Imagem: Crianças brincando – Cândido Portinari
Durante uma
gestação normal estamos, todos nós, confinados ao pequeno espaço do ventre, que
para nós nesta fase é todo o universo na mais perfeita harmonia, até que, sem
nenhuma explicação, somos expulsos de lá. É o que chamam os estudiosos de nosso
primeiro trauma.
Com alguma
sorte, somos prontamente acolhidos no colo e no seio, que também é lar,
simbioticamente nossos, e nos permitem ser. Uma imensidão a explorar à nossa
disposição, até descobrirmos o outro, quase sempre um irmão que já estava lá ou
chega depois. Verdade! Já não somos os absolutos donos do pedaço e dividir o
espaço é inevitável. Mas, num passe de mágica, este outro é também nosso
companheiro de todas as aventuras que ousamos. Somos astronautas, a desbravar
galáxias inventadas, super-heróis com poderes inimagináveis, princesas
encantadas ou fadas etéreas.
Então surge uma
grande e imbatível ameaça: Não, você não pode... E atrás do não, o certo e o
errado e todos os limites. A porta fechada, para além da qual não se pode ir
sozinho porque há perigos rondando lá fora. É aí que a realidade começa a
roubar a cena.
Na escola, para
onde vamos cada vez mais cedo, percebemos que somos muitos com os mesmos sonhos
e fantasias e com isto nos fortalecemos. Vem o quando eu crescer... Bombeiros,
médicos, músicos, bailarinas começam a se desenhar de forma idealizada na vida
adulta, motivo de diversão para os adultos próximos.
E assim seguimos
aprendendo os cubos - muitas vezes empilhados - que nos dão abrigo, os quadros
translúcidos - permitindo almejar a utopia dos horizontes que não alcançamos -,
o outro lado da rua; os limites da cidade, as fronteiras dos países desenhados
no mapa-mundi. Chegamos finalmente à adolescência e contestamos tudo, esperando
expandir o pouco espaço que nos cabe. Sonhamos ser gente grande, na ilusão da
liberdade de sermos, sem saber que a gente encolhe quando cresce.
Publicada no
Jornal “O Pioneiro” em 02/02/2014
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