As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 23 de março de 2014

Efeitos especiais

Imagem: Tela monocromática - Michael Peck



Passear pelos campos de nossas memórias é como estarmos em um jardim com flores coloridas por nossos sentimentos, fantasias e imaginação, respirando a brisa fresca de nossa percepção. A imagem pode ser poética, mas é sabido há muito pelos estudiosos do comportamento humano, que duas pessoas submetidas à mesma experiência ou situação, não guardarão dela a mesma lembrança. Um mesmo episódio pode ser traumático para um indivíduo, negado por outro – portanto apagado de sua memória – ou uma bela vivência de superação para um terceiro. Cada um de nós pode interpretar o mesmo texto a seu modo ou até mesmo ignorá-lo, já que sabemos também que muitos passam pelas flores sem saber delas o perfume e os espinhos.

Nossas histórias ganham tons diferentes em cada etapa da vida. Os que tiveram uma infância bem vivida guardam as brincadeiras, o riso e a alegria de um mundo que até então era mágico. Da adolescência e juventude muitas vezes trazemos as aventuras e ousadias partilhadas com o grupo que se imaginava inseparável de amigos, as músicas, o primeiro beijo, a primeira vez. E também ficam arquivados os casos de família, que serão lembrados mais tarde, com os filhos e netos.

Como nem tudo são flores e não vivemos em um mundo encantado, o filme de nossas vidas tem cenas tristes, conta das perdas e desilusões também. Assim como nos filmes, somos editores e diretores de efeitos especiais, selecionando as imagens que ficarão gravadas e que depois, em outro momento, serão editadas novamente.

A novidade, dizem os cientistas da Northwestern University, é que o nosso baú de tesouros fica guardado no hipocampo, pequenas e protegidas áreas de nosso cérebro. Quando chegamos ao epílogo de uma longa história, começamos a misturar os personagens, seus papéis, época e trama. Parafraseando Guimarães Rosa, o correr da vida embrulha tudo, aperta daqui e afrouxa de lá, desinquieta por muito tempo e depois sossega.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 23/03/2014

domingo, 16 de março de 2014

Por falar em redes

Imagem: Google/divulgação


Passeava em minha rede social favorita entre as tantas letrinhas tagarelas dos contatos que mantenho por lá, como fazemos todos nós – cidadãos incluídos –, até encontrar um desabafo ambientalista de gente da minha geração, lembrando que despreocupados do tema, devolvíamos as embalagens de vidro do leite, dos refrigerantes e da cerveja, que depois de higienizadas eram reaproveitadas pelos fabricantes por diversas vezes; que havia apenas uma televisão em casa e somente um ponto de energia em cada cômodo e que não havia tantos eletrodomésticos a nos deixar com os braços preguiçosos e os músculos flácidos. Eram muitos outros exemplos citados no bem escrito texto, lembrando hábitos de vida recentes que hoje nos parecem longínquos. Foi só desviar o olhar para outra postagem e encontrar uma acalorada conversa sobre uma citação atribuída simplesmente a Alexandre Magno, que por falta de registros fidedignos passa por lendária.

Daí é fácil pensar que depois do advento da Internet e de todos os seus produtos estamos produzindo muito conteúdo, por vezes de excelente qualidade. Pode-se dizer que a palavra está hoje na ponta dos dedos e que a grande maioria escreve e lê muito mais, o que me parece um excelente efeito colateral, considerando também que tudo que escrevemos fica registrado e é público, o que de certa forma desmistifica o desejo, antes tão etéreo, de tantos que se pretendem lidos.

Cabe analisar somente o tipo de conteúdo produzimos, se apenas uma forma de comunicação, se produzimos informação ou em que medida podemos ver aí uma nova forma de expressão literária. Hoje, mais do que nunca, cabe o dito: de poeta e louco todo mundo tem um pouco.


Sem maiores definições sobre literatura, sintetizo minha opinião com versos de Bukowski: “se não sai de ti a explodir... / a menos que saia sem perguntar do teu/ coração, da tua cabeça, da tua boca/ das tuas entranhas,... / não o faças”.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 16/03/2014

domingo, 9 de março de 2014

Sonho e fantasia

Imagem: Tubiacanga - Google/divulgação


“Acabou nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém passa mais/ Brincando feliz/ E nos corações/ Saudades e cinzas/ Foi o que restou”, já dizia nosso poetinha em 1964, repetido pelo séquito de saudosistas – sem poesia – lamentando o fim do Carnaval, como manifestação cultural e genuinamente popular.

Não me faço surda às lembranças de serpentina e confete - “pedacinho colorido de saudade”-, dos arlequins, pierrôs apaixonados por suas colombinas e dos “mais de mil palhaços no salão”. Mas passou o tempo, mudaram os ares e a festa de Momo. Restaram os desfiles das escolas de samba para inglês (e o resto do mundo) ver, chamariz turístico high tech, promovendo celebridades instantâneas e corpos esculpidos instantaneamente. Um belo espetáculo sem dúvida, que lança no ar o perfume estilizado do que foram outros tantos carnavais.

Em meio às cinzas, duas centelhas reacendem a esperança de ver nascer um novo carnaval do e para o povo, nossa gente simples, comuns e incomuns.

A primeira delas, no Engenho de Dentro – RJ, é o bloco “Loucuras suburbanas”, criado com o objetivo terapêutico de reinserir pacientes psiquiátricos egressos do modelo institucionalizado arcaico em seu meio sociocultural, emprestando-lhes identidades novas através dos personagens da folia, com fantasias confeccionadas pela própria comunidade que os acolhe e com eles se integra na brincadeira sadia.

A outra, faísca em Tubiacanga, bairro quase clandestino e nômade da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, na Ilha do Governador, um pouco depois do apocalipse e antes do fim do mundo. Sem nem saber sobre a origem de seu nome, provavelmente esquecida em algum canto de nosso passado indígena, a Unidos de Tubiacanga, pequeno bloco de enredo - com um único e enferrujado carro alegórico – sonha grande. O presidente vaidoso proclama o desejo de sua gente de, quem sabe este ano, sair da quinta divisão do carnaval carioca subindo um degrau rumo à Sapucaí.


“Canta o meu coração”...

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 09/03/2014

segunda-feira, 3 de março de 2014

Muito obrigada!

Imagem: Google/divulgação


Sempre me interessei pela etimologia das palavras e dos termos que usamos na linguagem oral ou escrita. É sempre um prato cheio para quem gosta de contar histórias, muitas vezes divertidas. Sobre a origem de forró, muitos sabem a versão de que veio de “for all”, as festas populares promovidas pelos americanos que viviam na base aérea de Natal, durante a segunda Guerra Mundial. Mas há um lapso de tempo um tanto obscuro nesta explicação, já que o termo foi parar no dicionário pela primeira vez, bem antes, em 1899. Daí, vieram outros dizendo que forró vem de forrobodó, termo mais controverso ainda, que tanto se considera vindo do banto, quanto do francês “faux-bourdon”. De fato, a palavra dá nome a uma opereta de Chiquinha Gonzaga que estreou em 1911 no Rio de Janeiro.

Mas não era bem este o termo que queria comentar. Há alguns dias, agradecendo a um amigo por uma gentileza, respondeu-me de forma divertida – como é de seu feitio – que ele não se sentia obrigado a nada e nem eu, tampouco, deveria. Acabamos, entre risos, cogitando sobre a preguiça do brasileiro em dizer “sinto-me obrigado a retribuir-lhe o favor”, do que restou, no máximo, o “muito obrigado”. Com a mesma displicência, respondemos “de nada”, quando deveríamos dizer “você não fica obrigado de nada”. A propósito, não gosto nem um pouco de usar tantas aspas, mas me restaria escrever os termos destacados em itálico, o que também me parece um tanto antipático.

Da conversa, a lembrança das cidades do interior de Minas em nossas infâncias, quando era costume entre vizinhas, oferecerem parte do bolo ou dos pães de queijo que se acabara de assar no meio da tarde e que eram degustados com um café fresquinho, restando a obrigação de depois devolver o prato de louça pintada com outra delícia da culinária mineira, coberto com o fino linho bordado a mão. Gentilezas!


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 02/032014