As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Quotidiano



Ilustração: Janela com dálias – Raquel Taraborelli



Amanheci. Ao longe o sino da Igreja, seguido pelo galo insistente e o coral de pássaros anônimos, canto em desalinho, que banha minha janela. Uma janela realmente lateral do quarto de dormir, com a permissão de Lô e Brant. É assim meu interior na cidade grande, uma natureza, na plenitude da primavera,que ainda persiste em meio ao concreto.
O beijo matinal, banho, o filho que sai para a escola, café adoçado com carinho e logo o trajeto para o trabalho. No caminho revejo e organizo a agenda do dia, enquanto me atraso, passando porobras, muitas obras. Capacetes coloridos em tantas formigas humanas que constroem e muitas vezes não pensam além do Panem nostrumquotidianum da nobishodie (o pão nosso de cada dia nos dai hoje). Apenasconstroem para sobreviver.
A gente se acostuma, mas não devia, sim, Marina Colasanti! Pequenos jardins coloridos, pássaros aprisionados e crianças nos parques apontam a dicotomia, a busca de harmonia em pedacinhos de natureza, que preservamos a todo custo. Pedacinhos, partes, cotas, quotidiano, sigo o dia.
Vai-se a manhã atarefada com números roubando-me a poesia, intermináveis planilhas de custo voltadas para a saúde de tantos carentes e desconhecidos, planilhas que demonstram o quanto custa, sem sequer insinuar o quanto vale.
Em meio à tarde, o telefone toca, é D. Lola, de Linhares. Na voz doce e generosa, de quem ainda não conheço o olhar, a pausa gostosa, o aconchego. Fala de seu jardim, onde nascem as flores do delicado bordado de Caicó que perfumam o linho e convida para experimentar sua tapioca. Irrecusável, em tão deliciosa companhia!
Bem, é sempre bom abstrair da rotina, pensando em porcelanas com flores de cerejeiras e inundadas pelo perfume do jasmim, com a lembrança das boas senhoras, que povoaram minha infância nas Gerais.
Ao fundo, na memória, quotidiano de Chico Buarque. Lá fora, um ruído ensurdecedor. É que as cigarras chegaram!

Publicação no Jornal "O Pioneiro" em 28/10/2012

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