As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 20 de abril de 2014

Sonhos & Associados

Imagem: Índias Zoe – Gênesis – Sebastião Salgado


Poroca, Piracema, Pirapora e Itaoca. Assim, nesta ordem e sem imagens, as palavras de origem tupi, apareceram escritas naquele sonho em preto e branco, “times new roman”, alternando seus tamanhos maiores ou menores, às vezes em negrito outras não. A mim cabia a necessidade premente de encontrar-lhes o significado em seu nascedouro. Certo que não os encontrei enquanto dormia, tarefa adiada para depois do café da manhã e dos jornais do dia.
               
Poro’roka é o gerúndio do verbo “estrondar” e é usado para definir o encontro ruidoso das águas de alguns rios. Saída de peixes é o significado de piracema, nome dado ao período em que os peixes sobem os rios até suas nascentes para desovar. Pirapora é o salto dos peixes, em plena piracema, para vencerem as corredeiras dos rios, enquanto Itaoca é simplesmente uma casa de pedras, onde no litoral capixaba ficavam protegidos os pequenos barcos pesqueiros que habitavam as águas nos anos setenta e oitenta.
               
Os sonhos e seus significados guardam interpretações populares as mais diversas e foram, como sabido, objeto de estudos de Freud, que por fim refutou a própria teoria sobre eles. Ando lendo muitas lendas e mitos indígenas ultimamente, o que faz com que o sonho com símbolos léxicos se enquadre na categoria de restos diurnos, formados por vivências ou experiências passadas no período de vigília.
               
Interessante foi que durante a pesquisa dos termos em tupi, veio-me a imagem nítida: uma fotografia de Sebastião Salgado, em Gênesis, retratando as índias Zoe. Foi através dela, que tomei conhecimento da ainda existente tribo com cultura poligâmica e poliândrica preservada em meio à luxuriante floresta ao norte do Pará. Lá cada mulher possui quatro ou cinco maridos, em convivência harmoniosa, o que talvez e somente talvez se associe ao significado de tanta água corrente e peixes saltitantes no sonho que não parecia ter pé ou cabeça. Que não haja psicanalistas de plantão!




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 20/04/2014

domingo, 13 de abril de 2014

Jujuba

Imagem: Cine Teatro Central em Juiz de Fora - MG


               
Surpresa? Foram centenas de bolhas de sabão invadindo alegremente o ar cansado da cidade corrida entre a manhã e a tarde de um dia qualquer. Eram dois os ambulantes – imitações de figuras circenses – perambulando entre os automóveis e abrindo sorrisos infantis nos rostos passantes. Algo que me lembrou Chaplin e seu humor inocentemente mudo.

Os tons de arco-íris que colorem as películas de sabão esvoaçante levaram-me imediatamente às tardes de matinê dos tempos de criança. Os cinemas de então eram verdadeiros palácios, finamente decorados com afrescos coloridos em seus tetos, colunas em mármore e lustres belíssimos, além – é claro – da insubstituível cortina de veludo vermelho. Todo este luxo e requinte despertavam a magia do espetáculo e nossas mais mirabolantes fantasias. Como todo palácio exige, havia um cerimonial que antecedia a entrada neste reino em que nos era permitido saborear algumas horas, esquecidos da realidade.

Primeiro, as longas filas para comprar os ingressos, enquanto nos ofereciam guloseimas coloridas e doces. Era o momento de se escolher entre as balas de goma ou as jujubas e os inesquecíveis dropes “Dulcora”, que faríamos o possível para que durassem a sessão inteira. Depois a escolha das poltronas, as brincadeiras contidas, até que se apagassem as luzes. Então nos entregávamos, entre risos, às aventuras de Tom e Jerry ou às magníficas produções de Walt Disney.

Mais tarde, viriam as sessões dos grandes sucessos de bilheteria com a turma de amigos que sabíamos para a vida inteira, antes que se perdessem para as películas românticas com os namoradinhos que também jurávamos ser para sempre.

Com o tempo, a maioria destes templos da sétima arte foram desaparecendo e muito poucos resistem reconhecidos como patrimônio histórico. O mundo girando cada vez mais rápido e as sessões com produções as mais variadas, são hoje vistas em pequenas salas entre um almoço e as compras no shopping. E quem ainda fala em cinema de arte?




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 13/04/2014

domingo, 6 de abril de 2014

E cadê?

Imagem: Ferrovia Madeira Mamoré, foto Dana Merril
               
Onde ficaram as águas de março fechando o verão? Este ano somente na lembrança de Jobim. Não vieram para estas bandas e não por encanto evaporaram-se. Passamos do nulo ao baixíssimo e posteriormente ao baixo risco de desabastecimento de água e concomitante aumento dos custos de energia, até que amarelamos de vez. O raciocínio é óbvio – todo líquido que se aquece evapora -, mas não cabem na lógica predatória dos incendiários senhores que alardeiam sua produção e lucros a qualquer preço desde o início da era industrial.

Pode parecer paradoxal, mas enquanto lamentamos as torneiras minguando e o deserto surgido onde antes abundava vida na Represa de Furnas, as águas esparramaram-se pelo Rio Madeira abaixo, afogando de vez os trilhos de nossas memórias. O pouco que restava da Estada de Ferro Madeira-Mamoré construída no início do século XX, as velhas locomotivas, o museu e suas peças históricas foram literalmente água abaixo.

Ainda piores, são as perdas humanas, os milhares de sobreviventes desabrigados, estradas intransitáveis e centenas de cabeças de gado afogadas. Afinal quem leva em conta as análises de impacto ambiental? Quem se lembra de como é formada a bacia do Madeira? Não, não previram que os rios Beni e Madre de Dios receberam uma sobrecarga d’água, com o maior degelo dos Andes somado às fortes chuvas em suas cabeceiras.

Enquanto sobra lá nas esquecidas terras – ou águas - de Rondônia, a nossa fonte de vida, e da qual viemos, escasseia abaixo da linha do Equador, já que mesmo com toda a nossa riqueza hídrica nos esquecemos de sua finitude e a exploramos sem a menor consciência e consideração pelo bem coletivo.

Dizem os estudiosos do clima que as altas temperaturas neste verão foram atípicas, enquanto modestamente indago se não se trata de um aumento progressivo observado a cada ano. Resta-me perguntar como Drummond: “Quem reconhece o drama, quando se precipita (ou não), sem máscara”?




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 06/04/2014

domingo, 23 de março de 2014

Efeitos especiais

Imagem: Tela monocromática - Michael Peck



Passear pelos campos de nossas memórias é como estarmos em um jardim com flores coloridas por nossos sentimentos, fantasias e imaginação, respirando a brisa fresca de nossa percepção. A imagem pode ser poética, mas é sabido há muito pelos estudiosos do comportamento humano, que duas pessoas submetidas à mesma experiência ou situação, não guardarão dela a mesma lembrança. Um mesmo episódio pode ser traumático para um indivíduo, negado por outro – portanto apagado de sua memória – ou uma bela vivência de superação para um terceiro. Cada um de nós pode interpretar o mesmo texto a seu modo ou até mesmo ignorá-lo, já que sabemos também que muitos passam pelas flores sem saber delas o perfume e os espinhos.

Nossas histórias ganham tons diferentes em cada etapa da vida. Os que tiveram uma infância bem vivida guardam as brincadeiras, o riso e a alegria de um mundo que até então era mágico. Da adolescência e juventude muitas vezes trazemos as aventuras e ousadias partilhadas com o grupo que se imaginava inseparável de amigos, as músicas, o primeiro beijo, a primeira vez. E também ficam arquivados os casos de família, que serão lembrados mais tarde, com os filhos e netos.

Como nem tudo são flores e não vivemos em um mundo encantado, o filme de nossas vidas tem cenas tristes, conta das perdas e desilusões também. Assim como nos filmes, somos editores e diretores de efeitos especiais, selecionando as imagens que ficarão gravadas e que depois, em outro momento, serão editadas novamente.

A novidade, dizem os cientistas da Northwestern University, é que o nosso baú de tesouros fica guardado no hipocampo, pequenas e protegidas áreas de nosso cérebro. Quando chegamos ao epílogo de uma longa história, começamos a misturar os personagens, seus papéis, época e trama. Parafraseando Guimarães Rosa, o correr da vida embrulha tudo, aperta daqui e afrouxa de lá, desinquieta por muito tempo e depois sossega.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 23/03/2014

domingo, 16 de março de 2014

Por falar em redes

Imagem: Google/divulgação


Passeava em minha rede social favorita entre as tantas letrinhas tagarelas dos contatos que mantenho por lá, como fazemos todos nós – cidadãos incluídos –, até encontrar um desabafo ambientalista de gente da minha geração, lembrando que despreocupados do tema, devolvíamos as embalagens de vidro do leite, dos refrigerantes e da cerveja, que depois de higienizadas eram reaproveitadas pelos fabricantes por diversas vezes; que havia apenas uma televisão em casa e somente um ponto de energia em cada cômodo e que não havia tantos eletrodomésticos a nos deixar com os braços preguiçosos e os músculos flácidos. Eram muitos outros exemplos citados no bem escrito texto, lembrando hábitos de vida recentes que hoje nos parecem longínquos. Foi só desviar o olhar para outra postagem e encontrar uma acalorada conversa sobre uma citação atribuída simplesmente a Alexandre Magno, que por falta de registros fidedignos passa por lendária.

Daí é fácil pensar que depois do advento da Internet e de todos os seus produtos estamos produzindo muito conteúdo, por vezes de excelente qualidade. Pode-se dizer que a palavra está hoje na ponta dos dedos e que a grande maioria escreve e lê muito mais, o que me parece um excelente efeito colateral, considerando também que tudo que escrevemos fica registrado e é público, o que de certa forma desmistifica o desejo, antes tão etéreo, de tantos que se pretendem lidos.

Cabe analisar somente o tipo de conteúdo produzimos, se apenas uma forma de comunicação, se produzimos informação ou em que medida podemos ver aí uma nova forma de expressão literária. Hoje, mais do que nunca, cabe o dito: de poeta e louco todo mundo tem um pouco.


Sem maiores definições sobre literatura, sintetizo minha opinião com versos de Bukowski: “se não sai de ti a explodir... / a menos que saia sem perguntar do teu/ coração, da tua cabeça, da tua boca/ das tuas entranhas,... / não o faças”.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 16/03/2014

domingo, 9 de março de 2014

Sonho e fantasia

Imagem: Tubiacanga - Google/divulgação


“Acabou nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais/ Brincando feliz/ E nos corações/ Saudades e cinzas/ Foi o que restou”, já dizia nosso poetinha em 1964, repetido pelo séquito de saudosistas – sem poesia – lamentando o fim do Carnaval, como manifestação cultural e genuinamente popular.

Não me faço surda às lembranças de serpentina e confete - “pedacinho colorido de saudade”-, dos arlequins, pierrôs apaixonados por suas colombinas e dos “mais de mil palhaços no salão”. Mas passou o tempo, mudaram os ares e a festa de Momo. Restaram os desfiles das escolas de samba para inglês (e o resto do mundo) ver, chamariz turístico high tech, promovendo celebridades instantâneas e corpos esculpidos instantaneamente. Um belo espetáculo sem dúvida, que lança no ar o perfume estilizado do que foram outros tantos carnavais.

Em meio às cinzas, duas centelhas reacendem a esperança de ver nascer um novo carnaval do e para o povo, nossa gente simples, comuns e incomuns.

A primeira delas, no Engenho de Dentro – RJ, é o bloco “Loucuras suburbanas”, criado com o objetivo terapêutico de reinserir pacientes psiquiátricos egressos do modelo institucionalizado arcaico em seu meio sociocultural, emprestando-lhes identidades novas através dos personagens da folia, com fantasias confeccionadas pela própria comunidade que os acolhe e com eles se integra na brincadeira sadia.

A outra, faísca em Tubiacanga, bairro quase clandestino e nômade da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, na Ilha do Governador, um pouco depois do apocalipse e antes do fim do mundo. Sem nem saber sobre a origem de seu nome, provavelmente esquecida em algum canto de nosso passado indígena, a Unidos de Tubiacanga, pequeno bloco de enredo - com um único e enferrujado carro alegórico – sonha grande. O presidente vaidoso proclama o desejo de sua gente de, quem sabe este ano, sair da quinta divisão do carnaval carioca subindo um degrau rumo à Sapucaí.


“Canta o meu coração”...

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 09/03/2014

segunda-feira, 3 de março de 2014

Muito obrigada!

Imagem: Google/divulgação


Sempre me interessei pela etimologia das palavras e dos termos que usamos na linguagem oral ou escrita. É sempre um prato cheio para quem gosta de contar histórias, muitas vezes divertidas. Sobre a origem de forró, muitos sabem a versão de que veio de “for all”, as festas populares promovidas pelos americanos que viviam na base aérea de Natal, durante a segunda Guerra Mundial. Mas há um lapso de tempo um tanto obscuro nesta explicação, já que o termo foi parar no dicionário pela primeira vez, bem antes, em 1899. Daí, vieram outros dizendo que forró vem de forrobodó, termo mais controverso ainda, que tanto se considera vindo do banto, quanto do francês “faux-bourdon”. De fato, a palavra dá nome a uma opereta de Chiquinha Gonzaga que estreou em 1911 no Rio de Janeiro.

Mas não era bem este o termo que queria comentar. Há alguns dias, agradecendo a um amigo por uma gentileza, respondeu-me de forma divertida – como é de seu feitio – que ele não se sentia obrigado a nada e nem eu, tampouco, deveria. Acabamos, entre risos, cogitando sobre a preguiça do brasileiro em dizer “sinto-me obrigado a retribuir-lhe o favor”, do que restou, no máximo, o “muito obrigado”. Com a mesma displicência, respondemos “de nada”, quando deveríamos dizer “você não fica obrigado de nada”. A propósito, não gosto nem um pouco de usar tantas aspas, mas me restaria escrever os termos destacados em itálico, o que também me parece um tanto antipático.

Da conversa, a lembrança das cidades do interior de Minas em nossas infâncias, quando era costume entre vizinhas, oferecerem parte do bolo ou dos pães de queijo que se acabara de assar no meio da tarde e que eram degustados com um café fresquinho, restando a obrigação de depois devolver o prato de louça pintada com outra delícia da culinária mineira, coberto com o fino linho bordado a mão. Gentilezas!


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 02/032014