Imagem: Google/divulgação
Ele ficava lá, solene, a um canto
da sala ostentando sua elegância, uma recordação vívida da casa de minha
bisavó. Entre as brincadeiras e correrias na casa grande, esperava por sua
hora, quando tocava como o Big Ben. Os vidros bisotados guardavam no mostrador
em marfim, as fases da lua.
A casa tinha duas cozinhas
grandes. Uma delas só para Vó Zizinha
preparar seus doces cristalizados e em calda, com cuidado e carinho, só para
agradar os netos e bisnetos que poderiam chegar a qualquer momento. De lá, sorrindo,
observava a todos nós em nossas brincadeiras.
Ao perceber meu encantamento pelo
relógio coluna, veio calmamente e chamou-me para a varanda, onde costumava
ficar bordando até o fim da tarde. À época tinha oitenta e muitos, mas a
vitalidade e alegria de antes dos cabelos brancos. Sentei-me aos pés da cadeira
de balanço, brincando com as linhas coloridas no cesto que ficava ao lado.
Disse-me então que o relógio era antigo e tinha vindo de longe, de uma Floresta
Negra cheia de magia, de onde vinham lindas também lindas histórias de fadas,
duendes, princesas e príncipes. E escolheu um entre os tantos contos dos Irmãos
Grimm, que pouco depois eu leria sozinha.
Hoje sei que o relógio veio da
Alemanha de navio com o bisavô que não cheguei a conhecer, quando escolheu o
Brasil para refugiar-se da primeira grande guerra. Testemunhou o tempo de uma
nova história de vida aqui construída, o trabalho árduo e uma família
crescendo. Viu o passar dos anos para aquela gentil senhora, mulher franzina e
delicada, que guardava em si uma força imensa e um invejável gosto pela vida,
jamais arqueados pelo peso da idade, lúcida e ativa até o fim de seus dias. E
marcou seu último segundo, quando a vida a deixou num suspiro, dormindo. Tempos
depois, em um antiquário, o relógio e as doces lembranças me encontraram
sorrindo.
Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 23/06/2013
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