Imagem: grafite e nanquim sobre papel – Di Cavalcanti
Manhã de domingo. Um daqueles finais de
semana em que se resolve desligar o piloto automático, sem se ocupar com o
correr das horas, tão corridas durante a semana. E ainda melhor, no seu canto,
com seus discos e livros e nada mais, como cantou nossa eterna Elis. Um sábado
morno e tranquilo, a noite bem dormida e a refeição trivial preparada com
calma.
O aroma e o vapor do café fumegante
desenharam as mãos calejadas que semeiam e colhem o fruto maduro e nos doces e
minúsculos flocos brancos reli em flashes toda a história do ciclo do açúcar
com imagens de engenhos arcaicos e trabalho escravo. No pão fresco, a massa,
esta que segue cabisbaixa e submissa produzindo o conforto que consumimos
diariamente, sem pensar no suor do trabalho de tantos invisíveis na cadeia
produtiva.
Seguimos assim como uma horda de
autômatos, deixando esquecido no fundo de alguma gaveta o sapiens do homo e
cuidando de nossas miudezas, já que a incômoda consciência individual do que
nos tornamos como humanidade é impotente para que se mudem os rumos de um
caminho sem volta. Enquanto a maioria se acomoda, criando a ilusão de viver em
paraísos particulares, alguns quando muito - em rasgos de lucidez - denunciam,
bradando aos quatro ventos e conquistando alguma indignação solidária, as agruras
a que se submetem tantos em razão das desigualdades sociais e econômicas ou
crimes contra o meio ambiente praticados pelo descaso e as desmedidas do
capitalismo; e outros heroicos, agem efetiva e solitariamente em benefício de
carentes das carências todas.
Amanheci, segunda feira, uma britadeira
quebrando o passeio sob minha janela, ensurdecendo meus pensamentos a ponto de
ligar o piloto automático, até alcançar o rumo do dia e silenciosamente passar
pelo turbilhão das ruas, lembrando-me de Rubem Braga: “Assim vai passando a
multidão, e dentro dela caminho outra vez, lentamente, distraído e tranquilo
como um boi.”
Publicada na Revista CAPITA News em
20/09/2013
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