Imagem: The starry night – Vincent
Van Gogh
Vindo do trabalho para casa, naquele
horário de trânsito caótico e espremida entre carros e buzinas, de relance a vi
nascente, cheia, esplendidamente exuberante e imensa. Logo adiante,
compulsoriamente parada, lunática como sempre, me ouvi dizendo a ela entre
risos:
- O que é isso Lua? Que exagero!
No rádio, a primavera antecipada de Tim
Maia homenageava a lua de setembro. Inevitavelmente pensei, em meio a tantos
acorrentados em seus minúsculos mundos, que certamente poucos a viram linda, em
seu maior espetáculo. Enamorada, não me importava mais com o tempo que nos é roubado
dos dias pela confusa e atribulada vida em uma grande cidade.
A semana seguiu corriqueira até o domingo,
quando me dei conta de que oficialmente entrávamos em uma nova estação,
primavera aqui e outono lá. Os ipês já haviam colorido a cidade com todas as
suas cores e as flores enfeitavam jardins e praças, já que a natureza soberana
não se pauta pelas datas no calendário ou convenções por nós inventadas. O sol
logo pela manhã se fez verão, quente e abafado, até que a brisa da tarde
trouxesse uma chuva fina e rápida o bastante para exalar o perfume da terra
molhada e deixar que me perdesse de mim, novamente admirando a lua pela janela
do quarto, ela em seu quarto minguante.
Pelo dial da memória, passavam melodias e
mais melodias, cheias de luas e primaveras coloridas, dando-me a dimensão da
importância para todos nós dos marcos do tempo e da natureza. Mais do que
simplesmente medi-los, os ciclos - sejam dias ou estações - se refletem através
de seus fins e começos em nossa vida afetiva. São universais as associações de
sentimentos às estações: a alegria e as paixões relacionadas ao verão,
contrapondo-se ao recolhimento muitas vezes melancólico no inverno, a reflexão
sobre as pernas no outono e a esperança de renascer na primavera. Monets, Van
Goghs e Vivaldis!
Publicada no Jornal “O
Pioneiro” em 29/09/2013