As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 28 de julho de 2013

Assim, também rock n’roll

Imagem: Fotografia de Bill Eppidge


Sem música a vida seria um erro. Acrescento a partir de Nietzsche em tom confessional, que talvez não a vida, mas eu com certeza seria um erro sem a música. Bem mais do que uma apreciadora, transito com facilidade entre os mais variados estilos e movimentos musicais. Apesar da preferência pelo jazz e os ritmos brasileiros de todas as épocas, não há como desconsiderar a influência do rock em todas as gerações que se seguiram à minha. A propósito do dia do rock, comemorado em 13 de julho, lembrei de vários fatos e histórias interessantes a respeito, que muita gente desconhece.

Com uma mistura de gêneros, afro-americanos em sua maioria, o rock surgiu entre as décadas de 1940 e 50, apesar de já encontrarmos seus elementos nas gravações country de 30 e nos blues de 20. Acredita-se que Alan Freed foi o primeiro a utilizar a expressão rock and roll referindo-se ao estilo, em 1951, já que até então o termo era uma gíria negra que remetia à dança e ao sexo.

Para quem acredita que Woodstock foi o marco inicial nos festivais de rock no mundo, uma surpresa: foi o Monterey International Pop Music Festival, realizado dois anos antes na Califórnia, o primeiro. Dele já participaram grandes nomes como Hendrix, Joplin, The Who e Stones. A propósito de Janis, também não foi ela a pioneira no gênero e sim Wanda Jackson, a Primeira Dama do Rockabilly.

Nos anos que se seguiram grandes nomes e ídolos foram se somando às inúmeras mudanças, revoluções e evoluções. Só não mudou - e nada indica que mude - a maneira revolucionária com a qual o rock’n roll escreve a sua trajetória na história da música. O jovem senhor chegou ao século XXI como um entre os mais importantes gêneros musicais, sem apresentar o menor sinal de cansaço e renovando-se sempre, sem revelar tendência alguma de deixar de existir.




Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 28/07/2013

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Haikai - Série



V

Algumas manhãs parecem espreguiçar domingos
Como se o tempo
Nunca fosse tarde.


VI

Há que se repousar a pena
Sob a mão que a acaricia
Até que a noite escreva estrelas.


VII

Se calo em mim todas as vozes,
ensurdeço os fios
que me tecem as filigranas do mundo.


VIII

Há tempos que passam,
tempos que passam vidas inteiras
nas memórias que somos.

26/07/2013

Tricotando



Imagem: Foto - Bette Davis e Gary Cooper - 1941
               
Há um consenso, quase um mito, de que nós mulheres conversamos muito. Conversa de lavadeiras ou comadres e mais recentemente tricotando, são expressões que ainda se ouvem e alimentam o entendimento equivocado de que tratamos a maior parte do tempo de frivolidades femininas, o que naturalmente enseja a curiosidade masculina.

Não há mistérios. Cada um de nós, independente do sexo, partilhará com maior ou menor intimidade com seus pares, as experiências vividas dentro do contexto sócio-cultural em que está inserido. As diferenças, na maior parte das vezes se encontram nas formas de expressar, estas sim características de cada gênero. Trocávamos receitas e eventualmente ainda trocamos, falamos sobre a educação dos filhos como sempre, mas hoje, em pleno século XXI, um sorriso cúmplice entre amigas pode perfeitamente se referir ao sucesso de um bom investimento e não ao mais recente namorado.

Da mesma forma, ainda é comum se imaginar que um homem e uma mulher almoçando juntos, por exemplo, é um casal e não colegas de trabalho. Evoluímos sim, mas nosso comportamento social continua retrógrado e relacionado à função primordial de preservação da espécie, em que naturalmente não se encaixam sequer as opções de orientação sexual.

Em algum momento, o empoderamento feminino significou a invasão de um universo até então absolutamente masculino, criando um distanciamento maior, como fossemos espécies diferentes ou originários de planetas distintos, o que já serviu até para título de livro. Até na linguagem empregada, especialmente nos discursos políticos, fica evidente esta visão ultrapassada, já que se desconsidera que a palavra companheiros é plural em que cabemos todos, independente de sexo, raça ou religião.

Passa da hora de nos acertarmos com o tempo em que vivemos e buscarmos nossa complementaridade enquanto seres humanos, em prol da sociedade, para além dos papéis individuais e das funções sexuais da espécie. E guardarmos dos mistérios, como na dança dos véus, a magia da descoberta do outro.


Publicada na Revista CAPITA Global News em 26/07/2013

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Luna

Imagem: Fotografia de acervo pessoal


Sou sombra sob tua luz

oculta em tua face

eu, enluarada,

enamorada de ti!



19/07/2013

domingo, 21 de julho de 2013

E o escambau

Imagem: Imbondeiro – Fonte: Google/divulgação

Vira e mexe me pego encafifada com os termos e expressões idiomáticas empregados na linguagem oral e coloquial pelo Brasil afora, sejam eles atuais ou mais antigos. A palavra encafifada mesmo, já serve de exemplo e apesar de fora de uso ainda soa melhor do que ensimesmado. Não se enganem, nada tem a ver com cafifa, que é desejar má sorte a alguém em um jogo qualquer ou outro nome dado a pipas e papagaios. Só até aqui, já se tem uma noção da diversidade de usos para uma única palavra e de que, muitas vezes, pouco vale buscar na etimologia seu significado.

O mais interessante é que quando me lembro de uma, passa a ser a primeira de uma fila quase interminável. Pode realmente se tornar um imbondo, uma dificuldade, como ainda se diz no interior das Minas Gerais. Em Moçambique imbondos são os baobás, essas árvores gigantes há muito consideradas sagradas em toda a África, como pontes entre o céu e a terra, antes mesmo que se soubesse de suas tantas propriedades medicinais.

Daí, se tiver algum tempo para vagabundear pensamentos, viajo por estas terras de tantos trejeitos e sotaques e posso ainda navegar por outros mares de língua portuguesa, num verdadeiro escambau de palavras a permutar seus significados. No Brasil império era assim chamada uma grande feira para troca de mercadorias sem uso da moeda corrente, vestígios dos escambos praticados com os índios durante a colonização. Há quem defenda a idéia de que a palavra tenha sua origem em cambada, enquanto outros acreditam ser corruptela de “whisk and bowl”, acreditem.

São muitas as possibilidades de usos para as palavras ditas e escritas neste nosso idioma tão rico, significados sempre influenciados pela geografia e contornos de micro regiões, marcadas por seus aspectos culturais no tempo.

Aqui, meu escambau é um et cetera, já que a linguagem é viva e dinâmica e segue remodelando-se.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 21/07/2013

Haikai VIII

Imagem: Nascer do sol - Claude Monet, 1872


Há manhãs que espreguiçam domingos
como se o tempo
jamais fosse tarde.


21/07/2013

Haikai VII


Imagem: Um carinho da amiga Gislaine Leonardi.



Há tempos que passam,
tempos que passam vidas inteiras
nas memórias que somos.


21/07/2013






sábado, 20 de julho de 2013

Pássaro

Fonte da imagem: Google.



Leve, voa

quero-te pássaro

que em liberdade sinta

os sonhos que em mim aninho.

Repousa tuas penas nas mãos 

que só para ti guardam

o canto que amanhece os dias.



20/07/2013





sexta-feira, 19 de julho de 2013

Brincos de pérola



Imagem: Moça com brincos de pérola – Johannes Vermeer




Recentemente revi A moça com brincos de pérola, filme de 2003 produzido pelo Reino Unido e Luxemburgo, uma adaptação do romance homônimo de Tracy Chevalier. Na verdade é uma história inventada sobre a vida de Johannes Vermeer em torno de uma entre suas famosas e raras telas.
A pintura foge da beleza clássica e mostra-se mais bela por retratar uma holandesa comum em sua época, uma característica marcante na pequena obra conhecida do pintor que hoje reúne cerca de 35 quadros, já que alguns outros têm sua autenticidade questionada. Assim como as obras barrocas do período ressaltam um forte contraste entre luzes e sombras, o filme mostra um retrato de uma família européia do final do século XVII, ressaltando a diferença entre as classes sociais e a mente fechada e mesquinha das elites.
Foram dois os pensamentos que me vieram relacionados indiretamente ao tema. Um deles, aparentemente frívolo e feminino, reflete as mudanças no comportamento social nos últimos cinqüenta anos. O cotidiano agitado nos grandes centros por necessidade prática tornou a nossa forma de vestir mais casual e hoje não cabe mais o requinte das pérolas, antes quase obrigatórias, como adereço do dia a dia.
De outro ângulo, conclui-se que Vermeer é provavelmente o pintor mais famoso com uma obra tão pequena e como são poucos e imprecisos os dados disponíveis sobre sua vida e obra. É interessante observar o quanto isso fragiliza a História, na composição de uma figura notória nas artes dando margem à criação de uma imagem romanceada, um personagem que o representa, preenchendo as lacunas deixadas pelo tempo. Um exemplo nítido de como se criam mitos e lendas, que em outros tempos eram transmitidos pela linguagem oral através das gerações e que atualmente passam a povoar nossas fantasias, pelas belas imagens cinematográficas.
O Homem, seu mundo de idéias concretas ou abstratas e suas muitas formas de expressão na linha do tempo!





Publicada na revista CAPITA Global News em 19/07/2013

quinta-feira, 18 de julho de 2013

No divã

Imagem: Divã de Freud - Fonte: Google



Muito além das teorias, marco inegável no trilhar das Ciências Humanas, a obra de Sigmund Freud se apresenta com reconhecida elegância literária. Não foi à toa que Freud recebeu em 1930 o prêmio Goethe da cidade de Frankfurt, pelo valor científico e literário de sua obra. Para Bruno Bettelheim, um entusiástico estudioso, Freud expressou-se quase sempre com verdadeira eloquência, usando a língua alemã de forma magistral e freqüentemente poética.

A meu ver, o estudo da psicanálise, a partir de Freud, torna-se ainda mais interessante ao se atentar às influências das artes e da literatura, em especial da Poesia, em sua obra. A análise dos grandes mestres, pintores e escultores, merece um olhar minucioso. Aliás, nada mais freudiano do que o sorriso de Mona Lisa, diga-se de passagem.

Vamos aos poetas, já que o início dos meus estudos psicanalíticos coincidiu com a ousadia nos versos, abrindo caminhos para uma análise pessoal. Freud admite abertamente que os poetas conhecem o inconsciente e indica que através deles se pode ir além...

É marcante a presença de Goethe, com citações textuais ao longo de toda a obra, chegando a merecer um texto de 1917, tratando de memórias infantis, baseado na autobiografia do poeta, intitulada “Memórias: poesia e verdade”. Chego a uma esfíngica questão: Que relação haveria entre o uso do nome e do objeto divã em psicanálise e a obra Divan(Coleção de poemas em persa), de Goethe, publicada originalmente em 1819 e reeditada em 1827?

E concluo sobre a poética em psicanálise: De certa forma, ser psicanalista é possibilitar que o analisando escreva sua poesia, reconstrua seu passado, teça um novo mito sobre seu existir. Ao romper com uma série de limites do pensamento de sua época, Freud foi poeta a cada vez que o cientista ficava sem chão.



Publicada na Revista CAPITA Global News em 29/11/2012

domingo, 14 de julho de 2013

Eis a questão

Imagem: Ilustração de Rocco Fazzari

Ser ou não ser, certamente é questão fundamental, não somente para Hamlet, mas para o próprio Shakespeare. As dúvidas sobre a autoria ser do próprio Mr. Shake existem desde o século XVIII e ainda hoje muitos estudam o assunto.

Na semana passada, um amigo me lembrou do tema, perguntando-me de forma despretensiosa: Seria Shakespeare um laranja? Ainda que divertida a maneira de se colocar, é assim mesmo que muitos pensam. Na verdade, a falta de dados biográficos precisos sobre ele, alimenta este ar de mistério que o envolve. Entre os suspeitos ilustres à sua identidade secreta surgem nomes como Francis Bacon e Christopher Marlowe, além dos nobres Condes de Derby e Oxford - Eduardo de Vere - hoje o mais cotado entre eles.

Aqueles que se dedicam a estudar sua vida e obra, tecem argumentações imensas e muitas vezes chatas de ler, havendo até quem defenda que além de ser outro, Shakespeare era muitos; ou apresente hipóteses mirabolantes como a que aponta o pequeno poema reflexivo que transcrevo, como prova de sua face oculta: Por que só escrevo essa monotonia/ tão incapaz de produzir inventos/ que cada verso quase denuncia/ meu nome e seu lugar de nascimento?

Diante da genialidade das peças de Shakespeare - fantásticas, mesmo com o passar do tempo - sinceramente essas teorias não me importam. Importa-me sim que um ou alguns foram capazes de criar uma obra tão rica. Que os estudiosos e críticos de todas as partes do mundo se ocupem de analisar as diversas grafias de seu nome ou o vocabulário imenso de cerca de vinte e nove mil palavras, enquanto me ocupo em desfrutar cada uma delas. Talvez jamais cheguem a uma conclusão, por absoluta falta de provas concretas.

Fico só com uma pergunta: Porque os verdadeiros herdeiros de sua obra não reclamaram seus direitos, já que mesmo à época já representava um empreendimento rentável? Eis a questão.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 14/07/2013

Haikai VI


Imagem: Foto de acervo pessoal


Se calo em mim todas as vozes,
ensurdeço os fios
que me tecem as filigranas do mundo.


14/07/2013


sábado, 13 de julho de 2013

Espelhos nossos de cada dia

Imagem: Óleo sobre tela - Leonid Afremov

Dizem que os espelhos nos chegaram através dos reflexos vistos na superfície da água, assim como a vaidade e o egocentrismo que encantaram Narciso. Seguimos pelos tempos admirando nossas imagens em metais planos e polidos até chegarmos à gênese: o homem criado à imagem e semelhança do Perfeito; por mim, mera presunção da criatura que busca em si a perfeição, como fosse a miragem de um oásis que buscamos sedentos sem jamais alcançar.

O mito de Narciso tem sido fonte de inspiração nas artes e na literatura há pelo menos dois mil anos, a começar pelo poeta romano Ovídio. Muitos foram os que se banharam nessa fonte, como John Keats, Stendhal, Dostoevsky e Oscar Wilde, além de grandes nomes da pintura, entre eles Caravaggio, Poussin, Turner e Salvador Dalí. Até hoje, uma das tantas interpretações do mito é contada à nossas crianças através dos irmãos Grimm na história da rainha má que envenenou Branca de Neve.

Nas ciências, além da ótica, também se vêem sua influência, especialmente nas que se dedicam aos estudos do comportamento humano. De seu interesse pela mitologia, Freud teceu algumas de suas hipóteses psicanalíticas, como a do narcisismo, também presente na obra de Lacan e mais recentemente destacado na Psicologia do Self, de Heinz Khout.

Torna-se clara a reflexão quanto à importância de si mesmo e de sua imagem refletida no outro para o homem de todos os tempos e que se atém aos aspectos atualmente pejorativos ligados a conceitos mais primitivos como vaidade e egoísmo, traduzindo-se numa visão sobre a patologia desta questão.

Entretanto, ouso dizer que nem tudo que Narciso acha feio é tão feio quanto lhe parece. Tudo depende do ângulo e do foco do olhar que se lança sobre o espelho. Pode-se ver além das máscaras e véus, traços de toda a civilização humana marcados em nossas feições, como resultado que somos de tudo aquilo que fomos.


Publicada na Revista CAPITA Global News em 13/07/2013

terça-feira, 9 de julho de 2013

Exílio

Fonte da Imagem: Photobucket



Esmaecidos tons de mim
nas sombras que me fazem caminho.
Faço-me exílio
na prata que me guarda
por trás do espelho.
Busco os obscuros porões 
de pergaminhos antigos
em que nada se escreveu.
Encontro-me bússola e leme
de nau que parte sem porto.


09/07/2013
 

domingo, 7 de julho de 2013

Uma música que seja

Imagem: Euterpe tocando flauta, de Crispijn de Passe de Oude (ca. 1565-1637)


Todos que convivem comigo, ainda que superficial ou virtualmente, percebem rapidamente a importância da música em minha vida. Dias atrás, perguntaram-me a respeito. Foi fácil esclarecer que fui concebida entre um bolero e outro, além de ter sido embalada pelos clássicos, as grandes orquestras e o melhor do jazz. Depois, cresci ouvindo bossa nova e assisti ao nascimento do tropicalismo, da chamada MPB e do Clube da Esquina. Seria quase impossível ficar alheia a uma estimulação tão intensa em sua magnífica diversidade. De fato, tornei-me bem mais do que uma grande apreciadora: música é essencial! O assunto ficou por aí.

Numa daquelas coincidências bem vindas, pouco depois reencontrei Vinícius de Moraes em um dos seus mais belos momentos e que resumo nesta única frase: Uma música que seja como o ponto de reunião de muitas vozes em busca de uma harmonia nova. Um poema sobre a música trazendo-a em si, como que relacionado intrinsecamente à figura de Euterpe na mitologia grega, a musa da Música e da Poesia lírica. Sabia, intuitivamente até então, o quanto a música influencia e propicia que o processo criativo flua em mim.

A síntese que melhor me cabe nesse momento veio da maestrina Alondra de la Parra, regente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo na homenagem feita pelo centenário do Poetinha, com os cinco poemas brilhantemente musicados pelo maestro João Guilherme Ripper: Música e poesia são para mim, em muitos sentidos, o mesmo. A poesia é música por que tem um ritmo, um clímax, uma forma igual à da música. A poesia se lê, mas se fala, portanto tem sonoridade. E por outro lado, a música é uma declamação de uma ideia, como a poesia.

Como na música, são notas simples que compõem a poesia; o que as tornam belas sinfonias, são o andamento e o ritmo, além da ênfase que lhes damos nos acordes, bemóis e sustenidos.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 07/07/2013

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Colcha de Retalhos

Imagem: Bordadeiras, em Santana - Madeira

Trago em mim as longas tardes de cambraias, linhos e fios bordados e tecidos na varanda; de uma tradição de milênios, uma verdadeira colcha de retalhos pequenos e coloridos das tantas influências culturais que aqui desembarcaram. Uma entre as ricas expressões culturais, com uma característica especial: a de ser essencialmente feminina.

Há um mosaico composto ponto a ponto, na delicadeza plena de todas as linhas e tons que compõem a história das mulheres nas sociedades humanas de todos os tempos. Vou ao encontro das tantas Helenas, retratadas por Chico Buarque, tecendo longos e pacientes bordados à espera de seus heróis de Atenas, manifestando seus sentimentos de amor, saudades e solidão. De lá, viajo no espaço e no tempo para a ilha da Madeira de cinco séculos atrás, antes que o bordado se tornasse produto exportado para a Europa por sua grande beleza e qualidade e chego finalmente ao Brasil de meados do século XIX, época em que viveram minhas bisavós, das quais herdei as habilidades com as agulhas, bastidores e um ovo de cerzir meias que guardo carinhosamente.

A história do bordado acompanha, há muito e muito tempo, a trajetória das mulheres, trazendo as suas marcas em diferentes espaços, alinhavadas pelo modo feminino de ser, fazer e viver, perpassando pela submissão e exploração feminina, o cuidado dedicado à família e a criação da sustentabilidade, muito antes da palavra ou da era industrial que tornariam o conceito indispensável. Caminhando um pouco mais vimos as habilidades manuais se tornarem renda, como parte do processo de inserção da mulher no mercado de trabalho.

Hoje, quando as vejo por toda parte nas feiras de artesanato que sobrevivem pelo Brasil afora, sinto a força feminina nos caminhos de nosso gênero impressa por mãos incansáveis em seus trabalhos. Há uma parte da mulher que somos em cada pedacinho colorido, no bordado, nas rendas, crochês e tricôs. Na História, somos somente retalhos.

Publicada na Revista CAPITA Global News em 05/07/2013 http://www.capitaglobalnews.com.br/default.asp?url=emfoco