As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 30 de setembro de 2012

Uma vila muito rica


Imagem: Foto de acervo pessoal

                Um fim de tarde e um quadro anônimo na parede bicentenária, trazem-me a expressiva lembrança de um certo quarto, numa casa amarela em Arles que Van Gogh algumas vezes pintou e com ela, além da música de Don McLean, uma ponte abstrata para a vanguarda em pleno barroco mineiro.
É assim o sentir Ouro Preto. Como bem disse Drummond, Ouro Preto fala com a gente de um modo novo, diferente. Há uma magia, um encantamento, que se bebe no chafariz e escorre pelas pedras e ladeiras, fazendo doces as águas do rio que corre dali para baixo.
                São muitos os vieses e olhares que se cruzam e cruzaram pelos ares que respiram tradição, tradição inclusive de subverter a ordem estabelecida, entre inconfidências e a coroação consentida de um Rei negro, em pleno período colonial português. E nos ciclos naturais que fazem história, até Bandeira clamando pela salvação de Ouro Preto, foi repaginado, quando as chuvas derramaram um morro sobre a cidade no ano passado.
                Também são parte de suas memórias, os intelectuais, músicos e artistas, que a partir dos anos 20, sob a influência dos primeiros modernistas, chegaram numa caravana paulista em meio à legião de peregrinos que a visitavam. Lá, Vinicius compôs com João Bosco e Guignard pintou guirlandas de flores em portas e guarda-louças, nas casas com telhados de Carlos Scliar.
                A tão rica vila acolhe com um abraço calidamente iluminado casais de apaixonados, sejam eles anônimos ou eméritos como Sartre e Beauvoir ou Zélia e seu Amado e permite o desvendar dos segredos envoltos nos véus de suas brumas, inspirando a poesia de Bishop e o Romanceiro de Cecília.
                Ouro Preto é patrimônio, um tesouro muito mais valioso do que o ouro de todas as suas minas, é um caldeirão de cultura em plena efervescência. De certo, disse o poeta mineiro: Ouro Preto bole com a gente. É um bulir novo, diferente.

Em "O Pioneiro" 30/09/2012

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Branco

Imagem: Foto de acervo pessoal



Chuva que lavou telhados,
regou amores e humores,
faz o dia branco,
qual puro linho
perfumado de primavera.

26/09/2012





segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Vida de pescador


Ilustração: Pescador – Tarsila do Amaral


Em meu pequeno mundo de fantasias, meu pai, além do herói de todos os dias, nas horas vagas era como um personagem de filme; um misto de Tarzan e Daniel Boone. Era comum passar vários dias no rancho, nos barrancos do São Francisco e voltar com poucos peixes e muita história para contar.
Havia um longo cerimonial que antecedia as viagens, tempo em que eu me via entre anzóis e chumbadas, molinetes e tarrafas. Natural que eu levasse na bagagem para os dias adolescentes, um pouco desse espírito aventureiro e de lá trouxesse umas poucas histórias para contar.
O ambiente era perfeito: a praia de Itaoca (ES) em fins dos anos 70 era uma típica colônia de pescadores, com seus costumes, solícitos e hospitaleiros como toda a boa gente brasileira.
Manhã de azuis de Van Gogh e perfume de Jorge Amado na brisa mansa à beira-mar; um chapéu e um punhado de iscas, horas esquecidas ao som cadenciado das ondas na arrebentação. Calmaria interrompida pelo ranger da vara de pescar envergando e pelo som que ouvia vibrando em minhas mãos. O que era? Não fazia ideia!
Teria que trazer aquilo, fosse o que fosse, antes que a linha arrebentasse. E foi uma briga feia, viu? Um garoto bonito, do alto dos seus dez anos de sol e mar, disse ser um animal, com um nome que me soou meio tupi, meio guarani. Inacreditável e de classificação taxonômica tão misteriosa quanto o monstro de Ness! A cabeça de tartaruga, que não solta o anzol de jeito nenhum, corpo de cobra, arrematado por um ferrão como o das arraias, que diziam venenoso.
Assim que finalmente tirei aquele ser da água, enrolado linha acima, alguém cortou fora a cabeça e enquanto o corpo se enterrava na areia de ré, corri para casa, pensando que o melhor seria ter ido a Piúma, colher inofensivas ostras na Ilha do Meio.

* Dia do Nascimento do Homem que me ensinou a pescar.

Em "O Pioneiro" 23/09/2012


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Florada

Imagem: Foto de acervo pessoal


Sorrisos azuis repousam nos tapetes de flores sob os ipês.

Templo dourado da natureza,

Que empresta sombra e cor

Aos beijos apaixonados.

16/09/2012

Uma doce história


Conversa de lavadeiras, aquarela - José Franz S. Lutzenberger


Repousa a nascente de águas cristalinas na Fazenda de Morro Queimado e da serra escorre em seu rumo, alheia a tantas histórias que ladearam ou navegaram em seu leito, hoje contadas e cantadas até pelas tagarelas lavadeiras em suas margens.
                Assim é a história do Rio Doce, que começou subindo contra a correnteza, rio adentro. Por ordem da Coroa Portuguesa, expedições e aventureiros arriscaram-se nos domínios dos botocudos, ameaçadores descendentes dos tapuias, segundo Aurélio. Uma ameaça somente vencida pela gentileza e simpatia no trato, como consta nos anais e que me remete a outro Buarque de Hollanda, o Sérgio e sua teoria do Homem Cordial, que tão bem descreve as gentes que habitam essas bandas.
                A busca era por pedras preciosas e ouro, concretizada uns duzentos anos depois do surgimento do povoado, que pelo triunfo dos colonizadores sobre os silvícolas, passou a se chamar Vitória, nome que preserva até hoje. O fato é que a capitania do Espírito Santo, como ponto de partida e defesa contra possíveis invasões, propiciou o surgimento das ricas vilas mineiras e o ciclo do ouro, de onde se derramaria a Inconfidência mineira.
                E seguiu seu curso o Nilo Brasililense, fazendo brilhar a luz no farol em Regência, abrindo os caminhos do ferro de Minas para o mundo e levando o vaporzinho Juparanã para longos passeios.
                Por certo acompanhou os passos de Chico Rei, quando ainda Galanga e guardou as memórias de tantos nordestinos que cruzaram seus caminhos. Foi, tempo afora, misturando cores, origens e culturas, enriquecendo suas águas e forjando sua identidade única, como conhecemos hoje.
                Por mim, está explicada e sacramentada, a proximidade mais do que geográfica dos dois estados, integrados pelo rio das águas doces que entrelaçou suas histórias, fazendo o mineiro sentir-se meio dono das praias capixabas e até aquela conversa, que ouvi de soslaio, dos mineiros, que cansados dos belos horizontes, aportaram de vez em Vitória.

Publicado em "O Pioneiro" em 16/09/2012



terça-feira, 11 de setembro de 2012

Sobre duas rodas

Foto de Henri Cartier-Bresson – France 1932

Antes que fosse de alumínio ou se chamasse magrela ou bike, era ele o menino que trocava a bola pelas rodas de aros finos, que por pura magia, davam asas à sua imaginação. Dizia a Mãe, que quando da chegada do irmão mais novo, perguntado se queria ganhar um irmãozinho ou uma bicicleta, o pequenino, sem ponto ou vírgula, escolheu sem pestanejar. Do parto complicado na madrugada, seu Pai, ajudando a abrir as portas da loja, saiu de lá com ele, orgulhoso, exibindo seu prêmio de rodas, ainda amparado por mais duas, que equilibravam as desajeitadas pedaladas.
                Cresceram juntos e logo era ela que o levava à escola, feliz da vida! Nas tardes de invernada, eram horas esquecidas no cantinho do puxado no quintal, alimentando suas engrenagens, com a graxa que sempre visitava a ponta do nariz, para depois da chuva estiada, sair espalhando poças de água fria.             
                Nos longos passeios adolescentes, via o menino-homem fazer no movimento cadenciado dos martelos que trazem o ouro negro das entranhas da terra, seus moinhos quixotescos de sonhos e desejos, que o acompanhariam, como ela, anos afora.
                Veio o primeiro Amor e lá ia ela, vaidosa, enfeitada pelas flores que colhiam pelo caminho para a casa da namorada. Conheceu a algazarra e as gargalhadas dos amigos de juventude, a faculdade e as horas de lazer e descanso dos estudos. Testemunha ocular do primeiro dia de trabalho no jornal, ouvia na volta para casa as notícias diárias.  
                Mudou-se para a casa nova depois do casamento e foram menos horas com ela, dedicadas à jovem senhora. A alegria veio renovada com as crianças e a companhia dos pequenos triciclos, como fossem seus filhotes.
                Tempo que passa ligeiro, como as estradas sob suas rodas. Hoje, ainda companheira, aquece, com os primeiros raios de sol, as memórias bem vividas do homem maduro, no fim de semana passeando pela praça.

Jornal "O Pioneiro" 09/09/2012


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

No fim do arco-íris tem um pote...



Ilustração: Garimpeiros – Cândido Portinari







Azuis, do nascer do dia ao profundo breu; verdes, em tons crescentes; amarelos, rosas ou vermelhos em nuances tantas quantas há na paleta do artista ou nos jardins de Monet, surgem dos túneis estreitos, abertos a pás, picaretas e suor abundantes, as preciosas turmalinas, nome originário da cingalesa turmali, pedras coloridas vindas do Sri Lanka e lá chamadas de “toramalli”. Uma antiga lenda egípcia atribui a sua imensa variedade de cores à longa viagem desde o centro da terra, passando por muitos arco-íris.
                Essas preciosidades, que brotam pelo Brasil, no Rio de Janeiro, Bahia, Goiás, Rio Grande do Norte, Paraíba e em nosso Espírito Santo, além das Minas que são Gerais, eram tão pouco valorizadas aqui, que por muito tempo foram usadas para limpar cachimbos. Recentemente, sua beleza foi descoberta pelos chineses, causando uma verdadeira revolução no mercado dessas gemas, hoje vendidas aos montões a um preço exorbitante, aos insuspeitos compradores orientais espalhados por toda parte nas pequenas cidades, mal vestidos e de chinelos, dormindo até no mato e falando pouco ou quase nada do idioma nativo. Mas não se iluda com essas figuras anônimas, pagam em dinheiro vivo lotes e mais lotes da pedra bruta.
Do outro lado do mundo, nossas turmalinas geram joalheiros e lapidários (em extinção por aqui), uma mão de obra barata e precisamente chinesa, criando jóias coloridas que fazem brilhar os olhares das vaidosas e abastadas senhoras.
                Enquanto isso, se quisermos ver os multicoloridos cristais adornarem nossas beldades, teremos que importá-los a um preço razoável de Moçambique e Nigéria ou até do Paquistão. É essa a mágica da economia globalizada, que encanta a tantos fazendo desaparecer as divisas de outros! Prefiro a lembrança dos versos que levam a “Assinatura” de Rodrigo Petrônio:
Olho no céu essa lua
Canteiro de turmalina
Despeja luz sobre tudo
Com tinta branca se assina 
No livro mudo do mundo.


Em Jornal "O Pioneiro" 02/08/2012