As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 20 de abril de 2014

Sonhos & Associados

Imagem: Índias Zoe – Gênesis – Sebastião Salgado


Poroca, Piracema, Pirapora e Itaoca. Assim, nesta ordem e sem imagens, as palavras de origem tupi, apareceram escritas naquele sonho em preto e branco, “times new roman”, alternando seus tamanhos maiores ou menores, às vezes em negrito outras não. A mim cabia a necessidade premente de encontrar-lhes o significado em seu nascedouro. Certo que não os encontrei enquanto dormia, tarefa adiada para depois do café da manhã e dos jornais do dia.
               
Poro’roka é o gerúndio do verbo “estrondar” e é usado para definir o encontro ruidoso das águas de alguns rios. Saída de peixes é o significado de piracema, nome dado ao período em que os peixes sobem os rios até suas nascentes para desovar. Pirapora é o salto dos peixes, em plena piracema, para vencerem as corredeiras dos rios, enquanto Itaoca é simplesmente uma casa de pedras, onde no litoral capixaba ficavam protegidos os pequenos barcos pesqueiros que habitavam as águas nos anos setenta e oitenta.
               
Os sonhos e seus significados guardam interpretações populares as mais diversas e foram, como sabido, objeto de estudos de Freud, que por fim refutou a própria teoria sobre eles. Ando lendo muitas lendas e mitos indígenas ultimamente, o que faz com que o sonho com símbolos léxicos se enquadre na categoria de restos diurnos, formados por vivências ou experiências passadas no período de vigília.
               
Interessante foi que durante a pesquisa dos termos em tupi, veio-me a imagem nítida: uma fotografia de Sebastião Salgado, em Gênesis, retratando as índias Zoe. Foi através dela, que tomei conhecimento da ainda existente tribo com cultura poligâmica e poliândrica preservada em meio à luxuriante floresta ao norte do Pará. Lá cada mulher possui quatro ou cinco maridos, em convivência harmoniosa, o que talvez e somente talvez se associe ao significado de tanta água corrente e peixes saltitantes no sonho que não parecia ter pé ou cabeça. Que não haja psicanalistas de plantão!




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 20/04/2014

domingo, 13 de abril de 2014

Jujuba

Imagem: Cine Teatro Central em Juiz de Fora - MG


               
Surpresa? Foram centenas de bolhas de sabão invadindo alegremente o ar cansado da cidade corrida entre a manhã e a tarde de um dia qualquer. Eram dois os ambulantes – imitações de figuras circenses – perambulando entre os automóveis e abrindo sorrisos infantis nos rostos passantes. Algo que me lembrou Chaplin e seu humor inocentemente mudo.

Os tons de arco-íris que colorem as películas de sabão esvoaçante levaram-me imediatamente às tardes de matinê dos tempos de criança. Os cinemas de então eram verdadeiros palácios, finamente decorados com afrescos coloridos em seus tetos, colunas em mármore e lustres belíssimos, além – é claro – da insubstituível cortina de veludo vermelho. Todo este luxo e requinte despertavam a magia do espetáculo e nossas mais mirabolantes fantasias. Como todo palácio exige, havia um cerimonial que antecedia a entrada neste reino em que nos era permitido saborear algumas horas, esquecidos da realidade.

Primeiro, as longas filas para comprar os ingressos, enquanto nos ofereciam guloseimas coloridas e doces. Era o momento de se escolher entre as balas de goma ou as jujubas e os inesquecíveis dropes “Dulcora”, que faríamos o possível para que durassem a sessão inteira. Depois a escolha das poltronas, as brincadeiras contidas, até que se apagassem as luzes. Então nos entregávamos, entre risos, às aventuras de Tom e Jerry ou às magníficas produções de Walt Disney.

Mais tarde, viriam as sessões dos grandes sucessos de bilheteria com a turma de amigos que sabíamos para a vida inteira, antes que se perdessem para as películas românticas com os namoradinhos que também jurávamos ser para sempre.

Com o tempo, a maioria destes templos da sétima arte foram desaparecendo e muito poucos resistem reconhecidos como patrimônio histórico. O mundo girando cada vez mais rápido e as sessões com produções as mais variadas, são hoje vistas em pequenas salas entre um almoço e as compras no shopping. E quem ainda fala em cinema de arte?




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 13/04/2014

domingo, 6 de abril de 2014

E cadê?

Imagem: Ferrovia Madeira Mamoré, foto Dana Merril
               
Onde ficaram as águas de março fechando o verão? Este ano somente na lembrança de Jobim. Não vieram para estas bandas e não por encanto evaporaram-se. Passamos do nulo ao baixíssimo e posteriormente ao baixo risco de desabastecimento de água e concomitante aumento dos custos de energia, até que amarelamos de vez. O raciocínio é óbvio – todo líquido que se aquece evapora -, mas não cabem na lógica predatória dos incendiários senhores que alardeiam sua produção e lucros a qualquer preço desde o início da era industrial.

Pode parecer paradoxal, mas enquanto lamentamos as torneiras minguando e o deserto surgido onde antes abundava vida na Represa de Furnas, as águas esparramaram-se pelo Rio Madeira abaixo, afogando de vez os trilhos de nossas memórias. O pouco que restava da Estada de Ferro Madeira-Mamoré construída no início do século XX, as velhas locomotivas, o museu e suas peças históricas foram literalmente água abaixo.

Ainda piores, são as perdas humanas, os milhares de sobreviventes desabrigados, estradas intransitáveis e centenas de cabeças de gado afogadas. Afinal quem leva em conta as análises de impacto ambiental? Quem se lembra de como é formada a bacia do Madeira? Não, não previram que os rios Beni e Madre de Dios receberam uma sobrecarga d’água, com o maior degelo dos Andes somado às fortes chuvas em suas cabeceiras.

Enquanto sobra lá nas esquecidas terras – ou águas - de Rondônia, a nossa fonte de vida, e da qual viemos, escasseia abaixo da linha do Equador, já que mesmo com toda a nossa riqueza hídrica nos esquecemos de sua finitude e a exploramos sem a menor consciência e consideração pelo bem coletivo.

Dizem os estudiosos do clima que as altas temperaturas neste verão foram atípicas, enquanto modestamente indago se não se trata de um aumento progressivo observado a cada ano. Resta-me perguntar como Drummond: “Quem reconhece o drama, quando se precipita (ou não), sem máscara”?




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 06/04/2014

domingo, 23 de março de 2014

Efeitos especiais

Imagem: Tela monocromática - Michael Peck



Passear pelos campos de nossas memórias é como estarmos em um jardim com flores coloridas por nossos sentimentos, fantasias e imaginação, respirando a brisa fresca de nossa percepção. A imagem pode ser poética, mas é sabido há muito pelos estudiosos do comportamento humano, que duas pessoas submetidas à mesma experiência ou situação, não guardarão dela a mesma lembrança. Um mesmo episódio pode ser traumático para um indivíduo, negado por outro – portanto apagado de sua memória – ou uma bela vivência de superação para um terceiro. Cada um de nós pode interpretar o mesmo texto a seu modo ou até mesmo ignorá-lo, já que sabemos também que muitos passam pelas flores sem saber delas o perfume e os espinhos.

Nossas histórias ganham tons diferentes em cada etapa da vida. Os que tiveram uma infância bem vivida guardam as brincadeiras, o riso e a alegria de um mundo que até então era mágico. Da adolescência e juventude muitas vezes trazemos as aventuras e ousadias partilhadas com o grupo que se imaginava inseparável de amigos, as músicas, o primeiro beijo, a primeira vez. E também ficam arquivados os casos de família, que serão lembrados mais tarde, com os filhos e netos.

Como nem tudo são flores e não vivemos em um mundo encantado, o filme de nossas vidas tem cenas tristes, conta das perdas e desilusões também. Assim como nos filmes, somos editores e diretores de efeitos especiais, selecionando as imagens que ficarão gravadas e que depois, em outro momento, serão editadas novamente.

A novidade, dizem os cientistas da Northwestern University, é que o nosso baú de tesouros fica guardado no hipocampo, pequenas e protegidas áreas de nosso cérebro. Quando chegamos ao epílogo de uma longa história, começamos a misturar os personagens, seus papéis, época e trama. Parafraseando Guimarães Rosa, o correr da vida embrulha tudo, aperta daqui e afrouxa de lá, desinquieta por muito tempo e depois sossega.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 23/03/2014

domingo, 16 de março de 2014

Por falar em redes

Imagem: Google/divulgação


Passeava em minha rede social favorita entre as tantas letrinhas tagarelas dos contatos que mantenho por lá, como fazemos todos nós – cidadãos incluídos –, até encontrar um desabafo ambientalista de gente da minha geração, lembrando que despreocupados do tema, devolvíamos as embalagens de vidro do leite, dos refrigerantes e da cerveja, que depois de higienizadas eram reaproveitadas pelos fabricantes por diversas vezes; que havia apenas uma televisão em casa e somente um ponto de energia em cada cômodo e que não havia tantos eletrodomésticos a nos deixar com os braços preguiçosos e os músculos flácidos. Eram muitos outros exemplos citados no bem escrito texto, lembrando hábitos de vida recentes que hoje nos parecem longínquos. Foi só desviar o olhar para outra postagem e encontrar uma acalorada conversa sobre uma citação atribuída simplesmente a Alexandre Magno, que por falta de registros fidedignos passa por lendária.

Daí é fácil pensar que depois do advento da Internet e de todos os seus produtos estamos produzindo muito conteúdo, por vezes de excelente qualidade. Pode-se dizer que a palavra está hoje na ponta dos dedos e que a grande maioria escreve e lê muito mais, o que me parece um excelente efeito colateral, considerando também que tudo que escrevemos fica registrado e é público, o que de certa forma desmistifica o desejo, antes tão etéreo, de tantos que se pretendem lidos.

Cabe analisar somente o tipo de conteúdo produzimos, se apenas uma forma de comunicação, se produzimos informação ou em que medida podemos ver aí uma nova forma de expressão literária. Hoje, mais do que nunca, cabe o dito: de poeta e louco todo mundo tem um pouco.


Sem maiores definições sobre literatura, sintetizo minha opinião com versos de Bukowski: “se não sai de ti a explodir... / a menos que saia sem perguntar do teu/ coração, da tua cabeça, da tua boca/ das tuas entranhas,... / não o faças”.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 16/03/2014

domingo, 9 de março de 2014

Sonho e fantasia

Imagem: Tubiacanga - Google/divulgação


“Acabou nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais/ Brincando feliz/ E nos corações/ Saudades e cinzas/ Foi o que restou”, já dizia nosso poetinha em 1964, repetido pelo séquito de saudosistas – sem poesia – lamentando o fim do Carnaval, como manifestação cultural e genuinamente popular.

Não me faço surda às lembranças de serpentina e confete - “pedacinho colorido de saudade”-, dos arlequins, pierrôs apaixonados por suas colombinas e dos “mais de mil palhaços no salão”. Mas passou o tempo, mudaram os ares e a festa de Momo. Restaram os desfiles das escolas de samba para inglês (e o resto do mundo) ver, chamariz turístico high tech, promovendo celebridades instantâneas e corpos esculpidos instantaneamente. Um belo espetáculo sem dúvida, que lança no ar o perfume estilizado do que foram outros tantos carnavais.

Em meio às cinzas, duas centelhas reacendem a esperança de ver nascer um novo carnaval do e para o povo, nossa gente simples, comuns e incomuns.

A primeira delas, no Engenho de Dentro – RJ, é o bloco “Loucuras suburbanas”, criado com o objetivo terapêutico de reinserir pacientes psiquiátricos egressos do modelo institucionalizado arcaico em seu meio sociocultural, emprestando-lhes identidades novas através dos personagens da folia, com fantasias confeccionadas pela própria comunidade que os acolhe e com eles se integra na brincadeira sadia.

A outra, faísca em Tubiacanga, bairro quase clandestino e nômade da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, na Ilha do Governador, um pouco depois do apocalipse e antes do fim do mundo. Sem nem saber sobre a origem de seu nome, provavelmente esquecida em algum canto de nosso passado indígena, a Unidos de Tubiacanga, pequeno bloco de enredo - com um único e enferrujado carro alegórico – sonha grande. O presidente vaidoso proclama o desejo de sua gente de, quem sabe este ano, sair da quinta divisão do carnaval carioca subindo um degrau rumo à Sapucaí.


“Canta o meu coração”...

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 09/03/2014

segunda-feira, 3 de março de 2014

Muito obrigada!

Imagem: Google/divulgação


Sempre me interessei pela etimologia das palavras e dos termos que usamos na linguagem oral ou escrita. É sempre um prato cheio para quem gosta de contar histórias, muitas vezes divertidas. Sobre a origem de forró, muitos sabem a versão de que veio de “for all”, as festas populares promovidas pelos americanos que viviam na base aérea de Natal, durante a segunda Guerra Mundial. Mas há um lapso de tempo um tanto obscuro nesta explicação, já que o termo foi parar no dicionário pela primeira vez, bem antes, em 1899. Daí, vieram outros dizendo que forró vem de forrobodó, termo mais controverso ainda, que tanto se considera vindo do banto, quanto do francês “faux-bourdon”. De fato, a palavra dá nome a uma opereta de Chiquinha Gonzaga que estreou em 1911 no Rio de Janeiro.

Mas não era bem este o termo que queria comentar. Há alguns dias, agradecendo a um amigo por uma gentileza, respondeu-me de forma divertida – como é de seu feitio – que ele não se sentia obrigado a nada e nem eu, tampouco, deveria. Acabamos, entre risos, cogitando sobre a preguiça do brasileiro em dizer “sinto-me obrigado a retribuir-lhe o favor”, do que restou, no máximo, o “muito obrigado”. Com a mesma displicência, respondemos “de nada”, quando deveríamos dizer “você não fica obrigado de nada”. A propósito, não gosto nem um pouco de usar tantas aspas, mas me restaria escrever os termos destacados em itálico, o que também me parece um tanto antipático.

Da conversa, a lembrança das cidades do interior de Minas em nossas infâncias, quando era costume entre vizinhas, oferecerem parte do bolo ou dos pães de queijo que se acabara de assar no meio da tarde e que eram degustados com um café fresquinho, restando a obrigação de depois devolver o prato de louça pintada com outra delícia da culinária mineira, coberto com o fino linho bordado a mão. Gentilezas!


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 02/032014

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sobre amor e sapos

Imagem: Alfred Eisenstaedt – O Beijo, 1945.

Tema raro em Filosofia, o amor é abordado por Arthur Schopenhauer, fato à primeira inusitado, considerando-se seu pessimismo quase anedótico e de ter sido um solitário. Apesar de inteligente, seguro, bonito e rico, jamais fez sucesso no universo feminino.

Naturalmente perguntarão como um "cara" que nunca "se deu bem" com as mulheres pode falar sobre o amor. Ouso responder que, talvez por poder observar de fora, do alto e também de pertinho, sem necessariamente estar vivendo a experiência, da mesma forma como são feitas as análises de Galeano. Afinal a base do espírito científico é a observação do "fenômeno" estudado.

É interessante notar que uma geração antes de Darwin e cerca de 60 anos antes de Freud, ele foi o primeiro a apontar as razões inconscientes e biológicas para o amor. O filósofo, pouco conhecido, considerava que não havia nada mais importante na vida do que o amor, porque o que está em jogo é a sobrevivência da espécie, apesar de condenar como nosso erro fatal, vincular o amor à felicidade. Freud, com certeza, foi influenciado pelo pensamento de Schopenhauer, transformando o seu impulso de vida em pulsão, adicionando um ingrediente fundamental: a busca incondicional do prazer (que também nada tem a ver com felicidade, esta utopia maluca que alguém inventou pra nos infernizar).


Também nos aconselhava a engolirmos um sapo todas as manhãs para garantir que não nos depararíamos com nada mais repulsivo ao longo do dia. “Pode-se dizer que, se hoje ela está ruim, as coisas só tendem a piorar, até que o pior de tudo aconteça”. Há algo semelhante com as Leis de Murphy, mas advirto, por experimentação própria, que engolir sapos todas as manhãs, causa gastrite e úlceras, já que está clinicamente provado que o anfíbio não é plenamente "digerido" pela espécie humana, deixando resíduos tóxicos armazenados no inconsciente. Resta inevitável o comentário, em analogia aos contos de fadas: Pobres Princesas!


Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 23/02/2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Em pleno voo

Imagem: Google/divulgação


A viagem seria curta, mas as belas imagens da baía da Guanabara se distanciando no horizonte, levaram-me a um longo voo em flashes da memória. Lembrei-me do glamour que envolvia as viagens aéreas no fim dos anos 60. Homens engravatados e quando menos, em elegantes blazers. As mulheres a caráter em seus scarpins de salto sete, no mínimo, e os inconfundíveis óculos escuros à la Jackie Kennedy, já Onassis. O serviço de bordo era um luxo! Nas viagens mais longas, jantares refinados e nas mais curtas os lanches servidos eram dignos da confeitaria Colombo. Tudo muito chique e caro!

Interrompo-me. Antes, quando jovem estudante, achava meio século um tempo imenso, termo dos livros de História, muito mais longo do que os cinquenta anos que representam e que em tempo histórico é uma insignificância que passa num piscar de olhos, como nossas vidas.

Passado pouco mais de meio século, as viagens aéreas se popularizaram, os preços baixaram, tornando-as mais acessíveis, o que é ótimo, mas com isto foi-se também o charme da cena de despedida no aeroporto de Casablanca. Com ele, o que é bem pior, também perdemos a qualidade dos serviços que nos prestam.

Não fosse pela gentil beleza, pelos cardápios e opções para pagamento que oferecem, as aeromoças - digo, comissárias de bordo – pouco se diferenciariam dos ambulantes que vendem bugigangas alimentícias nos trens da Central do Brasil.

Além disto, os atrasos frequentes muitas vezes sem causas meteorológicas, inexplicáveis e inexplicados, indicam claramente a precariedade da infraestrutura aeroportuária no país. Nem é bom pensar na manutenção mecânica das aeronaves, senão ninguém se arrisca mais a voar. Tudo isto pertinho da Copa do Mundo com todas as reformas em andamento a passos de tartaruga.

O piloto ordena: Tripulação, preparar para a aterrissagem! Em terra de Minas em um dos meus costumeiros contrapontos, desembarco cantarolando o Samba do avião de Tom Jobim, já “morrendo de saudades”.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 16/02/2014

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Há uma razão

Imagem: Mãos desenhando-se – M.C. Escher

Todos ouvimos ou lemos em algum lugar que a vida é um livro com páginas em branco a ser escrito. O quê e o porquê são as questões centrais e individuais. Seria um diário de bordo? Não, os dias corriqueiros e as rotinas cotidianas se condensam em um único capítulo, bem parecido com os “procedimentos operacionais padrão”, isso ou ISO a que estão obrigadas as empresas segundo as normas de qualidade. Os melhores capítulos serão aqueles que passam em lampejos em nossas memórias como estrelas cadentes ou - menos poeticamente – como mini flashbacks.

É nesta linha que seguimos, os que nos atrevemos a escrever - mais do que o próprio livro da vida – livros e páginas impressas a serem lidas por outros, muitos ou alguns, seja como meio de transmitir informação, conhecimento ou entretenimento e acima de tudo assegurar o registro histórico e cultural, o dito “zeitgeist” da língua germânica, a melhor síntese linguística para o espírito de um dado momento em determinado tempo e lugar.

Exatamente aí estão os cronistas, dedicados ao estilo literário ainda sem reconhecimento unânime. Crônica vem de Cronos, deus do tempo na antiguidade clássica, Saturno para os gregos. Ao cronista cabe escrever inclusive sobre mitologia, mas especialmente sobre assuntos do tempo, este efêmero e etéreo que ultrapassa a tudo e todos. Assim, presume-se que a crônica acabe passando, como as notícias no dia seguinte.

Entre as grandes exceções, cito somente dois, Drummond e Braga, mestres nos ensinamentos de Schopenhauer: “É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. É sempre melhor deixar de lado algo bom do que incluir algo insignificante”. A eles uma adaptação dos versos de Rimbaud: “Mudem nossa sorte, livrem-nos das pestes, a começar pelo tempo”.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 09/02/2014

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Decrescendo

Imagem: Crianças brincando – Cândido Portinari


Durante uma gestação normal estamos, todos nós, confinados ao pequeno espaço do ventre, que para nós nesta fase é todo o universo na mais perfeita harmonia, até que, sem nenhuma explicação, somos expulsos de lá. É o que chamam os estudiosos de nosso primeiro trauma.

Com alguma sorte, somos prontamente acolhidos no colo e no seio, que também é lar, simbioticamente nossos, e nos permitem ser. Uma imensidão a explorar à nossa disposição, até descobrirmos o outro, quase sempre um irmão que já estava lá ou chega depois. Verdade! Já não somos os absolutos donos do pedaço e dividir o espaço é inevitável. Mas, num passe de mágica, este outro é também nosso companheiro de todas as aventuras que ousamos. Somos astronautas, a desbravar galáxias inventadas, super-heróis com poderes inimagináveis, princesas encantadas ou fadas etéreas.

Então surge uma grande e imbatível ameaça: Não, você não pode... E atrás do não, o certo e o errado e todos os limites. A porta fechada, para além da qual não se pode ir sozinho porque há perigos rondando lá fora. É aí que a realidade começa a roubar a cena.

Na escola, para onde vamos cada vez mais cedo, percebemos que somos muitos com os mesmos sonhos e fantasias e com isto nos fortalecemos. Vem o quando eu crescer... Bombeiros, médicos, músicos, bailarinas começam a se desenhar de forma idealizada na vida adulta, motivo de diversão para os adultos próximos.

E assim seguimos aprendendo os cubos - muitas vezes empilhados - que nos dão abrigo, os quadros translúcidos - permitindo almejar a utopia dos horizontes que não alcançamos -, o outro lado da rua; os limites da cidade, as fronteiras dos países desenhados no mapa-mundi. Chegamos finalmente à adolescência e contestamos tudo, esperando expandir o pouco espaço que nos cabe. Sonhamos ser gente grande, na ilusão da liberdade de sermos, sem saber que a gente encolhe quando cresce.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 02/02/2014

domingo, 26 de janeiro de 2014

Uma questão de foco



Tem coisas que a gente vive e não vive contando por aí. Não porque os outros possam achar que contamos vantagens, talvez por considerarmos natural ou que todos deveriam agir da mesma maneira e até por mineirice mesmo.

O exercício de olhar o outro em suas necessidades – e são tantos os necessitados – para além de suas conquistas pessoais que para muitos, superficiais, pode parecer a grama mais verde do vizinho, não precisa ser considerado piegas ou exclusivo a práticas religiosas. Sob outro ângulo, até contraditoriamente, associa-se ao Humanismo que em seus primórdios buscou libertar o ser humano das regras rígidas do cristianismo da era medieval. Nesta linha filosófica a partir dos livres pensadores como Mark Twain, chegamos ao Humanismo Laico, passando por Comte, Marx e Sartre e finalmente à Psicologia Humanista da década de 50, com marcante influência nas décadas posteriores.

O melhor de toda esta história é ver hoje toda a abrangência desta linha filosófica até em comerciais, como o de uma empresa tailandesa que conquistou imensa visibilidade nas redes sociais, não vendendo os últimos lançamentos da indústria automobilística, mas ensinando em três minutos, mais sobre solidariedade do que quase toda a grande mídia brasileira junta.

Outra iniciativa, esta ainda melhor por mostrar resultados, sem alardes, e em terras tipiniquins é a de um grupo de jovens executivos – nenhum deles milionário –, organizado em 2011 e que se dedica a selecionar entre crianças pobres as que se destacam por seu desempenho escolar.  Assim, o “Primeira Chance” oferece aos escolhidos a oportunidade de enfrentar a lei da gravidade social, com bolsas de estudos e outros recursos financeiros essenciais a quem carece deles, além de um mentor que acompanha o desempenho de cada um.

No fim das contas, não é preciso ter dinheiro de sobra. Basta mudar o foco do olhar e ter vontade de fazer, ainda que pouco para poucos, esses que nos são próximos.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 26/01/2014

domingo, 19 de janeiro de 2014

Grandes Famílias

Imagem: Google/ divulgação


A ideia inicial era falar de famílias grandes, dessas que ainda existem por aí. Vistas de fora e do alto, sempre nos parecem pitorescas e divertidas. Entre as que conheci e convivi em diferentes fases da vida, duas me trazem boas lembranças.

Uma delas é um verdadeiro clã, mantido coeso em torno do patriarca e sua dominante esposa, que foi se ramificando e procriando a ponto de somarem mais de trezentas pessoas entre irmãos, filhos e netos. Dada à semelhança entre eles, era fácil trocar ou esquecer os nomes e em quase todas as reuniões festivas era apresentado, no mínimo, um novo e recém-nascido membro.

A outra família, não tão grande, marcou minha infância por ser minha primeira experiência com outra cultura. Os almoços de domingo eram festivos, sempre com conversa animada enriquecida com o gestual característico – e eu não entendia uma palavra sequer –, acompanhando a farta culinária italiana servida na mesa comprida para doze lugares.

Acabei divagando e aterrissei no programa de tevê que alegrava as noites de domingo nos anos 60: A família trapo. Hoje, nem tantos se lembram do humor leve e quase sempre improvisado da trupe impagável que reunia Ronald Golias e Jô Soares, agregando mais tarde Dercy Gonçalves. O programa era gravado ao vivo com platéia pagante, numa única sessão, sendo inevitável que os improvisos fossem ao ar. Infelizmente restaram somente dois episódios gravados nos arquivos da TV Record, depois do incêndio do teatro e reaproveitamento das fitas, mas a fórmula que associa família e humor gerou e continua gerando filhotes na teledramaturgia brasileira.

A história da televisão em nosso país, à parte os interesses comerciais e políticos negociados com as emissoras, guarda capítulos muito interessantes relacionados às manifestações e características culturais de nossa gente e suas transformações e adaptações, positivas ou não, ao longo do tempo. Assim, com nosso jeitinho criativo, conquistamos reconhecimento e visibilidade em outros países.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 19/01/2014

domingo, 12 de janeiro de 2014

O ano que ainda não começou

Imagem: Aquarela de Josef Kote


Já há fortes indícios de que em breve 2014 vai realmente começar. Passaram as festas de fim de ano, apesar de alguns fogos retardatários ainda serem ouvidos eventualmente. Parece ser inútil dizer o quanto esta fase do ano é culturalmente alienante, o quanto se é induzido ao consumo e às comemorações do fim de um ano, como se isto garantisse que o outro será melhor.

Pelo menos já se foram as terríveis retrospectivas, a repetir as tragédias, a violência, os grandes erros e equívocos, que em nada enaltecem as boas conquistas e ações coletivas bem sucedidas. As praias já estão cheias do lixo irresponsável de todos os anos e das oferendas que Iemanjá não quis aceitar. Em meio às férias de janeiro, já temos todos os “I’s” a pagar, aumentados como o IPI para a linha branca, além do fim da isenção dele para os automóveis, já obrigatoriamente equipados com freios ABS e airbag duplo. Sem esquecermos, é claro, que o novo salário mínimo já está em vigor.

Se a anestesia geral das festas já passou, não se preocupe! O ópio do Carnaval fará com que esqueça tudo de novo. Depois do feriadão da Semana Santa, vem a Copa do Mundo no meio do ano e após ou durante, a campanha eleitoral. Sem dúvidas, teremos muito tempo para ficarmos alheios de e aos fatos – o que bem sabe e diz Suassuna - e muito, mas muito pouco tempo para trabalhar e produzir.

Pensando bem, talvez nem precise se preocupar com a agenda nova que o gerente do banco esqueceu-se de lhe mandar e melhor será deixar sua listinha de propósitos pronta para o ano que vem, já que, pelo visto 2014 passará em brancas nuvens, ainda que não em céu de brigadeiro.




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 12/01/2014