Imagem: Foto de acervo pessoal
Um fim de tarde e um quadro
anônimo na parede bicentenária, trazem-me a expressiva lembrança de um certo
quarto, numa casa amarela em Arles que Van Gogh algumas vezes pintou e com ela,
além da música de Don McLean, uma ponte abstrata para a
vanguarda em pleno barroco mineiro.
É assim o sentir Ouro Preto. Como bem disse Drummond, Ouro Preto fala com a gente de um modo novo, diferente. Há uma magia, um
encantamento, que se bebe no chafariz e escorre pelas pedras e ladeiras,
fazendo doces as águas do rio que corre dali para baixo.
São muitos os
vieses e olhares que se cruzam e cruzaram pelos ares que respiram tradição,
tradição inclusive de subverter a ordem estabelecida, entre inconfidências e a coroação
consentida de um Rei negro, em pleno período colonial português. E nos ciclos
naturais que fazem história, até Bandeira clamando pela salvação de Ouro Preto,
foi repaginado, quando as chuvas derramaram um morro sobre a cidade no ano
passado.
Também são parte de
suas memórias, os intelectuais, músicos e artistas, que a partir dos anos 20,
sob a influência dos primeiros modernistas, chegaram numa caravana paulista em
meio à legião de peregrinos que a visitavam. Lá, Vinicius compôs com João Bosco
e Guignard pintou guirlandas de flores em portas e guarda-louças, nas casas com
telhados de Carlos Scliar.
A tão rica vila
acolhe com um abraço calidamente iluminado casais de apaixonados, sejam eles anônimos
ou eméritos como Sartre e Beauvoir ou Zélia e seu Amado e permite o desvendar dos
segredos envoltos nos véus de suas brumas, inspirando a poesia de Bishop e o
Romanceiro de Cecília.
Ouro Preto é
patrimônio, um tesouro muito mais valioso do que o ouro de todas as suas minas,
é um caldeirão de cultura em plena efervescência. De certo, disse o poeta
mineiro: Ouro Preto bole com a gente. É
um bulir novo, diferente.
Em "O Pioneiro" 30/09/2012