As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 28 de abril de 2013

Com Homens e Livros



Imagem: Representação dos complexos da Biblioteca de Alexandria (40 AC).




Abril é o mês do livro, comemorado mundialmente no dia 23, assinalando o falecimento de Cervantes, do catalão Josep Pla e William Shakespeare, apesar de certa discussão quanto à diferença de dez dias entre o calendário Juliano - utilizado na Inglaterra na época de sua morte- e o gregoriano, usado na Espanha. E nós, aqui no Brasil, ainda dedicamos o dia 18 à Literatura infantil, em homenagem a Monteiro Lobato. Certamente devo à Dona Benta e Tia Anastácia, as avós com que todos sonhamos, Narizinho e Pedrinho e à toda a magia daquele sítio e seus personagens, o prazer pela leitura e escrita. 

“Um país se faz com homens e livros.” Através dessa frase notória de Lobato, desembarco em sítios e cavernas pelo mundo, decifrando pinturas rupestres; sucumbo com Hipátia e renasço no Iluminismo. São esses os caminhos que orientam o saber humano e melhor explicam o papel da escrita para a humanidade: a necessidade de transmitir para além do seu tempo e dos que o ouvem, suas experiências, sentires e conhecimentos.      
   
Por esta mesma estrada, lamentavelmente, também se compreende a manipulação histórica do poder sobre o conhecimento. Penso no incalculável acervo soterrado em Alexandria e o quanto os grandes estudiosos e mestres àquela época sabiam de tantos ramos das ciências, como Geometria e Astronomia, criando sonhos de robôs e naves espaciais; e sobre o confortável distanciamento que mantinham de sua realidade imediata, das agruras sociais em que a grande maioria se debatia. Certamente era essa postura que os permitia inclusive, livrarem-se das garras cruéis do poder e da escravidão, alimentando a falsa imagem de uma era áurea, proporcionada pela soberania de então. Se, mesmo alçando tão altos voos, tivessem lançado o olhar para a terra em que rastejavam seus patrícios, provavelmente não recairia sobre eles a horda ensandecida e não teríamos de trilhar novamente os dois mil anos de saber, por eles antes caminhados.

Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 28/04/2013

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cenas da vida privada




Imagem: Litografia de Le Charivari – 1838



Por esses dias, chegou-me às mãos uma versão editada de um ensaio que Paulo Rónai escreveu para um ciclo de conferências no Teatro Municipal do Rio - “Balzac teatrólogo” - descoberto, obviamente inédito, nos arquivos do autor pela pesquisadora Zsuzsanna Spiry. Húngaro por nascimento e fugido da Segunda Guerra Mundial, Rónai radicou-se no Brasil, e especialmente em nosso meio literário, tornando-se amigo de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa entre outros tantos. Dedicou-se durante dez anos a prefaciar e coordenar a tradução de “Comédia Humana” de Honoré de Balzac, revisando seus oitenta e nove romances em dezessete volumes, além de debruçar-se junto com Aurélio Buarque sobre “Mar de histórias: antologia do conto mundial”, projeto que durou quarenta e quatro anos.   

Apresentado o autor, vamos ao ensaio e ao autor apresentado. Fala-nos das poucas e frustradas e poucas investidas de Balzac como dramaturgo, um fracasso tão grande que quase ninguém conhece suas peças, raramente representadas, mesmo na França. Há uma flagrante e surpreendente inferioridade das peças, se comparadas à sua monumental obra de ficção e que se deve, segundo Rónai, à visão deturpada do autor, que considerava o teatro à parte da literatura, como um empreendimento comercial muito lucrativo.

Entretanto, chamou-me bem mais a atenção, o homem por trás do literato. Aluno obscuro, abandonou a função de escrevente de cartório e enveredou em sua saga literária. Depois de “Cromwell”, seu primeiro fiasco, escreveu romances de cordel, usando pseudônimos e fracassou como editor, até que “Os chouans ou A Bretanha em 1799”, trouxe-lhe a notoriedade almejada.

Ambicioso, lançava-se em empreendimentos mirabolantes, fadados ao insucesso, buscando satisfazer sua sede de luxo. Ostentava carruagem e criado nobre em residências requintadamente mobiliadas, afundando-se cada vez mais em dívidas. Com a vida desregrada que levou, bem poderia ser, ele próprio, um entre seus três mil intricados personagens, partícipe de sua própria “Comédia Humana”.



Publicada na Revista CAPITA Global News em 25/04/2013.

domingo, 21 de abril de 2013

In versos




I
Do que foi,
papel passado,
folha de outono,
amarelecida página de jornal.

II
Em versos outros,
renasce a flor da pele,
nos humores de lençóis em desalinho,
banhados de desejos azuis.

III
Brisa,
que esparge cinzas
deixando o perfume das flores de Monet.
Vida,
que rompe os véus da noite
com azuis de Van Gogh
e cores de Frida Kahlo.

21/04/2013

Primeiros voos



Imagem: Crianças brincando – Grafite – Cândido Portinari.

Um dia eles chegam e se aninham na gente e como tudo que é vida - se não ceifarem suas raízes - , germinam, brotam e nascem. Tudo que necessitam é acolhimento, nesse tempo em que o universo é peito de mãe. Logo, ensaios de passos, danças, correrias e voos imaginários, em um mundo de castelos e reis, mocinhos e bandidos, pura fantasia. Brincam brincadeiras que brincamos e desenham caminhos que percorremos.

O perceber sua fragilidade ingênua e amorosa, desperta em nós a criança que fomos e é esta que sonha com melhores condições de vida e se responsabiliza em conduzir os pequenos, enxugando-lhes as lágrimas e curando-lhes as dores do crescimento. 

Assim, certamente descreveriam muitos pais, mães e avós, no seio de famílias estruturadas sócio, econômica e financeiramente. Mas há que se pensar nas abandonadas, sem berço; nas maltratadas; nas que são exploradas como mão-de-obra na infância: uma de nossas questões sociais sem solução adequada, em que pesem as tentativas de grupos e organizações de boa-fé e dos que atuam na área de assistência à infância e adolescência nas esferas de governo.

Então, me vem a discussão sobre a maioridade penal no Brasil. Como se possível, por lei ou decreto, um adolescente imaturo física e emocionalmente se tornar adulto da noite para o dia. Entre as várias críticas cabíveis, o caráter meramente punitivo da proposta, que desconhece os direitos e, que se aprovada, atingirá especialmente os já dolorosamente punidos por tantas carências, em sua tão curta trajetória de vida. Não se considera ainda, que a maioridade é um rito de passagem em nossa cultura, que além das responsabilidades, vem carregada de simbolismos sob o ponto de vista psicológico e social.

Quem dera todos, mesmo os inesperados, fossem amados e assistidos no espetáculo único do desenvolvimento humano e tivessem, olhos e mãos de vida inteira, que os conduzissem, antes e desde o primeiro voo, sempre.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 21/04/2013