As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 23 de junho de 2013

Marca dos tempos



Imagem: Google/divulgação


Ele ficava lá, solene, a um canto da sala ostentando sua elegância, uma recordação vívida da casa de minha bisavó. Entre as brincadeiras e correrias na casa grande, esperava por sua hora, quando tocava como o Big Ben. Os vidros bisotados guardavam no mostrador em marfim, as fases da lua.

A casa tinha duas cozinhas grandes. Uma delas só para  Vó Zizinha preparar seus doces cristalizados e em calda, com cuidado e carinho, só para agradar os netos e bisnetos que poderiam chegar a qualquer momento. De lá, sorrindo, observava a todos nós em nossas brincadeiras. 

Ao perceber meu encantamento pelo relógio coluna, veio calmamente e chamou-me para a varanda, onde costumava ficar bordando até o fim da tarde. À época tinha oitenta e muitos, mas a vitalidade e alegria de antes dos cabelos brancos. Sentei-me aos pés da cadeira de balanço, brincando com as linhas coloridas no cesto que ficava ao lado. Disse-me então que o relógio era antigo e tinha vindo de longe, de uma Floresta Negra cheia de magia, de onde vinham lindas também lindas histórias de fadas, duendes, princesas e príncipes. E escolheu um entre os tantos contos dos Irmãos Grimm, que pouco depois eu leria sozinha.

Hoje sei que o relógio veio da Alemanha de navio com o bisavô que não cheguei a conhecer, quando escolheu o Brasil para refugiar-se da primeira grande guerra. Testemunhou o tempo de uma nova história de vida aqui construída, o trabalho árduo e uma família crescendo. Viu o passar dos anos para aquela gentil senhora, mulher franzina e delicada, que guardava em si uma força imensa e um invejável gosto pela vida, jamais arqueados pelo peso da idade, lúcida e ativa até o fim de seus dias. E marcou seu último segundo, quando a vida a deixou num suspiro, dormindo. Tempos depois, em um antiquário, o relógio e as doces lembranças me encontraram sorrindo.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 23/06/2013


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