As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Chuvas de Verão



Foto: José Galvão - Desmoronamento de encosta ao lado do Hospital São José/Colatina (ES)


 
Todos os anos a história se repete, as mesmas chuvas, as mesmas imagens da tragédia que se misturam às nossas lágrimas de solidariedade natalina. Todos os anos também, muitos se empenham espontaneamente em enviar doações que possam dar algum conforto aos tantos desabrigados acolhidos nos ginásios, escolas e galpões, que parecem ser sempre os mesmos, lugares e rostos desolados, num déjà vu de cenas iguais e igualmente lastimáveis. Às perdas materiais somam-se as mortes, irreparáveis perdas, que se calam no lamento mudo dos sobreviventes desesperançados.

Todos os anos, também se ouvem as incansáveis críticas aos governos - sejam de que partidos forem - a quem todos nós responsabilizamos pelas carências e desastres sociais. Os recursos prometidos para obras a serem feitas em tempo exíguo, muitas vezes escorrem com as enxurradas e ninguém mais sabe de seu paradeiro, como se evaporassem quando as chuvas cessam e os pobres coitados, sem voz e sem teto, deixam as manchetes e seguem em busca de migalhas até resgatarem a notoriedade no próximo verão.

Do que se pode prevenir ou ao menos minimizar pouco se fala, apesar de conhecidas as áreas de risco e de exaustivos estudos sobre impacto ambiental. E nós, que nos livramos de todo o sofrimento comodamente protegidos, consolamo-nos com a impossibilidade de agirmos individualmente na prevenção das catástrofes naturais.

Dizem que todos devem plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Não por acaso a máxima popular sugere esta cronologia, já que a se manter o caminho trilhado em breve não haverá livros e filhos por falta de árvores; estas que lhe dão o conforto da poltrona em frente ao noticiário da tevê e as páginas do jornal que lê. As chuvas de verão poderiam ser passageiros fenômenos da estação, se cada um plantasse sua árvore numa encosta desbastada ou à margem de um rio careca. Simples como cuidar das violetas em sua janela!


Publicada na Revista Capita News em 29/12/2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Imagine


Imagem: Google/ Divulgação




Visto do alto distante era imensamente azul, um azul profundamente pacífico. Um entre infinitos, escolhido para que a vida frutificasse. Lá, pousei como uma folha que cai suavemente no outono e senti-me acolhida, tal semente a brotar na Terra.

Visto daqui de dentro, havia verdes frondosos até onde a vista alcançasse, fontes cristalinas e frutos doces e maduros sem que sede ou fome existissem, sombras frescas acompanhando o caminhar dos rios e o ar era leve de se respirar nas encostas que não escorriam com as chuvas de verão.

Havia um colorido especial nos viventes, harmoniosos como os tons do arco-íris, iguais, igualmente repartiam o pão, a terra, o saber e as mãos na edificação dos bens comuns e comunitários. Sem maiores ou menores, o poder era diluído entre todos e as responsabilidades partilhadas e era paz o nome do espírito reinante.

Teria encontrado o paraíso ou os jardins de Epicuro? Talvez me encontrasse nos anseios primordiais da humanidade, que tantos têm sonhado e interpretado com milhares de olhares com o foco único que permeia todos os desejos, uma utopia distante, mas ainda possível, creio, com a força inspiradora dos poetas, as notas marcantes dos músicos, os tons das paletas dos pintores , as lentes dos cientistas, o suor do trabalhador anônimo, com o poder que emana dos que tem boa vontade e sem a inércia e desistência dos abatidos e desesperançados .

Enfim, amanheci em meu sonho de Natal, este que ilumina em todos nós a solidariedade e nos colore de esperanças renovadas de que haja um futuro claro e melhor para todos, sem as carências,  a violência, injustiças e desigualdades tantas. Um mundo desejado, em que todas as crianças estejam acolhidas no calor de seus lares à espera do velhinho com tantos nomes pelo mundo afora alimentando a fantasia de ser infância, nossas sementes do amanhã, que nos perpetuem na construção do porvir.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Papo cabeça

Imagem: Desenho em preto e branco – Diego Dias

 
Em uma tarde qualquer, uma amiga em sua mesa de trabalho foi surpreendida com o olhar perdido e a caneta pousada sobre um pedaço de papel. Percebendo os olhares curiosos quanto ao seu aparente e incomum alheamento, já que extremamente ativa, a jovem disse entre risos:

- Sei que preciso anotar algo muito importante que não posso me esquecer de fazer, mas não consigo me lembrar o que é.

- Pior sou eu, – respondeu a outra – escrevo lembretes e os guardo tão bem guardados, que os escondo de mim e nunca consigo achá-los.

Entrando no assunto, disse às duas que o meu salvador é o inseparável caderninho de notas, hábito de quem vem das gerações anteriores aos e-mails, celulares e toda a espécie de tecnologia que podemos utilizar como memórias auxiliares ou HD’s externos.

Desse ponto em diante passamos a conversar sobre as vantagens e desvantagens que vemos no uso excessivo desses recursos atualmente. A primeira observação veio de quem ainda não tinha entrado na história e que ponderou sobre o isolamento social que se observa em todo lugar, quando pessoas lado a lado não interagem entre si e se mantém ligadas exclusivamente às suas extensões eletrônicas.

Já aquela que esquece os próprios recados considerou que estamos ficando, especialmente os mais jovens, cada vez mais comodistas e preguiçosos, sem termos mais tanta necessidade de pensar, já que tudo que precisamos saber pode ser encontrado em segundos através de um clique. É evidente que há ressalvas quanto à qualidade das informações encontradas na rede, mas...

Fiquei eu a questionar se os idosos do futuro terão alguma lembrança ou memória já que praticamente tudo pode ser arquivado em arquivos virtuais de algum tipo. Disse quase tudo, porque para o que sentimos e vivemos, ainda não inventaram nada que resgate a intensidade dos momentos. No mais, que nos livrem os anos das artroses que nos impeçam de teclar.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 22/12/2013

sábado, 21 de dezembro de 2013

Avenida Santa Fé, 1860

Imagem: Fotografia de Paula Derenusson

 

17 horas. Lá estava eu diante do prédio imponente e perfeitamente preservado. Tinha cuidadosamente planejado para que houvesse aquele fim de tarde para conhecer El Ateneo, em Buenos Aires. De sua história sei ser uma empresa sólida, com mais de cem anos de idade, que em 2.000 alugou um prédio decadente que havia sido um teatro magnífico construído em 1.919 e depois um cinema, transformando-o em uma das maiores e mais bonitas livrarias do mundo, que conta com mais de 120.000 títulos em estoque.

A arquitetura, a abóboda pintada por Nazareno Orlandi uma alegoria representando a paz ao fim da primeira guerra, as galerias e varandas originais, a ornamentação intacta e até as cortinas de veludo me impressionaram muito, como a qualquer turista, mas não me deliciaram mais do que o passeio entre as prateleiras que durou horas, sem que visse o tempo passar.

Havia um silêncio obsequioso daqueles que costumam ouvir o que os livros dizem e os poucos sons que se podia ouvir, além da música ambiente eram murmúrios de admiração. Entre tantas a primeira sessão a chamar minha atenção foi a dos grandes mestres da música clássica, seguida pelas magníficas edições ilustradas com as obras dos maiores pintores de nossa história e depois, as inúmeras e fantásticas publicações da Tashen sobre a arte da fotografia.

Em nenhuma das sessões, muitas delas com várias estantes, estive mais tempo do que na de poesias. Admirei-me ao encontrar Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto ao lado de E.E. Cummings, sem que houvesse um Drummond ou Cecília. Lamentei serem tão poucos poetas naquela imensidão de livros, mas me vi recompensada com uma reedição de Dante Alighieri e voei na “Arte de Pájaros” de Neruda com ilustrações de Julio Escamez e Hector Herreira, em que o menor dos poemas – Cisne – foi o que mais me encantou: Sobre la nieve natatória/ uma larga pregunta negra.


Publicada na Revista Capita News em 20/12/2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Gente Humilde


               Imagem: Fotografia de Eduardo Gonçalves e Veiga              


Como mineira, nasci atrelada ao trem da História e como nossa gente, gosto de sabê-la e contar “causos”. Em um desses dias de estrela, de boa sorte no garimpo, encontrei a gravação de um show no Teatro Castro Alves, no ano de 1975 em Salvador, em que o próprio Vinícius de Moraes, acompanhado por Toquinho ao violão conta sobre a segunda versão da letra de Gente Humilde – música de Garoto – escrita em parceria com Chico Buarque. Uma delícia de ouvir!

Foi interessante saber que se tratava da segunda versão, nunca havia ouvido falar da primeira e assim saí a pesquisar sobre ela. Foi na série “O cancioneiro de Garoto”, de Jorge Mello, que encontrei o fio da meada.

Segundo registros nos próprios diários de Garoto, a inspiração de “Gente humilde” veio de suas costumeiras visitas aos subúrbios cariocas. Em um depoimento, Badeco – ex-integrante do conjunto vocal “Os Cariocas”– afirma que inicialmente era um tema instrumental até que Moacir Portes apresentou-a a uns amigos mineiros e ao voltar ao Rio de Janeiro trouxe a letra, que foi interpretada pela primeira vez em 1951, pelo coral “Os Cantores do Céu”, integrado por Belinha Silva, Zezé Gonzaga, Os Cariocas, Trigêmeos Vocalistas e o coro da Rádio Nacional, além de Lolita e Magda Marialva, do Trio Madrigal:

Em um subúrbio afastado da cidade/ Vive João e a mulher com quem casou/ Em um casebre onde a felicidade/ Bateu à porta foi entrando e lá ficou/ E à noitinha alguém que passa pela estrada/ Ouve ao longe o gemer de um violão/ Que acompanha/ A voz da Rita numa canção dolente/ É a voz da gente humilde/ Que é feliz.

Reza a lenda que sobre a autoria da letra, Moacir disse: “É um mineiro amigo meu, um bicho do mato. Não adianta que ele não quer aparecer. Ele pediu que caso você gostasse da letra, fosse colocado assim: autor desconhecido.”

Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 08/12/2013

Contraste



Imagem: Jean-Baptiste Debret – Museu Afro-Brasileiro


Ainda hoje são raros os que podem se dizer absolutamente livres da influência do preconceito racial, tão arraigado em nossa cultura que podemos vê-lo transitando em mão-dupla. Há expressões cotidianas, muitas vezes encontradas até mesmo na literatura que denotam o peso de parte de nossa história que já deveria ser página virada.  Nem mesmo depois da fotografia Kirlian, que comprovou que nossa aura de energia é multicolorida, aboliu-se o uso do termo negro de alma branca, por exemplo.

Lembrei-me de alguns versos de Cruz e Sousa tantas vezes impregnados de brancura. Nosso Cisne Negro encarnou o contraste entre sua origem negra e a educação nos moldes europeus que recebeu. Filho de escravos alforriados criou-se sob a proteção e cuidados dos antigos senhores, que o tinham como se filho fosse. Por ironia seu tutor e seu pai, chamavam-se Guilherme e foi com D. Clarinda – clara e linda – que aprendeu as primeiras letras.

Sua poesia representa bem o quanto são raros os poetas e escritores de origem negra ou mestiça reconhecidos no Brasil e denota além da musicalidade e sensualismo, uma obsessão pela cor branca, expressas pelas figuras de suas alvas musas, como objeto do desejo proibido e também de repulsa.

Àqueles que se limitam à sua obra, escapa a vida do homem que lutou contra o preconceito racial para além do contexto pessoal - já que vítima de discriminação – através da participação em jornais e publicações abolicionistas. Foi um exemplo daqueles que não se deixam abater pelas vicissitudes da vida, alcançando através da poesia a harmonia de suas cores tão límpidas como em “Cristais”:
“Mais claro e fino do que as finas pratas/ o som da tua voz deliciava…/ Na dolência velada das sonatas/ como um perfume a tudo perfumava.// Mais claro e fino do que as finas pratas/ o som da tua voz deliciava…/ Na dolência velada das sonatas/ como um perfume a tudo perfumava”.


Publicada na Revista Capita News em 09/12/2013

domingo, 1 de dezembro de 2013

Pérolas

Imagem: Google/ Divulgação    
          
                 

Diferente das legítimas que são produzidas lentamente e se transformam em jóias de rara beleza, encontramos por todo lado pérolas que são verdadeiros atentados quando não o assassinato do português.

São sempre esperadas e objeto de muitas piadas as ditas “pérolas do ENEM”. Particularmente chego a duvidar que sejam todas oriundas do Exame Nacional do Ensino Médio, uma vez que somente a equipe que as analisa e corrige tem acesso às provas e além disso, infelizmente, os deslizes que revelam o pouco conhecimento e domínio da língua portuguesa não são privilégios dos estudantes.

Bastou um passeio de cinco minutos pelas redes sociais e e-mails recebidos para colher algumas destas pérolas em nada preciosas. Em uma dessas postagens em quadradinhos coloridos lia-se assim: “Há momentos em que as palavras perdem os sentidos”. Confesso que não sabia que as palavras pudessem ser acometidas por desmaios e quem quase perdeu os sentidos fui eu ao me deparar com uma expressão desta natureza.

Logo em seguida, como pérolas em um colar: “Um homem com ego inflamado”, capaz de fazer revirarem-se em seus túmulos os grandes teóricos das ciências humanas. E depois, um “alicerce na base”, como se fosse possível construí-lo no teto e na mesma frase - usufrutuaremos - uma flexão verbal inimaginável.

Pior foi encontrar em uma matéria sobre o leilão dos aeroportos a seguinte frase: “É uma questão de acreditarmos que o cidadão vai ter algo melhor quando embargar e desembargar nestes aeroportos”. Chego a ter desejo de embargar os títulos dos doutos senhores que assinam a coluna, que se dizem graduados em Direito e Economia, com pós-graduação em Finanças e chefes de redação em jornal de grande circulação no país.

Engrosso as fileiras dos que questionam os rumos da educação no Brasil e as causas e conseqüências do analfabetismo funcional, que em minha opinião se estende à incapacidade de criar textos, para além de interpretá-los.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 01/12/2013