As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 24 de novembro de 2013

Atenção Senhores Passageiros!

Imagem: A Central do Brasil em três tempos, 1977 – Arquivos “O Globo”


Passageiros sim, todos nós, com bilhete só de ida, sem rascunho para se passar a limpo ou reticências na lápide pelo que se deixou de viver. Até aí nada de novo, não há notícias de estudos científicos abalizados que nos provem em contrário.

Então, aventure-se! Levante-se da cadeira cômoda de seu cotidiano e mexa-se, enquanto há esse tempo que não se sabe o quanto dura. Nada de esportes radicais, bungee jumping ou salto livre de paraquedas. Também não se trata de um manual de auto-ajuda, tranqüilize-se! É somente uma sugestão de como sair da rotina nas situações miúdas mesmo, como fiz no último fim de semana.

Comecei aceitando, sem titubear, um convite inusitado e absolutamente inesperado. No dia e hora marcados embarquei em um voo de capital a capital, seguindo depois de metrô e ônibus, até chegarmos à pequena cidade serrana e finalmente subirmos estrada de terra acima até o sítio. Sim, um sítio lindo com a casa pendurada no alto da montanha sem televisão, internet ou celular e com direito a fogão de lenha, muitas vidraças e verde – muito verde- além da deliciosa companhia.

Ah, sim, as aventuras! Elas e as inversões de papéis. Primeiro deixei-me adotar por um cãozinho e uma gata manhosa, numa manifestação genuína e despretensiosa que me fez esquecer o “politicamente correto” movimento de proteção aos animais. E mais: ao invés de pescar, alimentei os peixes criados no açude e ousei ladeiras abaixo de havaianas, o que me fez sentir como um bebê em seus primeiros passos trôpegos.

A volta foi o epílogo desta proeza quase épica. Experimente enfrentar a Via Dutra de ônibus, debaixo de um pé d’água no final do feriadão e depois da Rodoviária lotada, encontrar o Aeroporto Santos Dumont fechado. Tudo isto sem o mínimo de stress! Ainda ando meio bêbada de tanto verde e por enquanto nem a hora do rush me tira do sério.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 24/11/2013

sábado, 23 de novembro de 2013

Pensâncias


Imagem: Google


Há poesia em mim e em ti,
na brisa que murmura perfumes,
 na água que gota,
na terra que barro
e no céu que estrela.
 Basta ser arco para lançar-se
e íris para olhar.



23/11/2013

O despertar das sementes

Imagem: “L’hommequiplantaitdesarbres – Fréderic Back


Foi sem consentimento expresso, sem que a busca estivesse à flor da consciência que planejei o voo que me levaria a outra serra, de montanhas outras. Pousei suavemente numa manhã muito azul e mais quente do que as primaveras deveriam permitir, que logo se tornou tarde de encontros e boa prosa sob as sombras das árvores, fartas em nossa caminhada.

A casa e seus viventes receberam-me como se estivesse de volta depois de uma longa viagem. Pelas janelas, descortinava-se o vale de verde imenso riscado pelo rio que serpenteava até onde a vista alcançava, perdendo-se entre as curvas de montanhas sobrepostas além e por elas filtrava-se a luz morna que trazia um mundo de fora para dentro, inundado de perfumes e cantos silvestres.

Havia um encantamento único, vindos das mãos calejadas e suaves do homem que plantava árvores e cultivava amigos. Singular em sua obra, fez da leveza de suas mãos que conduzem a pena através de suas tantas histórias, a força que semeia o chão ávido de sombras generosas. Foi inevitável associá-lo à história fantástica, mas real, da vida de Elzéard Bouffier contada pelo romancista francês Jean Giono, que certamente encontraria em sua biblioteca - que pousada sobre um mezanino - parecia flutuar sob o telhado rústico, uma entre suas peripécias criativas que me proporcionou bons momentos com Ezra Pound, entre seus milhares de livros.

Conduziu-me gentilmente, creio que intuitivamente, a encontrar-me sem que me procurasse, ao ensinar-me a acordar as sementes. Trouxe comigo como lembrança, o perfume das andirobas e buritis e a renovada certeza que entre tantos ineptos e insossos, há os raros que muito fazem em seu pouco, marcando silente e indelevelmente seus caminhos pelo mundo, não com pedrinhas a serem seguidas, mas semeando a esperança dos frutos a serem colhidos adiante. Tão raros que não alardeiam feitos em busca de honrarias vãs, são simplesmente, inteiros, plenos de vida como sementes.



Publicada na Revista Capita News em 22/11/2013


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

To the raven

Imagem: Google



I ever dreamed like all

At first, a each one that I dreamed

The world said:

No, you can’t!

Then, I began to dream in silence,

Without a whisper

And so, everything became to come true.

Finally, I said to the raven:

Don’t say no to me,

Nevermore…




 20/11/2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Talvez

Imagem: Paintings books – Van Gogh

Talvez não tenha lido Guimarães Rosa como deveria, por ter sido plantada nas terras das Gerais e regada por histórias de antes, de coronéis e jagunços, além dos resquícios ambulantes deles que tive o desprazer de ver pelas ruas desfilando seus mandos e desmandos, orgulhosos por serem temidos por uma fieira de desafetos. Além disso, meus ouvidos desde cedo se habituaram à fala entoada em muitos tons e aos termos típicos tão familiares e diversos nas andanças por esses rincões.

Talvez por concordar que as palavras que já existem bastam para dizer o que se consegue e o que é proibido, como disse Clarice Lispector e como ela tenha ousado saber pensares distantes dos meus, para além do pensamento, lá onde não há mais palavras, onde se é essência, saberes de tempos outros e de além-mar.

Apesar dos pés no chão, talvez tenha alçado o olhar através do horizonte mediterrâneo em busca do cheiro de mar que Jorge Amado me trazia, subversão permitida entre as leituras ditadas entre tantas que nos eram proibidas.

Sinto como essa gente simples - que sou - o sabor do angu com couve, que mesmo apreciado no mesmo prato, guarda sabores particulares, únicos em cada um de nós. Mas ouso como Ophélia nas letras bordadas em cartas ao seu Fernando, apesar de tantos e busco entender o que dizem os papiros, as melodias de liras, os versos antigos esparsos pelo tempo e as histórias de saber e de saber contar.

São devaneios e conjeturas de quem se lê enquanto se escreve desde miúda, ouvindo das histórias os princípios e tecendo na imaginação menina as suas dentro de outras tantas. Foram muitas léguas a entortar caminhos, mas hoje sigo o rumo antes traçado, amadora de e nas letras, rompendo fronteiras próprias enquanto for esse pouco ou quase nada, poeira na estrada desses sertões que fazem distâncias, um assobio no vento talvez.



Publicada na Revista Capita News em 13/11/2013

domingo, 10 de novembro de 2013

Dito e feito

Imagem: Ouro Preto – Foto de Mônica Caetano Gonçalves


Ela era realmente especial, a começar pelo nome: Cerize, minha avó materna. Entre suas tantas histórias, boas de contar, gosto de me lembrar de sua fonte inesgotável de provérbios, ditos e termos populares sempre prontos a serem disparados no momento oportuno. E logo em seguida ria, ria muito, já que quem ri por último, ri melhor.

Certo é que quando pequena não entendia patavina e passava horas dando tratos à bola, tentando analisar o sentido daquelas metáforas todas. Crianças muitas vezes se apegam ao sentido literal da frase, chegando a imaginar os pobres macacos, quietinhos, um em cada galho. E eu não fugi à regra.

Demorei um pouco para entender quando me chamava de santinha do pau oco, quando aprontava das minhas, mas nem tanto quanto saber a origem do termo. Alguns anos mais tarde, morando em São João d’El Rei, pude ver os tais santos esburacados recheados pelos contrabandistas dos séculos XVIII e XIX com ouro em pó, moedas e pedras preciosas que enviavam para Portugal.

Os ditados populares permanecem iguais por anos a fio, mantendo tradições morais, filosóficas e religiosas. Muitos historiadores e escritores se dedicam a descobrir as origens dessa riqueza cultural, mas não é tarefa fácil. Deve ter havido uma viagem no tempo até que se concluísse que a expressão “farinha do mesmo saco” vem de uma frase em latim “Homines sunt ejusdem farinae” e do costume de se qualificar e separar as farinhas melhores das piores. Eu mesma cansei de tentar descobrir de que cor seria o burro fugido, até saber que originalmente seria “Corra do burro quando ele foge”, um bom conselho já que burro bravo é perigoso mesmo. A tradição oral modificou a frase e no fim das contas o que era verbo virou cor.


Dito e feito. Dos tantos que aprendi com Vó Cerize, restou o hábito de lembrá-los a cada vez que o momento se ofereça.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O Outro

Imagem: Edward Hopper – Night on the El Train, 1918


É bem provável que estejamos vivendo na mais egoísta das épocas. A busca da liberdade através da afirmação da individualidade parece ter atingido um nível extremo em que é confundida com o individualismo, expressando-se através de um egocentrismo exacerbado. Como consequência há cada vez mais solitários e pior, por opção pessoal, como se liberdade e solidão fossem indissociáveis.

Fiquei pensando sobre esta questão, depois de uma conversa com um amigo que me enviou um vídeo sobre a sexualidade no Japão atual, ou melhor, sobre a falta crescente de relacionamentos afetivo-sexuais. Lá, chegam a pagar para acariciar gatos como substitutivo do aconchego de uma relação interpessoal – disse-me ele, sem esperanças de que haja como reverter este tipo de comportamento em nossa civilização a não ser depois que uma grande tragédia atinja a humanidade.

São muitas as formas de analisar a questão, desde o medo do sofrimento advindo das relações sociais – o medo do homem pelo homem – definido por Freud, até avaliarmos em que medida este isolamento absurdo atende aos interesses do poder. Associando as duas vertentes pode-se supor o quanto é vantajoso transformar a libido em força de trabalho e assim também desfavorecer a formação de grupamentos humanos em torno de um sentir ou pensar comum.

Acredito, apesar da opinião do amigo de longas conversas, que em algum momento próximo se iniciará um movimento reverso, já que a história do comportamento social mais parece um eletrocardiograma, com picos quase sempre antitéticos, seja nos costumes ou manifestações afetivas. Aos poucos e individualmente a insatisfação pessoal pelo distanciamento que criamos entre nós, ensejará a mudança. Não há como negar as pulsões primordiais, sexuais para além do sexo e a busca do prazer que não seja somente uma satisfação imediata do desejo. Logo poderemos ser surpreendidos por uma reedição de Woodstock, que através de diversas tribos high tech reúna gerações numa nova era de paz e amor.



Publicada na Revista CAPITA News em 05/11/2013

domingo, 3 de novembro de 2013

Tarrafeando

Imagem: Revista Brasileira de Geografia – IBGE 8ª edição. RJ, 1966. Mutirão


Há que se esperar um bom tempo, apesar do muito que já se tem a dizer e estudar, antes que se possa concluir sobre as conseqüências da virtualidade nos relacionamentos e comportamentos sociais. Muitos ainda resistem aos meios tecnológicos, enquanto outros tantos já se tornaram dependentes das telinhas para se comunicar com o outro, com o mundo.

Zygmunt Bauman, um dos pensadores que mais têm produzido obras que refletem os tempos contemporâneos, considera que os contatos online têm a vantagem de poder ser desligados sem maiores explicações quando se tornam desconfortáveis; mas perde-se na habilidade de estabelecer relações de confiança.

Arrisco-me atrevidamente a acrescentar que seja qual for a opção individual quanto às infinitas formas de se relacionar, sempre haverá perdas e ganhos e a cada um cabe avaliar o quanto lhe custa o benefício. Além disso, os relacionamentos virtuais não precisam excluir os reais e calorosos, podem bem ser complementares.

De fato, temos nas redes sociais a oportunidade de encontrar pessoas com as quais provavelmente jamais conviveríamos, muitas delas distantes e até as que passam por nós na calçada ou embarcam no mesmo ônibus sem sequer serem notadas. E é possível fazer como alguns, eu inclusive: vamos navegando e tarrafeando avatares, descobrindo afinidades nas gentes que podem se tornar boas companhias, amigos de verdade. Falo dos bons encontros que vejo acontecendo e também acontecem comigo.

Muito se fala dos riscos de se cair em mãos de falsários ou coisa pior, mas esses estão em toda parte em nosso mundo real e se valem de todos os meios que têm ao alcance, inclusive invadir sua casa pulando a janela.

Se não for um hábito extremo, que afaste o indivíduo do convívio real - usado como defesa, medo ou insegurança – não vejo motivo para discriminar os instrumentos que a tecnologia nos oferece, afinal podemos nos conhecer inesperadamente e de formas inusitadas em qualquer lugar do planeta.




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 03/11/2013