As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 31 de março de 2013

Caiu na rede?




Imagem: Pescadores – Di Cavalcanti - 1957

Admito, não resisti aos avanços tecnológicos utilizados como ferramentas de trabalho como Ruy Castro, ainda saudoso das Remingtons e Olivettis, quando comentou sobre a cópia de um dos originais datilografados por Rubem Braga, estampada nas primeiras páginas de Retratos parisienses. Entretanto, evitei enquanto pude as redes sociais, que considerava um parque de diversões virtuais. Criticada e pressionada de todas as formas por amigos, acabei cedendo à abdução.

Passada a fase de encantamento - quase dependência – veio o primeiro incômodo: o de me sentir numa vitrine mundial, que funciona ao contrário, já que ao invés de mercadoria, somos todos consumidores em potencial no mercado globalizado. Depois de mais de 3.000 amigos, certamente uma amostragem considerável, comecei a desenvolver uma visão mais crítica e de certa forma semiótica, sobre a dinâmica daquele universo em expansão. Apesar de ter conseguido a façanha de trazer alguns e caros amigos para meu convívio, a maioria de meus contatos são pessoas que provavelmente jamais terei a oportunidade de me encontrar pessoalmente. E os questionamentos são inevitáveis: Quem são realmente? Do que se ocupam e com que se preocupam em seu quotidiano?

Observando as manifestações virtuais, constatei que a grande maioria busca afeto, acolhimento, ou o chamado pertencimento. São infindáveis frases e textos de auto-ajuda, um fenômeno que se reflete inclusive nas listas dos livros mais vendidos no Brasil; causas que privilegiam a proteção aos animais, ao invés das crianças abandonadas e carentes; e nem tantos protestos aos descalabros políticos.

Fico daqui imaginando as análises que são feitas sobre cada um de nós, pelos legítimos beneficiários das redes sociais e as peripécias de marketing para nos vender amor-em-pedaços, aliás um doce delicioso, embalados cuidadosamente em nossos sonhos, manipulando as informações que disponibilizamos a nosso respeito, em favor do mercado capitalista .

          Assim concluo: Caiu na rede? É peixe, ou pato, um prato perfeito e servido graciosamente aos vorazes mercadores dos desejos humanos.

Publicado no Jornal “O Pioneiro” em 31/03/2013

sexta-feira, 29 de março de 2013

Riscos de giz

Imagem: Meninos brincando - Cândido Portinari



Vem cá, moleque!
Faço um trato contigo.
Deixa-me seguir, mãos dadas com a vida
E tu, corres, vai à frente,
gira o mundo,
enquanto espelhas em meu rosto
as linhas de giz
impressas em minh’alma.

30/03/2013

Pinturas

Rosas - 1915, Pierre-Auguste Renoir


Antes, brindavas-me com doses noturnas de Neruda.
Hoje, trazes-me rosas,
encantos meus,
nascidas de poemas doces,
de amores outros
e beijos que não provei.

29/03/2013


A vizinha do lado



Imagem: "There's more to consumers then numbers” - The Financial Express.

Falávamos sobre arte, não a convencional, mas a difícil arte de conviver com os vizinhos. Eram casos hilários, alguns tragicômicos, que cada um de nós contava, entre gargalhadas. Foram várias histórias captadas através das quase transparentes paredes de apartamentos; algumas recheadas com a figura do síndico, quase sempre um chato profissional, que não lembra só a música, mas é a própria personificação de Tim Maia; além daquela vizinha de cadeiras oscilantes, que Doryval Caymmi cantou e todo mundo jura que tem uma também.

 Bons momentos de distração, na tarde que insistia em não terminar e que me trouxeram lembranças da menina que fui, nas cidades de interior em que vivi, já que até os sete anos de idade já tinha passado por quatro cidades mineiras - por contingências profissionais de meu pai –, antes de criar raízes na capital. Nelas os vizinhos eram mais que amigos, quase parentes por proximidade. Havia uma troca de amabilidades, receitas e bordados entre as famílias, além da oferta dos quitutes - recém saídos do forno e anunciados pelo perfume -, que seriam retribuídos depois, já que seria imperdoável, devolver o vasilhame vazio.   
   
Logo percebi como era diferente viver numa cidade grande: tudo era mais distante e as pessoas também. Apesar de muitas vezes viverem empilhadas umas sobre as outras, o relacionamento nem sempre passa de um lacônico Bom dia, sem identidade; quando não descamba para reclamações sobre os incômodos alheios, tão bem retratados num certo Recado ao Senhor 903 de Rubem Braga ou por Marina Colasanti: A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
         Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

Publicada na revista CAPITA Global News em 29/03/2013