Imagem: Tela monocromática - Michael Peck
Passear pelos campos de nossas memórias é
como estarmos em um jardim com flores coloridas por nossos sentimentos,
fantasias e imaginação, respirando a brisa fresca de nossa percepção. A imagem
pode ser poética, mas é sabido há muito pelos estudiosos do comportamento
humano, que duas pessoas submetidas à mesma experiência ou situação, não
guardarão dela a mesma lembrança. Um mesmo episódio pode ser traumático para um
indivíduo, negado por outro – portanto apagado de sua memória – ou uma bela vivência
de superação para um terceiro. Cada um de nós pode interpretar o mesmo texto a
seu modo ou até mesmo ignorá-lo, já que sabemos também que muitos passam pelas
flores sem saber delas o perfume e os espinhos.
Nossas histórias ganham tons diferentes em
cada etapa da vida. Os que tiveram uma infância bem vivida guardam as
brincadeiras, o riso e a alegria de um mundo que até então era mágico. Da
adolescência e juventude muitas vezes trazemos as aventuras e ousadias
partilhadas com o grupo que se imaginava inseparável de amigos, as músicas, o
primeiro beijo, a primeira vez. E também ficam arquivados os casos de família,
que serão lembrados mais tarde, com os filhos e netos.
Como nem tudo são flores e não vivemos em
um mundo encantado, o filme de nossas vidas tem cenas tristes, conta das perdas
e desilusões também. Assim como nos filmes, somos editores e diretores de
efeitos especiais, selecionando as imagens que ficarão gravadas e que depois,
em outro momento, serão editadas novamente.
A novidade, dizem os cientistas da
Northwestern University, é que o nosso baú de tesouros fica guardado no
hipocampo, pequenas e protegidas áreas de nosso cérebro. Quando chegamos ao
epílogo de uma longa história, começamos a misturar os personagens, seus
papéis, época e trama. Parafraseando Guimarães Rosa, o correr da vida embrulha
tudo, aperta daqui e afrouxa de lá, desinquieta por muito tempo e depois
sossega.
Publicada no Jornal “O Pioneiro” em
23/03/2014