As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 30 de junho de 2013

Ao leitor amigo

Imagem: Google/Divulgação

Estava lendo o caderno Rascunhos do jornal paranaense Gazeta do Povo, um hábito que cultivo há tempos. Lendo uma entrevista de Ana Miranda, ficcionista contemporânea nascida em Fortaleza, encontrei entre suas falas, uma frase marcante: Não conheço nenhum escritor que tenha tido condições perfeitas para escrever, a vida nos chama e exige.

Sabemos bem o quanto a vida exige de cada um de nós, no campo pessoal ou profissional, e que muitas vezes ou quase sempre deparamo-nos com condições imperfeitas para desempenhar nossas atividades e tarefas do dia-a-dia. Aliás, considero que a perfeição, como considera a autora, seria como um lugar distante demais para se chegar.

Escrevo desde sempre, por necessidade interior e pelo prazer de brincar com as palavras. A aventura e ventura de ser lida são recentes em minha vida. Comecei timidamente nas redes sociais há uns três anos, ousando versos. Em dado momento, fui surpreendida pelo convite de Antônio Bezerra Neto e pelo acolhimento de Diego Pandolfi, passando a escrever semanalmente aqui, nesta coluna do “O Pioneiro”. Só agora, folheando a pasta em que compilo os recortes do jornal eventualmente recebidos e cópias de cada uma dessas já muitas crônicas, é que me dei conta de que já se passou quase um ano. A primeira delas foi publicada em agosto passado.

Percebi também que não me apresentei devidamente ao chegar e menos ainda agradeci pela receptividade nestas páginas, patrimônio da gente de Linhares e que vem me abrindo portas jamais sonhadas. Ainda que fora do tempo certo, agradeço hoje e me comprometo a tornar minha escrita mais legível como aconselha Cecília Meireles:
Para que a escrita seja legível,/é preciso dispor os instrumentos,/exercitar a mão,/conhecer todos os caracteres.//Mas para começar a dizer alguma coisa que valha a pena,/é preciso conhecer todos os sentidos/de todos os caracteres,/e ter experimentado em si próprio/todos esses sentidos,/e ter observado no mundo/e no transmundo/todos os resultados dessas experiências.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 30/06/2013

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Haikai





I
Madura e inflorescente,
colho as flores
que me brotam por dentro.


II
Já morri muito.
 Hoje, vivo,
enquanto não termino.


III
Léguas e pés descalços,
trôpegos caminhos.
Vou, íris e arco.


IV
Se me faço muda e tantas vezes me calo,
é por saber da semente
o tempo de florescer.

26/06/2013

À luz de um céu profundo



Imagem: Foto de Eduardo Gonçalves e Veiga


Calaram-se a música e as artes todas, adiadas, nesses dias de tantas bandeiras clamando direitos pelo Brasil afora. O fantasma da falta de assunto, que assombra a todo cronista, cedeu lugar a um único tema. Aos que se dedicam ao cotidiano, o status quo em suas tantas opiniões e hipóteses inconclusas, já que o movimento nas ruas deixou atônitos até os cientistas políticos e outros estudiosos na área social e de comportamento. Nesse momento, são as várias interpretações do mesmo texto. A análise ainda imprevista virá a seu tempo e passará à História dessa brava gente, que marcha sem prever possíveis retrocessos. Por sorte, concluo pela conversa do amigo, os contextos históricos não se repetem.

A mim, meio fora desta órbita, resta a lua, restos meus, já que ela mostrou-se em toda a sua abundante beleza, esplêndida e absoluta. Uma superlua pressentida pelas marés em seu brilho máximo, encanto eterno dos enamorados e poetas de todos os cantos. A lua do perigeu, quando mais próxima de nós, como a lançar um olhar de despedida ao planeta, antes de se distanciar em seu trajeto até o ponto mais longínquo, que estranhamente os astrônomos chamam de apogeu.

Nas turbulências dessas terras em que se ouve um só brado retumbante, estou certa de que poucos a admiraram em sua grandeza. Enquanto imperava a bela soberana, milhões estavam presos a telas, buscando os noticiários. Os estampidos dos foguetes e as fogueiras eram outras, que não comemoravam festas juninas. Muitos eram olhos cabisbaixos, ocupados com os pés descalços e os percalços das pedras lançadas pelo caminho; outros míopes perdidos e sem foco, além dos cegos, obcecados e loucos, que se perderam da poesia. Os meus apesar de tudo, lunáticos e alheios a tudo, fizeram parar meu tempo e se juntaram a todos que a abraçavam ao redor do mundo, unidos a um olhar em especial, que queria saber perto.


Publicada na Revista CAPITA Global News em 26/06/2013

domingo, 23 de junho de 2013

Marca dos tempos



Imagem: Google/divulgação


Ele ficava lá, solene, a um canto da sala ostentando sua elegância, uma recordação vívida da casa de minha bisavó. Entre as brincadeiras e correrias na casa grande, esperava por sua hora, quando tocava como o Big Ben. Os vidros bisotados guardavam no mostrador em marfim, as fases da lua.

A casa tinha duas cozinhas grandes. Uma delas só para  Vó Zizinha preparar seus doces cristalizados e em calda, com cuidado e carinho, só para agradar os netos e bisnetos que poderiam chegar a qualquer momento. De lá, sorrindo, observava a todos nós em nossas brincadeiras. 

Ao perceber meu encantamento pelo relógio coluna, veio calmamente e chamou-me para a varanda, onde costumava ficar bordando até o fim da tarde. À época tinha oitenta e muitos, mas a vitalidade e alegria de antes dos cabelos brancos. Sentei-me aos pés da cadeira de balanço, brincando com as linhas coloridas no cesto que ficava ao lado. Disse-me então que o relógio era antigo e tinha vindo de longe, de uma Floresta Negra cheia de magia, de onde vinham lindas também lindas histórias de fadas, duendes, princesas e príncipes. E escolheu um entre os tantos contos dos Irmãos Grimm, que pouco depois eu leria sozinha.

Hoje sei que o relógio veio da Alemanha de navio com o bisavô que não cheguei a conhecer, quando escolheu o Brasil para refugiar-se da primeira grande guerra. Testemunhou o tempo de uma nova história de vida aqui construída, o trabalho árduo e uma família crescendo. Viu o passar dos anos para aquela gentil senhora, mulher franzina e delicada, que guardava em si uma força imensa e um invejável gosto pela vida, jamais arqueados pelo peso da idade, lúcida e ativa até o fim de seus dias. E marcou seu último segundo, quando a vida a deixou num suspiro, dormindo. Tempos depois, em um antiquário, o relógio e as doces lembranças me encontraram sorrindo.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 23/06/2013


sexta-feira, 21 de junho de 2013

Olhos de cigana



Imagem: Google/Divulgação

Tinha uns treze ou catorze anos, quando li Dom Casmurro, por indicação da escola. Devorei o livro, apesar dos 148 capítulos, ainda sem suspeitar que se devesse à genialidade de Machado de Assis, ao criar o narrador em dois tempos distintos de sua vida, como se fossem dois nele mesmo. Foi inevitável identificar-me com a Capitu do início da trama, brincalhona e curiosa, daquelas que querem saber de tudo. E não há como negar que toda mulher, ainda que menina, queira dominar a arte da sedução para se fazer atraente aos olhos de um homem. A personagem é tão vívida, que tinha a certeza de que ela existiu um dia, no Rio de Janeiro de 1857.

Muitos anos mais tarde, refazendo o olhar com outro enfoque sobre a obra, pude tecer várias análises. A primeira delas me fez concluir definitivamente pela existência de Capitu. Não como mulher de carne e osso, mas em todos nós, homens ou mulheres, na ambigüidade marcante em Bentinho e que nos foi ou é imposta, cultural e religiosamente, entre desejo e culpa. A punição de Capitu sob a ótica da culpa cristã, foi não ter voz própria ou nenhuma outra personagem que a defendesse. Além disso, um homem do século XIX num Brasil ainda Império e escravidão, jamais a deixaria se defender e preferia alijá-la muda para o exílio do que admitir sequer a possibilidade de ter sido traído e assim se expor à execração pública. 

A dúvida de Bentinho, mantida em segredo, transformou-o em Casmurro e consagrou o autor como sutilíssimo mestre na arte de seduzir o leitor com imensa simplicidade. Considerado por muitos uma obra-prima, Dom Casmurro creditou a Machado de Assis as influências sobre algumas idéias escritas por Freud posteriormente e perceptível também em escritores como John Barth e Graciliano Ramos, além de inúmeros estudos psicológicos e sociais, traduções em diversos idiomas e adaptações para outras mídias.


Pubicada simultaneamente no site espanhol “Poetas Trabajando”: http://www.poetastrabajando.com
e na Revista brasileira CAPITA Global News: http://www.capitaglobalnews.com.br/

domingo, 16 de junho de 2013

Cartão Postal



Imagem: Postal de Buenos Aires – Archivo general de La Nación



Havia uma imensa tarde de sábado diante de mim, azul e fresca como se fazem no fim dos outonos por essas terras e quando se está solitária, o tempo corre lento. Pensei no quanto é interessante a expressão corriqueira, já que o lento não corre, quando muito anda. Por uma reles analogia além do hábito, saí para caminhar.



Busquei ares diferentes, um lugar onde também pudesse exercitar o olhar. A Praça da Liberdade com seus jardins cuidados, obras de arte e arquitetura dos prédios das antigas Secretarias de Estado e do Palácio merecem sempre um olhar e o meu especialmente, já que impregnada por minhas lembranças desde sempre.

 

Caminhei por uma hora e meia, com certeza bem mais do que os sete mil passos diários recomendados, o que saldava meus débitos e ainda deixava algum crédito. O ambulante simpático ofereceu-me água mineral e procurei um banco à sombra. Encontrei um jornal do dia e lembrei-me de quem jamais o esqueceria lá, enquanto buscava as poucas matérias que não havia lido pela manhã.



Um som familiar distraiu-me e baixando o jornal pude ver um casal de pombos arrulhando carícias descuidadas bem perto dos meus pés. Mantive-me quieta admirando a cena pouco comum nos passos apressados da capital. Ao mais leve movimento, o casal bateu asas enquanto caiu sobre meu colo um cartão que estava entre as páginas do jornal. Era um belo postal, uma foto antiga da Plaza de Mayo. Depois de admirá-la por instantes, automaticamente olhei o verso. Lá além da bela caligrafia, reconheci um trecho de Rubem Braga: Ide-vos, noivos morenos, por Florida e Corrientes, ide-vos, felizes por todos os caminhos da vida. Só vos invejarão os que também procuram ser felizes; minha longa tarefa é outra, é não ser infeliz e me proteger e guardar, ser forte dentro de mim, forte, quieto e sereno. É velho Braga, pensei, ainda há outras tantas razões!



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 16/06/2013