As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 30 de dezembro de 2012

Perfil


Imagem: T.S. Eliot (Esme) e Valerie Eliot (née Fletcher), by Angus McBean

As ondas castanhas da neblina me arremessam
Retorcidas faces do fundo da rua,
E arrancam de uma passante com saias enlameadas
Um sorriso sem destino que no ar vacila
E se dissipa rente ao nível dos telhados.
É fácil se encantar com a leitura de versos da boa poesia e não são muitos os que se interessam em conhecer, por pouco que seja, o ser humano que guarda em si o Poeta, idealizando sua figura, quase tanto quanto as musas inspiradoras o são. Assim, costumam ficar surpresos com suas biografias, onde se apresentam como simples mortais, em sua humanidade.
T.S. Eliot, autor desses belos versos, laureado com o Nobel de Literatura em 1948, é um bom exemplo disso. Um americano, que chegou à Inglaterra aos 27 anos, vindo de Harvard para concluir doutorado em Filosofia. Embora discorde, já que não se pode dissociar o homem de sua obra, seu lugar ou tempo e das influências que recebeu, transcrevo uma afirmação do próprio Escritor, que bem descreve sua dualidade: Quanto mais perfeito for o artista, mais inteiramente estarão nele separados o homem que sofre da mente que cria.
Vestia-se de uma respeitabilidade impecável, colete, terno, gravata e chapéu coco, além de colecionar guarda-chuvas. Homem de pouca e entediante fala, raramente dizia o que pensava, preferindo discorrer sobre diferentes tipos de chá. É óbvio que passou a ser considerado nos meios literários como o maior chato!
Um casamento triste, alguns relacionamentos, que presumo platônicos e a dedicada Valerie. Aliás, não fosse por ela, Eliot teria mantido suas determinações de não ter seus poemas ilustrados ou musicados e nem seriam publicados seus versos inéditos e manuscritos. Jamais tomaríamos conhecimento de seus poemas adolescentes e inacreditavelmente obscenos e nem assistiríamos Cats, com música de Andrew Lloyd Webber, que rendeu mais de dois bilhões de dólares.
O homem, entretanto, não impediu que o Poeta revolucionasse o mundo com o modernismo!

* Publicada na revista CAPITA Global News em 26 12 2012

domingo, 23 de dezembro de 2012

Então é Natal...


Imagem: A Madona de Port Lligat (1949) Salvador Dali



                Quando se é criança, tudo é festa, de luzes e alegria, de um mundo mágico, incompreensivelmente encantador. Tempo que dura pouco, já que logo se descobre que o bom Velhinho não distribui igualmente e nem a todos a sua generosidade e que afinal ele não existe.
                Para muitos e infelizmente não para todos, logo vem as constatações de que alguém paga as contas dos presentes, quando pode; que como em qualquer outro dia, há muitos com fome e que assim como o aniversariante, que só teve direito a nascer no exílio, outros tantos lutam por uma sobrevivência ao menos digna e que as vicissitudes e agruras do e de ser humano não fazem trégua porque é Natal.
                Definitivamente, não quero posar de Grinch, o esverdeado personagem de Dr. Seuss e estragar a festa de ninguém e menos ainda parecer antissocial, mas concordo em parte com o escritor e jornalista mineiro Mário Prata, que com seu bom humor criticou algumas inconveniências das festas natalinas em sua crônica “Jingle Bell pra vocês”.
                É mesmo complicado ter que dividir o espaço no restaurante, quando se quer um jantar tranquilo, com aquela turma barulhenta, que nem é a sua, em plena comemoração de fim de ano. E o amigo secreto então? De secreto, quase nada, já que logo todo mundo sabe quem sorteou quem e a brincadeira perde toda graça. Sem contar com as horas perdidas imaginando o que comprar, em meio àquele corre-corre louco de fim de ano. Parte da festa!
                E tem mais! A publicidade brasileira, tida como uma das melhores do mundo, nessa época perde totalmente a criatividade e se rende aos trenós na neve ao som do Ho, ho, ho do barbudo de vermelho, em pleno verão dos trópicos.
                Ah, sim, os presentes! Tudo que desejo é que os meus e os seus possam estar presentes, confraternizando em harmonia, nessa noite que merece ser feliz.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 23/12/2012

domingo, 16 de dezembro de 2012

Malandro é o curupira...


Chorinho, 1942 – Cândido Portinari

"Malandro é o curupira, que só faz gol de calcanhar". Lendo uma edição da revista Piauí, encontrei essa pérola! Coisas de um Brasil criativo, que muitas vezes negligencia sua própria cultura, consequência natural de quem negligencia sua própria gente. Apesar de não gostar tanto assim de futebol e menos ainda de malandragem, no estrito sentido da palavra, cabe uma boa análise, sob o ponto de vista cultural.
É inegável o nosso patrimônio de lendas e figuras mitológicas, que vão do Curupira às mulas-sem-cabeça, passando pelo Saci e que poderiam ser muito mais de mil e uma noites, além das tantas que Lobato contou. Lobato mesmo, esse que andam querendo censurar nas escolas, alegando ser preconceituoso. Uma outra história!
Sem tanto rigor quanto o de Suassuna, acredito que também cabem aqui o Pato Donald e sua turma, a Cinderela e Peter Pan. Só me preocupa que com essa globalização toda, nossas crianças cresçam, por displicência nossa, sem saber que havia um boto que gostava de festas juninas e moças bonitas. Êita Boto malandro!
Uma malandragem carregada de romantismo e imortalizada em verso e prosa. É difícil esquecer o Vadinho em “Dona Flor e seus dois Maridos”, de Jorge Amado; a bem-humorada "Ópera do Malandro", de Chico Buarque de Hollanda ou a peça teatral "Boca de Ouro", escrita por Nelson Rodrigues, um perfil realista do malandro. É claro, faltava Macunaíma, criação de Mario de Andrade, nosso anti-herói tupiniquim, sem caráter nenhum e senhor da nossa brasilidade.
Afinal, é sobre cultura brasileira que trato, em todas as suas manifestações artísticas, sejam plásticas, literárias, musicais e folclóricas, eruditas ou populares. O que falta é valorização, por nós mesmos, desse tesouro nacional tão aclamado em outras terras e que aqui, vem perdendo identidade e espaços para expressão.
 Se as pinturas de Hopper são estudadas no ensino fundamental americano, porque não ensinamos, em casa e na escola, sobre Portinari ou Tarsila?

* Publicada na Revista CAPITA Global News em 13∕12∕2012 e no Jornal “O Pioneiro” em 16∕12∕2012

sábado, 15 de dezembro de 2012

Morena

Imagem: Fotografia de Antonio Cosme


Chovem pétalas sobre o telhado francês
um verão de lembranças
do jambo na pele morena.

15/12/2012

domingo, 9 de dezembro de 2012

Desumanidade

Imagem: Foto de Antonio Cosme - Linhares -ES


Do fruto que brota
de teu árido e salgado suor,
apenas pressentes pelo perfume a doçura
e segues qual engrenagem humana,
na indústria das desigualdades.

09/12/2012

De nobre estirpe


Rancho na Serra do Cipó, Atlas zur Reise in Brasilien ,1826.


Ando com vontade de cachoeira, de pés descalços, café com rapadura e conversa ao pé do fogão de lenha. E enquanto busco o lugar ideal, viajo por meu interior. Era assim a fazenda com a casa centenária de janelas sem frestas, iluminada a bicos de gás, espantando os uivos lunares que ecoavam nas rochas.
Inevitáveis eram as histórias de não fazer dormir, que animavam nossas noites. Muitas passavam por personagens reais e familiares, já que toda família que se preza tem ao menos um entre os parentes, de quem se tenha casos, digamos, peculiares para contar. Tenho a sorte de ter alguns.
Vem-me a fisionomia rosada e sorridente de Noemi, uma das tias-avós maternas, jovial aos sessenta e poucos anos, quando convivemos com maior proximidade. Eram dias divertidos em sua casa colorida pelas porcelanas chinesas e inglesas que colecionava, milimetricamente dispostas por toda parte. Da mocidade contava, vaidosa, além de ter sido namoradeira, sobre o curso de enfermagem, raridade entre mulheres de sua geração, sua salvação e sustento quando sobreveio a prematura viuvez. Do marido, guardou os olhos azuis da filha e seguiu, sem contudo se negar ao namorado, negro e elegante, que aqueceu suas noites por muitos anos.
Sua alegria de viver e imaginação deliciosamente fértil não se abateram frente ao câncer de mama, combatido com os poucos recursos médicos da época. E sobreviveram! Quem a via em seu tailleur em tom pastel e sedosos cabelos brancos, jamais imaginaria suas tantas cicatrizes.
Pelas dez e meia da manhã, hora de preparar o almoço. E almoço mineiro, temperado pela prosa boa das mulheres na cozinha, partilhando tarefas e receitas, especiais e quase secretas.
Sai Noemi, apressada, voltando do quarto com a grande tesoura de costura na mão. Sem se importar com nossos olhares curiosos, corta inusitadamente a couve, bem fininha, enquanto nos conta da descendência direta do Barão de Catas Altas ou seria de Cocais?

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 09/12/2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Fio de seda

Imagem: Googlegift

Um dia, amanheci
do tanto tempo
tecendo-me em sedas,
rompendo com as dores de meu casulo,
que fortaleceram-me para alçar voo
e prosseguir...


* Trecho do livro autoral inédito Amoras, Amores e outros bichos.

07/12/2012


domingo, 2 de dezembro de 2012

Preto no Branco


O Beijo do Hotel de Ville - Robert Doisneau


Certo dia, em meados dos 1800, Baudelaire, tratando da Modernidade, escreveu: “É o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável”. Falava entre outras coisas de uma preocupação com a fotografia, que entendia poder banalizar a pintura e empanar seu brilho e importância. Natural que assim fosse naquele momento.
Mais de um século depois, podemos rever e revisitar essa preocupação, em outro viés. A banalização veio de fato, mas não atingiu as artes plásticas e sim a própria fotografia. O desvario dos cliques nipo-digitais traz em si a nostalgia dos filmes, da câmara escura, da suavidade e precisão das Leicas e até do Lambe-lambe que povoou as praças de minha infância, num banho revelador, de pura magia.
Há entretanto, os que fazem mais do que arte na fotografia, nomes como Doisneau, Cartier-Bresson e Eisenstaedt, entre tantos  famosos e os quase anônimos com nomes em letra miúda nos postais de Copacabana ou São João D’El Rei. Esses imprimem uma aura poética às imagens que capturam, retratando um fragmento de história, história do dia a dia, nas vitrines da vida, como fosse uma poesia do idêntico e não do diferente.
Não ouso tanto quanto Walter Benjamin ao comparar a fotografia à Psicanálise, mas reflito sobre o quanto dos desejos inconscientes do coletivo há no olhar único e individual que fica gravado numa fotografia artística. E sobre o quanto, muita vez inadvertidamente, nos reconhecemos e identificamos através delas.
É impossível evitar a sensação que nos inspira o Beijo do Hotel de Ville, de Doisneau ou os tantos beijos de guerra de Alfred Eisenstaedt e a autoconfiança do garoto da Rue Mouffetard na Paris de 1954, de Cartier-Bresson, de quem tomo emprestada a definição dessa expressão artística contemporânea: Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração. É um estilo de vida.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 02/12/2012 e na Revista Capita Global News em 29/12/2012


sábado, 1 de dezembro de 2012

Utopia

O Bule Vermelho - Carlos Scliar


Quero da vida o sonho vivido,
Cheiro de terra molhada,
Perfume de café torrado,
Melodia de nascente,
Um toque de flor na pele,
O suor do dia
E o aconchego da noite
A seu lado.

01/12/2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Apartamento 03

Imagem: Foto do Pouso Chico Rei - Ouro Preto


Sedento mira a quartinha
Pousada entre ângulos e quinas,
Guardando o frescor da fonte
Que no horizonte se derrama.

27/11/2012




domingo, 25 de novembro de 2012

Raízes


Wassily Kandinsky – Houses in Murnau on Obermarkt, 1908 



“Bom dia! Desculpe incomodar”... Assim, educada, a pedinte que me aborda no semáforo e mais do que isso, desperta minha consciência e o olhar que tantas vezes segue desatento, ocupado com as atribulações do dia.
Logo adiante, o prédio de estrutura metálica vermelha, contrasta com a mulher que espera para atravessar a avenida: pequena e de orelhas grandes, aparentes sob o cabelo, mais parece um duende cabisbaixo que perdeu o encantamento da mata. E o parque em meio a tantos tons de cinza, é memória verde de outros tempos. Tempos de coreto, roda gigante, bicicleta e ar mais puro. Imagens concretas da cidade que me acolheu menina, onde criei raízes, plantei família e amigos e colhi o pão.
Hoje, uma cidade grande, com todos os contrastes que são inerentes às cidades brasileiras, mas ainda uma grande cidade. O crescimento desordenado, a despreocupação quanto aos impactos ambientais, um somatório da falta de planejamento urbano, resultam agora na busca de soluções que humanizem a metrópole e tornem a sua existência e a de quem nela vive, mais palatável.
São tantos os rostos anônimos, com suas histórias ímpares, à espera de oportunidades desiguais e igualados no transporte coletivo ineficiente. Muitos são vítimas comuns do descaso e das inundações e acidentes que ocorrem na época das chuvas, apresentadas pela mídia que explora as alterações climáticas causadas pelo homem e sua economia de cifras poluentes, muitas vezes esquecendo-se dos bueiros entupidos. E passados o impacto das imagens e as chuvas, todo esse sofrimento transforma-se em números estatísticos.
Como muitos, falo de raízes, agora de uma forma diferente. É que uma árvore não se mantém frondosa se suas raízes não forem bem alimentadas e cuidadas, apesar de não serem aparentes. É, por aqui, é preciso arregaçar as mangas e cuidar do que é básico, de nossas encostas, rios e raízes antes de se sentar elegantemente a discutir o protocolo de Kyoto.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 25/11/2012

domingo, 18 de novembro de 2012

Coincidências


Wassily Kandinsky – Composition VIII - 1923



Chamo simplesmente de coincidências, o que muitos classificam através de inferências e interpretações até esotéricas e assim vão muito além, ao mundo das fantasiosas e elucubrativas associações humanas.
Aconteceu assim com Kandinsky, artista que desde cedo me impressionou - de forma, eu diria, empírica - em especial em sua fase musical, com suas composições e improvisações. Do sentir suas cores e formas, nasceu o interesse em conhecer mais sobre o homem, seu mundo e suas influências. Já na primeira e sucinta leitura biográfica, a constatação: a coincidência em nossas datas de nascimento.
Mais tarde o descobri na poesia, muito menos conhecido pelas letras do que reconhecido pelas tintas. A propósito, trago aqui os versos desse poeta intitulado “Mais tarde”:
Na profunda altura eu hei de encontrar-te./ Lá onde o liso fura./ Lá onde o afiado não corta./ Tu usas o anel na mão esquerda./ Eu uso o anel na mão direita./ Ninguém vê a corrente./ Mas estes anéis são os últimos elos da corrente.//O começo// O fim. (Tradução: Anabela Mendes).
De um poeta a outro, Rilke, que tanto aprecio, além do fato de também ter nascido em um 4 de dezembro, fala de seu entendimento sobre as artes, em uma das cartas a um jovem poeta. Nela, Rainer diz que arte é apenas um modo de viver e é possível se preparar para ela sem o saber, vivenciando-a de uma maneira ou outra. E acrescenta que em tudo que é real há maior proximidade do que é artístico do que nas falas dos profissionais, que ao simular o conhecimento, negam e atacam, na prática, a existência da arte. Tece ainda críticas aos jornalistas, críticos e até literatos, nesse aspecto e é dessa forma que explica, bem melhor do que eu, que o essencial quando se trata de arte é a percepção, o experimentar e sentir.
Não por mera coincidência, é indispensável o equilíbrio entre razão e emoção!

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 18/11/2012


sábado, 17 de novembro de 2012

Flor de laranjeira






Quero o canto do sabiá
colorindo o amanhecer
de um dia de primavera.
Perfume de laranjeira,
sem voos solitários
ou asas molhadas
de João de barro.


17/11/2012


domingo, 11 de novembro de 2012

Uma jovem senhora chamada Lisa

Mona Lisa – Leonardo da Vinci



Triste, irônico ou enigmático? A verdade é que, mais do que a identidade da jovem senhora, mona em italiano, o sorriso de Lisa se transformou em uma verdadeira charada. São inúmeras as teorias sobre ele. É certo que se tornou o retrato mais visto no mundo, pela apurada técnica de pintura utilizada por Da Vinci, mas a curiosidade humana e aquele sorriso levaram-nos além.
Da Vinci habitualmente registrava tudo: pensamentos, rabiscos, simpatias e antipatias (muitas, diga-se de passagem), fórmulas matemáticas, inventos e até sua contabilidade doméstica. Curiosamente, nada escreveu sobre essa anônima dona de casa.
A maioria dos historiadores concorda tratar-se de Lisa Gherardini, nascida em um dia abafado do verão de 1479, casando-se aos quinze anos com um influente comerciante de Florença, Francesco di Bartolomeo di Zanoli de Giocondo (daí La Gioconda), com quem teve cinco filhos, além de um enteado. Há porém quem duvide dessa identidade e afirme, como a especialista em arte Maike Vogt-Lüerssen, tratar-se de Isabel de Aragão, duquesa de Milão ou ainda que a bela pintura seja um autorretrato, Da Vinci em versão feminina.
Mas o foco aqui, caro leitor, é o sorriso de Lisa. A pobre poderia simplesmente estar entediada e cansada de posar, já que Da Vinci, comprovadamente refez a pintura várias vezes ao longo de quatro anos. E se Isabel ao invés de Lisa, o sorriso tristes e justificaria pelo alcoolismo e agressões do Duque, além de uma provável homossexualidade. Há ainda a argumentação de alguns odontólogos, que afirmam ser o sorriso contido uma forma de ocultar os dentes cariados ou tortos e até as falhas dentárias, pela inexistência de tratamento à época.
De minha parte ouso lembrar que a interpretação do gestual e das expressões fisionômicas, perpassa pelas referências e inferências de quem observa, sendo inclusive influenciado por seu estado emocional e desejos. Assim, o sorriso ou não-sorriso de Mona Lisa jamais será uma unanimidade. Decifre-o!




Pubicado no Jornal "O Pioneiro" em 11/11/2012

Pela janela

Imagem: Fotografia de acervo pessoal

Tímida é a luz
e clareia o branco
que envolve
as adormecidas montanhas
que pressinto.

11/11/2012

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Nostalgia




Cheiro de terra molhada.
Uma vontade verde
de banco de praça,
um cansaço concreto
de cimento armado.
Nostalgia de conversa fiada,
de cadeira na calçada,
de mim e meu interior.

08/11/2012

terça-feira, 6 de novembro de 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

Reminiscências

Fotografia de Eduardo Gonçalves e Veiga

O tempo fez uma curva e entre a fumaça e a bruma da manhã, redesenharam-se em minhas lembranças, histórias minhas, dentro da História. Tempo das ‘Mais belas Histórias’ e primeiras letras, que o destro gesso, fruto de peraltices, deixou que brincassem de ser ‘gauches’ e visitas às Igrejas, que pela frequência, tornaram-me tão eloquente quanto os jovens e descalços guias de então.
“Seu” Juquinha se apresentava em seu terno de elegância impecável e reverente chapéu de feltro marrom. Deliciava a todos com seus casos, pausadamente contados e entrecortados pelos goles fumegantes do café da tarde e os biscoitos de polvilho fresquinhos que nos trazia. Não fosse pela mineiridade dos sabores, seria um ritual britânico, tal a pontualidade e gentileza dos gestos e palavras.
Diferente era a alegria de uma que seria Maria, mas era Lourdes, simplesmente. Chegava com suas largas e balouçantes ancas, protegida do sol pela trouxa equilibrada sobre a cabeça. Vinha envolta no sonho ancestral das gentes daquelas vertentes com provas materiais da riqueza derramada. O menor frasco da botica guardava nas pequenas pepitas, o sustento para as tantas bocas que a esperavam em casa, seus unguentos, as roupas de chita e para as meninas, até um laço de fita.
Dos becos sombrios, surgia o homem negro, de negro vestido, que as noites sem lua abrigavam. Era quase um espectro, que com olhos trêmulos e revirados, num sorriso de cera, apresentava as aranhas e serpentes aninhadas sob o roto chapéu de abas largas e novamente desaparecia entre gargalhadas fantasmagóricas, depois de colher lágrimas apavoradas no olhar incrédulo das crianças.
Embalada pelo movimento cadenciado, pelo som monocórdio do trem sobre os trilhos, dormente, revi pessoas, hoje personagens, guardados em outros tempos, bailando entre as alegorias das festas pagãs e a constrição das cerimônias religiosas que as seguiam em quarentena, até que o apito centenário lembrou que a vida seguiu por outros caminhos, estradas reais.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 04/11/2012


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Luzes na ribalta


Imagem: Ruinas dos banhos romanos, Trier, Alemanha – Foto de Jones Antônio dos Santos
 (Jones Poa).

               
Tenho lido muitos excertos de textos e trabalhos acadêmicos do filósofo Michel Onfray, fragmentados entre publicações de jornais e revistas. Tão fragmentados quanto meu conhecimento sobre a obra desse filósofo francês, nascido de um pai, trabalhador rural e uma mãe, governanta, em meados do século passado, passado tão próximo como o de muitos de nós. O fato é que Onfray tem sido apresentado como um demolidor do pensamento humano constituído, como fosse um crítico ferrenho a historiadores, filósofos e teóricos, passando por Nietzsche, Rousseau e Freud, entre outros.
Esse é o meu incômodo! A parcialidade não ilumina suficiente e adequadamente o conhecimento. Explico: A veiculação parcial das ideias de Onfray, ou de qualquer outro, induz ao leitor mediano e alheio ao meio acadêmico a conclusões precipitadas, seja desacreditando nas contribuições do estudioso ou pior, concluindo que os caminhos trilhados pelas ciências até então, são todos equivocados.
Vale lembrar que todas as teses e teorias que foram descontruídas ao longo dos séculos, serviram como alicerce para as edificações posteriores e que a necessidade de destruição, alimenta o desejo ancestral de dominação e poder do homem sobre o homem. Não há como apagar, ainda que na história da Ciência, personagens como Einstein e Freud, debatendo através de cartas, sobre as guerras e os destinos da humanidade. Inimaginável? Mas aconteceu sim, em 1932, com a genialidade dos mestres perpassando por argumentações embasadas em contextualizações históricas, antropológicas; pelo desenvolvimento das espécies, pelas influências religiosas, do direito e dos mitos e instintos, encontrados em Eros e Tanatus.
Em todos os tempos, pensadores, dominantes e dominados, preservacionistas e pacifistas - ainda que por razões de sobrevivência individual – buscaram e buscam formas para se atingir e instaurar a ‘Paz na terra aos homens de boa vontade’ e até para os de má vontade, por que não? Há que se pensar sempre, até que se estabeleça, sejamos nós grandes ou pequenos pensadores.


(Sigmund Freud – Obras Completas Volume 18 Tradução: Paulo César de Souza - Companhia das Letras -  Porque a Guerra – Carta a Einstein -1932)

Publicada na Revista eletrônica Capita Global News em 02/11/2012


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Drummond




Não, não és saudade ou ausência,
És emoção que pulsa, razão que contesta,
És Drummond que se eterniza
Nos sentimentos de sua gente.

31/10/2012

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Quotidiano



Ilustração: Janela com dálias – Raquel Taraborelli



Amanheci. Ao longe o sino da Igreja, seguido pelo galo insistente e o coral de pássaros anônimos, canto em desalinho, que banha minha janela. Uma janela realmente lateral do quarto de dormir, com a permissão de Lô e Brant. É assim meu interior na cidade grande, uma natureza, na plenitude da primavera,que ainda persiste em meio ao concreto.
O beijo matinal, banho, o filho que sai para a escola, café adoçado com carinho e logo o trajeto para o trabalho. No caminho revejo e organizo a agenda do dia, enquanto me atraso, passando porobras, muitas obras. Capacetes coloridos em tantas formigas humanas que constroem e muitas vezes não pensam além do Panem nostrumquotidianum da nobishodie (o pão nosso de cada dia nos dai hoje). Apenasconstroem para sobreviver.
A gente se acostuma, mas não devia, sim, Marina Colasanti! Pequenos jardins coloridos, pássaros aprisionados e crianças nos parques apontam a dicotomia, a busca de harmonia em pedacinhos de natureza, que preservamos a todo custo. Pedacinhos, partes, cotas, quotidiano, sigo o dia.
Vai-se a manhã atarefada com números roubando-me a poesia, intermináveis planilhas de custo voltadas para a saúde de tantos carentes e desconhecidos, planilhas que demonstram o quanto custa, sem sequer insinuar o quanto vale.
Em meio à tarde, o telefone toca, é D. Lola, de Linhares. Na voz doce e generosa, de quem ainda não conheço o olhar, a pausa gostosa, o aconchego. Fala de seu jardim, onde nascem as flores do delicado bordado de Caicó que perfumam o linho e convida para experimentar sua tapioca. Irrecusável, em tão deliciosa companhia!
Bem, é sempre bom abstrair da rotina, pensando em porcelanas com flores de cerejeiras e inundadas pelo perfume do jasmim, com a lembrança das boas senhoras, que povoaram minha infância nas Gerais.
Ao fundo, na memória, quotidiano de Chico Buarque. Lá fora, um ruído ensurdecedor. É que as cigarras chegaram!

Publicação no Jornal "O Pioneiro" em 28/10/2012

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Mormaço



Relógio do tempo parado
sem a brisa que move os segundos.
Aqui, 
só as cigarras fazem a festa
chamando a chuva
que não vem.

24/10/2012


domingo, 21 de outubro de 2012

Segredo

Eternal Legend 2  - Anna Razumovskaya



Guardo-o em meus sonhos quando adormeço
 e é de lá que ao amanhecer
 raia meu primeiro sorriso.

21/10/2012

Patrimônio

Caran d'ache sobre vegetal - Mônica Caetano Gonçalves


Pedras que trilhei
nas ladeiras que bebi.
Inesgotáveis são as minas
que herdei.


21/10/2012



Efemérides



Uma palavra quase em desuso, de doente a moribunda e diga-se de passagem, efeméride é uma palavrinha no mínimo esquisita, de origem grega ou latina, não sei bem, etimologia não é matéria que domino.
Pode até parecer serem somente letrinhas miúdas em calendários, mas há realmente datas em que aconteceram fatos e pessoas muito interessantes, além das históricas e comemorativas que todos sabemos. Se for feriado então, ninguém esquece! Vamos, por exemplo, a um dia aparentemente sem grandes manchetes, sejam em papiros ou jornais, um 9 de outubro.
Em 1940, nasceu um John, com um Winston antes do Lennon, que como músico dispensa apresentações, mas que muito além disso, foi escritor e ativista. Mais importante do que escrever sobre ele, foi e é importante saber e sentir o que ele suscitou e como influenciou as gerações que se seguiram, mesmo que não tenham ou tivessem a real dimensão de tudo isso.
Em outro 9 de outubro, em 1967, Ernesto Rafael Guevara de la Serna, ou simplesmente Che Guevara, foi executado, um dia depois de ser capturado. Uma personalidade considerada pela revista Time entre as mais importantes do século XX. Bem mais do que a imagem que vemos estampada em camisetas, numa fotografia de Alberto Korda, uma das imagens mais reproduzidas do mundo, por sinal; Che, além de médico, jornalista e escritor e um dos ideólogos da Revolução Cubana (1953-1959), ocupou altos cargos no governo, seja como Ministro da Indústria ou diplomata, encarregado de missões internacionais. Controverso, representa para muitos a rebeldia e a luta pela justiça social; enquanto para outros foi um criminoso, responsável por assassinatos em massa.
Suavizando um pouco o rumo da prosa, é interessante notar que entre tantos ilustres, não é citado nenhum brasileiro nascido nessa data. Finalizando, cabe lembrar Jacque Brel, morto em 1978 e suas belas composições e interpretações. Comecei com Imagine e termino com Ne Me Quitte Pas!

Crônica publicada no Jornal "O Pioneiro" em 21/10/2012

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

domingo, 7 de outubro de 2012

Fê, Menina!


Ilustração: Óleo sobre tela - Age of Innocence – Joanna Zjawinska

                E lá estava ela, do alto dos seus cinco anos, admirando as tranças longas, cuidadosamente tecidas em seus cabelos dourados, no espelho do elevador. Ganhei um sorriso nos lábios ao ver aquela miniatura de mulher, expressando sua tenra feminilidade, uma sensualidade ingênua, de forma tão espontânea.
                Respondeu de forma afetiva e familiar ao meu cumprimento e começou a tagarelar sobre a viagem que faria com seus pais logo em seguida. Era uma criança extrovertida e linda, sem sombra de dúvidas. Seu nome, Fê, deduzível Fernanda!
                Pediu minha ajuda para levar aquela maleta de madeira clara, imensa para ela, até a porta do apartamento.
                - É a casinha das minhas bonecas, que vira malinha! Ganhei da Mamãe!
Aliviada, pensei: Elas ainda brincam de bonecas, ainda bem! Bem melhor do que a maquilagem precoce e as danças erotizadas que invadem o mundo infantil.
Tinha acabado de sair de um seminário de psicanálise e de imediato, a citação de Lacan martelou em minha cabeça: Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Mas como poderia Fê ter aprendido em tão pouco tempo, a ser uma mulher tão adorável?
Fui para casa, perdida em pensamentos, melhor, achada em raciocínios, analogias, hipóteses e teses. Logo um estudo de Antropologia Social de Rita Laura Segato, sobre as questões de gênero, saltou dos arquivos da memória. Lá a mais acertada afirmação da necessidade de estudos interdisciplinares para melhor avaliar o tema.
Que me perdoem os doutos colegas, mas não há como fugir, por exemplo, da carga genética que diferencia o macho da fêmea, até mesmo observando-se o comportamento diferenciado dos irracionais, assim como das influências culturais e históricas, nisso tudo. Além do mais, até em consequência dessas diferenças, a maioria dos teóricos que até então se dedicaram aos estudos sobre o ser feminino, são homens.
E a doce Fê? Sim, ela sabe, sente, pressente e como toda mulher intui, o que também não se explica!

Em "O Pioneiro", 07/10/2012

domingo, 30 de setembro de 2012

Uma vila muito rica


Imagem: Foto de acervo pessoal

                Um fim de tarde e um quadro anônimo na parede bicentenária, trazem-me a expressiva lembrança de um certo quarto, numa casa amarela em Arles que Van Gogh algumas vezes pintou e com ela, além da música de Don McLean, uma ponte abstrata para a vanguarda em pleno barroco mineiro.
É assim o sentir Ouro Preto. Como bem disse Drummond, Ouro Preto fala com a gente de um modo novo, diferente. Há uma magia, um encantamento, que se bebe no chafariz e escorre pelas pedras e ladeiras, fazendo doces as águas do rio que corre dali para baixo.
                São muitos os vieses e olhares que se cruzam e cruzaram pelos ares que respiram tradição, tradição inclusive de subverter a ordem estabelecida, entre inconfidências e a coroação consentida de um Rei negro, em pleno período colonial português. E nos ciclos naturais que fazem história, até Bandeira clamando pela salvação de Ouro Preto, foi repaginado, quando as chuvas derramaram um morro sobre a cidade no ano passado.
                Também são parte de suas memórias, os intelectuais, músicos e artistas, que a partir dos anos 20, sob a influência dos primeiros modernistas, chegaram numa caravana paulista em meio à legião de peregrinos que a visitavam. Lá, Vinicius compôs com João Bosco e Guignard pintou guirlandas de flores em portas e guarda-louças, nas casas com telhados de Carlos Scliar.
                A tão rica vila acolhe com um abraço calidamente iluminado casais de apaixonados, sejam eles anônimos ou eméritos como Sartre e Beauvoir ou Zélia e seu Amado e permite o desvendar dos segredos envoltos nos véus de suas brumas, inspirando a poesia de Bishop e o Romanceiro de Cecília.
                Ouro Preto é patrimônio, um tesouro muito mais valioso do que o ouro de todas as suas minas, é um caldeirão de cultura em plena efervescência. De certo, disse o poeta mineiro: Ouro Preto bole com a gente. É um bulir novo, diferente.

Em "O Pioneiro" 30/09/2012