Conversa de lavadeiras, aquarela - José Franz S. Lutzenberger
Repousa a nascente de águas cristalinas na
Fazenda de Morro Queimado e da serra escorre em seu rumo, alheia a tantas
histórias que ladearam ou navegaram em seu leito, hoje contadas e cantadas até
pelas tagarelas lavadeiras em suas margens.
Assim
é a história do Rio Doce, que começou subindo contra a correnteza, rio adentro.
Por ordem da Coroa Portuguesa, expedições e aventureiros arriscaram-se nos
domínios dos botocudos, ameaçadores
descendentes dos tapuias, segundo Aurélio. Uma ameaça somente vencida pela
gentileza e simpatia no trato, como consta nos anais e que me remete a outro
Buarque de Hollanda, o Sérgio e sua teoria do Homem Cordial, que tão bem descreve as gentes que habitam essas
bandas.
A
busca era por pedras preciosas e ouro, concretizada uns duzentos anos depois do
surgimento do povoado, que pelo triunfo dos colonizadores sobre os silvícolas,
passou a se chamar Vitória, nome que preserva até hoje. O fato é que a
capitania do Espírito Santo, como ponto de partida e defesa contra possíveis
invasões, propiciou o surgimento das ricas vilas mineiras e o ciclo do ouro, de
onde se derramaria a Inconfidência
mineira.
E
seguiu seu curso o Nilo Brasililense,
fazendo brilhar a luz no farol em Regência, abrindo os caminhos do ferro de
Minas para o mundo e levando o vaporzinho Juparanã para longos passeios.
Por
certo acompanhou os passos de Chico Rei, quando ainda Galanga e guardou as
memórias de tantos nordestinos que cruzaram seus caminhos. Foi, tempo afora,
misturando cores, origens e culturas, enriquecendo suas águas e forjando sua
identidade única, como conhecemos hoje.
Por
mim, está explicada e sacramentada, a proximidade mais do que geográfica dos
dois estados, integrados pelo rio das águas doces que entrelaçou suas
histórias, fazendo o mineiro sentir-se meio dono das praias capixabas e até
aquela conversa, que ouvi de soslaio, dos mineiros, que cansados dos belos
horizontes, aportaram de vez em Vitória.
Publicado em "O Pioneiro" em 16/09/2012
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