As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

sábado, 23 de novembro de 2013

O despertar das sementes

Imagem: “L’hommequiplantaitdesarbres – Fréderic Back


Foi sem consentimento expresso, sem que a busca estivesse à flor da consciência que planejei o voo que me levaria a outra serra, de montanhas outras. Pousei suavemente numa manhã muito azul e mais quente do que as primaveras deveriam permitir, que logo se tornou tarde de encontros e boa prosa sob as sombras das árvores, fartas em nossa caminhada.

A casa e seus viventes receberam-me como se estivesse de volta depois de uma longa viagem. Pelas janelas, descortinava-se o vale de verde imenso riscado pelo rio que serpenteava até onde a vista alcançava, perdendo-se entre as curvas de montanhas sobrepostas além e por elas filtrava-se a luz morna que trazia um mundo de fora para dentro, inundado de perfumes e cantos silvestres.

Havia um encantamento único, vindos das mãos calejadas e suaves do homem que plantava árvores e cultivava amigos. Singular em sua obra, fez da leveza de suas mãos que conduzem a pena através de suas tantas histórias, a força que semeia o chão ávido de sombras generosas. Foi inevitável associá-lo à história fantástica, mas real, da vida de Elzéard Bouffier contada pelo romancista francês Jean Giono, que certamente encontraria em sua biblioteca - que pousada sobre um mezanino - parecia flutuar sob o telhado rústico, uma entre suas peripécias criativas que me proporcionou bons momentos com Ezra Pound, entre seus milhares de livros.

Conduziu-me gentilmente, creio que intuitivamente, a encontrar-me sem que me procurasse, ao ensinar-me a acordar as sementes. Trouxe comigo como lembrança, o perfume das andirobas e buritis e a renovada certeza que entre tantos ineptos e insossos, há os raros que muito fazem em seu pouco, marcando silente e indelevelmente seus caminhos pelo mundo, não com pedrinhas a serem seguidas, mas semeando a esperança dos frutos a serem colhidos adiante. Tão raros que não alardeiam feitos em busca de honrarias vãs, são simplesmente, inteiros, plenos de vida como sementes.



Publicada na Revista Capita News em 22/11/2013


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