio epitáfio. O devia ter e os pretéritos imperfeitos não me vestem bem. Neles cabe o que se deixou de viver e sentir sem o tempo para se refazer.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 04/08/013

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Versos em quatro estações

Imagem: Casario em Mariana – Bico de pena - Fagundes
               
Dedilhava versos de Rilke, recostada no que restava da tarde, confortável no silêncio dos pensamentos. A luz filtrada pela cortina esvoaçante convidava à dança em seus movimentos. Com o livro entre as mãos junto ao peito coloquei-me no parapeito, como namoradeira a espiar a vida lá fora.

Não havia passantes. Pelas ausências das janelas entreabertas descortinavam-se os horizontes das vidas vividas por trás delas. Somente os sons das TV’s várias em canais vários e um piano insistente ensaiando as Quatro estações de Vivaldi. Era o ar que se respirava morno na pequena cidade que se esvaía em ladeiras.

A figura solitária de um homem inseriu-se nos quadrantes mais longínquos do olhar, ainda um vulto subindo as escadas do passeio. Vinha comum como tantos, tênis, jeans e uma blusa de malha mais solta, desenjambrada no corpo, com o peso da bolsa que trazia no ombro, talvez. Parou por instantes procurando em seu interior algo que lá não se encontrava. Deu de ombros e seguiu em passos lentos até ficar ali, de pé ao largo da praça, gesticulando como se falasse a muitos, elegantemente.

E de lá, depois de colhida a flor que coloria o jardim, correu até uma janela próxima, que fechada não via seu gesto de oferecimento, nem as palavras inaudíveis que dizia arfante, poemas a amada, provavelmente. Sentia como se em seu desvario, declamasse versos que foram sonhos meus um dia.
Cerro os olhos e guardo somente sua presença que já se faz distante. Volto-me na penumbra à poltrona que me acolhe em seus braços. Com o olhar perdido dessa que sou, como a pantera de Rilke, fito as lembranças da que jamais fui, saudosa da que não mais ousarei ser.
“De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração”.

Enfim o conforto, nas estações de Vivaldi!        


Publicada na Revista capita Global News em 02/08/2013