As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Candeeiro





Imagem: grafite e nanquim sobre papel – Di Cavalcanti



               

Manhã de domingo. Um daqueles finais de semana em que se resolve desligar o piloto automático, sem se ocupar com o correr das horas, tão corridas durante a semana. E ainda melhor, no seu canto, com seus discos e livros e nada mais, como cantou nossa eterna Elis. Um sábado morno e tranquilo, a noite bem dormida e a refeição trivial preparada com calma.

O aroma e o vapor do café fumegante desenharam as mãos calejadas que semeiam e colhem o fruto maduro e nos doces e minúsculos flocos brancos reli em flashes toda a história do ciclo do açúcar com imagens de engenhos arcaicos e trabalho escravo. No pão fresco, a massa, esta que segue cabisbaixa e submissa produzindo o conforto que consumimos diariamente, sem pensar no suor do trabalho de tantos invisíveis na cadeia produtiva.

Seguimos assim como uma horda de autômatos, deixando esquecido no fundo de alguma gaveta o sapiens do homo e cuidando de nossas miudezas, já que a incômoda consciência individual do que nos tornamos como humanidade é impotente para que se mudem os rumos de um caminho sem volta. Enquanto a maioria se acomoda, criando a ilusão de viver em paraísos particulares, alguns quando muito - em rasgos de lucidez - denunciam, bradando aos quatro ventos e conquistando alguma indignação solidária, as agruras a que se submetem tantos em razão das desigualdades sociais e econômicas ou crimes contra o meio ambiente praticados pelo descaso e as desmedidas do capitalismo; e outros heroicos, agem efetiva e solitariamente em benefício de carentes das carências todas.

Amanheci, segunda feira, uma britadeira quebrando o passeio sob minha janela, ensurdecendo meus pensamentos a ponto de ligar o piloto automático, até alcançar o rumo do dia e silenciosamente passar pelo turbilhão das ruas, lembrando-me de Rubem Braga: “Assim vai passando a multidão, e dentro dela caminho outra vez, lentamente, distraído e tranquilo como um boi.”



Publicada na Revista CAPITA News em 20/09/2013

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