As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Sobre amor e sapos

Imagem: Alfred Eisenstaedt – O Beijo, 1945.

Tema raro em Filosofia, o amor é abordado por Arthur Schopenhauer, fato à primeira inusitado, considerando-se seu pessimismo quase anedótico e de ter sido um solitário. Apesar de inteligente, seguro, bonito e rico, jamais fez sucesso no universo feminino.

Naturalmente perguntarão como um "cara" que nunca "se deu bem" com as mulheres pode falar sobre o amor. Ouso responder que, talvez por poder observar de fora, do alto e também de pertinho, sem necessariamente estar vivendo a experiência, da mesma forma como são feitas as análises de Galeano. Afinal a base do espírito científico é a observação do "fenômeno" estudado.

É interessante notar que uma geração antes de Darwin e cerca de 60 anos antes de Freud, ele foi o primeiro a apontar as razões inconscientes e biológicas para o amor. O filósofo, pouco conhecido, considerava que não havia nada mais importante na vida do que o amor, porque o que está em jogo é a sobrevivência da espécie, apesar de condenar como nosso erro fatal, vincular o amor à felicidade. Freud, com certeza, foi influenciado pelo pensamento de Schopenhauer, transformando o seu impulso de vida em pulsão, adicionando um ingrediente fundamental: a busca incondicional do prazer (que também nada tem a ver com felicidade, esta utopia maluca que alguém inventou pra nos infernizar).


Também nos aconselhava a engolirmos um sapo todas as manhãs para garantir que não nos depararíamos com nada mais repulsivo ao longo do dia. “Pode-se dizer que, se hoje ela está ruim, as coisas só tendem a piorar, até que o pior de tudo aconteça”. Há algo semelhante com as Leis de Murphy, mas advirto, por experimentação própria, que engolir sapos todas as manhãs, causa gastrite e úlceras, já que está clinicamente provado que o anfíbio não é plenamente "digerido" pela espécie humana, deixando resíduos tóxicos armazenados no inconsciente. Resta inevitável o comentário, em analogia aos contos de fadas: Pobres Princesas!


Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 23/02/2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Em pleno voo

Imagem: Google/divulgação


A viagem seria curta, mas as belas imagens da baía da Guanabara se distanciando no horizonte, levaram-me a um longo voo em flashes da memória. Lembrei-me do glamour que envolvia as viagens aéreas no fim dos anos 60. Homens engravatados e quando menos, em elegantes blazers. As mulheres a caráter em seus scarpins de salto sete, no mínimo, e os inconfundíveis óculos escuros à la Jackie Kennedy, já Onassis. O serviço de bordo era um luxo! Nas viagens mais longas, jantares refinados e nas mais curtas os lanches servidos eram dignos da confeitaria Colombo. Tudo muito chique e caro!

Interrompo-me. Antes, quando jovem estudante, achava meio século um tempo imenso, termo dos livros de História, muito mais longo do que os cinquenta anos que representam e que em tempo histórico é uma insignificância que passa num piscar de olhos, como nossas vidas.

Passado pouco mais de meio século, as viagens aéreas se popularizaram, os preços baixaram, tornando-as mais acessíveis, o que é ótimo, mas com isto foi-se também o charme da cena de despedida no aeroporto de Casablanca. Com ele, o que é bem pior, também perdemos a qualidade dos serviços que nos prestam.

Não fosse pela gentil beleza, pelos cardápios e opções para pagamento que oferecem, as aeromoças - digo, comissárias de bordo – pouco se diferenciariam dos ambulantes que vendem bugigangas alimentícias nos trens da Central do Brasil.

Além disto, os atrasos frequentes muitas vezes sem causas meteorológicas, inexplicáveis e inexplicados, indicam claramente a precariedade da infraestrutura aeroportuária no país. Nem é bom pensar na manutenção mecânica das aeronaves, senão ninguém se arrisca mais a voar. Tudo isto pertinho da Copa do Mundo com todas as reformas em andamento a passos de tartaruga.

O piloto ordena: Tripulação, preparar para a aterrissagem! Em terra de Minas em um dos meus costumeiros contrapontos, desembarco cantarolando o Samba do avião de Tom Jobim, já “morrendo de saudades”.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 16/02/2014

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Há uma razão

Imagem: Mãos desenhando-se – M.C. Escher

Todos ouvimos ou lemos em algum lugar que a vida é um livro com páginas em branco a ser escrito. O quê e o porquê são as questões centrais e individuais. Seria um diário de bordo? Não, os dias corriqueiros e as rotinas cotidianas se condensam em um único capítulo, bem parecido com os “procedimentos operacionais padrão”, isso ou ISO a que estão obrigadas as empresas segundo as normas de qualidade. Os melhores capítulos serão aqueles que passam em lampejos em nossas memórias como estrelas cadentes ou - menos poeticamente – como mini flashbacks.

É nesta linha que seguimos, os que nos atrevemos a escrever - mais do que o próprio livro da vida – livros e páginas impressas a serem lidas por outros, muitos ou alguns, seja como meio de transmitir informação, conhecimento ou entretenimento e acima de tudo assegurar o registro histórico e cultural, o dito “zeitgeist” da língua germânica, a melhor síntese linguística para o espírito de um dado momento em determinado tempo e lugar.

Exatamente aí estão os cronistas, dedicados ao estilo literário ainda sem reconhecimento unânime. Crônica vem de Cronos, deus do tempo na antiguidade clássica, Saturno para os gregos. Ao cronista cabe escrever inclusive sobre mitologia, mas especialmente sobre assuntos do tempo, este efêmero e etéreo que ultrapassa a tudo e todos. Assim, presume-se que a crônica acabe passando, como as notícias no dia seguinte.

Entre as grandes exceções, cito somente dois, Drummond e Braga, mestres nos ensinamentos de Schopenhauer: “É preciso ser econômico com o tempo, a dedicação e a paciência do leitor, de modo a receber dele o crédito de considerar o que foi escrito digno de uma leitura atenta e capaz de recompensar o esforço empregado nela. É sempre melhor deixar de lado algo bom do que incluir algo insignificante”. A eles uma adaptação dos versos de Rimbaud: “Mudem nossa sorte, livrem-nos das pestes, a começar pelo tempo”.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 09/02/2014

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Decrescendo

Imagem: Crianças brincando – Cândido Portinari


Durante uma gestação normal estamos, todos nós, confinados ao pequeno espaço do ventre, que para nós nesta fase é todo o universo na mais perfeita harmonia, até que, sem nenhuma explicação, somos expulsos de lá. É o que chamam os estudiosos de nosso primeiro trauma.

Com alguma sorte, somos prontamente acolhidos no colo e no seio, que também é lar, simbioticamente nossos, e nos permitem ser. Uma imensidão a explorar à nossa disposição, até descobrirmos o outro, quase sempre um irmão que já estava lá ou chega depois. Verdade! Já não somos os absolutos donos do pedaço e dividir o espaço é inevitável. Mas, num passe de mágica, este outro é também nosso companheiro de todas as aventuras que ousamos. Somos astronautas, a desbravar galáxias inventadas, super-heróis com poderes inimagináveis, princesas encantadas ou fadas etéreas.

Então surge uma grande e imbatível ameaça: Não, você não pode... E atrás do não, o certo e o errado e todos os limites. A porta fechada, para além da qual não se pode ir sozinho porque há perigos rondando lá fora. É aí que a realidade começa a roubar a cena.

Na escola, para onde vamos cada vez mais cedo, percebemos que somos muitos com os mesmos sonhos e fantasias e com isto nos fortalecemos. Vem o quando eu crescer... Bombeiros, médicos, músicos, bailarinas começam a se desenhar de forma idealizada na vida adulta, motivo de diversão para os adultos próximos.

E assim seguimos aprendendo os cubos - muitas vezes empilhados - que nos dão abrigo, os quadros translúcidos - permitindo almejar a utopia dos horizontes que não alcançamos -, o outro lado da rua; os limites da cidade, as fronteiras dos países desenhados no mapa-mundi. Chegamos finalmente à adolescência e contestamos tudo, esperando expandir o pouco espaço que nos cabe. Sonhamos ser gente grande, na ilusão da liberdade de sermos, sem saber que a gente encolhe quando cresce.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 02/02/2014