As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Encontro marcado




Imagem: Foto de German Lorca


Muitas vezes, pouco se precisa para escrever uma crônica. A motivação pode vir de uma imagem, uma cena cotidiana e de um sem número de estímulos, como surgiu, numa boa conversa, uma pérola dita pelo amigo de tempos que nem o tempo conta: “É, desconfio que não estamos ficando mais jovens.” Ao riso imediato seguiram-se olhares silenciosamente pensativos que me trouxeram bons argumentos para refletir depois, em duas linhas de raciocínio. Ambas partem do princípio de que estamos sim, ficando jovens por mais tempo, tanto no início quanto no fim da linha.

Na ponta de cá, vemos grande parte dos jovens de classe média e alta espichando a adolescência e adiando as responsabilidades da vida adulta e produtiva, apoiados na necessidade crescente de especialização que o mercado exige a qualquer profissional que se pretenda bem sucedido. Com isto, quase sempre o amadurecimento emocional fica aquém do que se espera, face à dependência financeira da família ou pior, cria-se um embate constante entre o desejo de independência e a impossibilidade de exercê-la.

No outro extremo, graças aos avanços científicos especialmente na área da saúde, - tanto curativa, quanto preventiva - vemos nossa expectativa de vida aumentando em qualidade e quantidade. Quem antes era considerado idoso a partir dos cinqüenta, hoje será visto em academias ou pedalando, além de administrar dinâmica e produtivamente sua carreira e vida afetiva. Na prática, trocamos os chinelos pelos tênis. De novo percebemos a influência do way of life que o capitalismo nos impõe ao ficarmos - por sorte ou oportunidades - por mais tempo no mercado de trabalho apesar de, nem sempre ser uma opção e sim por uma necessidade imposta pela desproporcionalidade entre os valores das aposentadorias e os planos de saúde. Sem contar com o fato de que muitas vezes estamos financiando a formação de nossos jovens, filhos ou netos, ponto em que os extremos da linha se enlaçam.



Publicada na Revista CAPITA News em 28/10/2013

domingo, 27 de outubro de 2013

Histórias para contar



 Imagem: Google/Divulgação


Finalmente consegui agendar novo atendimento para requerer o tão sonhado passaporte. Desta vez munida de todos os documentos possíveis e imagináveis, faltando-me somente os brasões e uma muda da árvore genealógica da família. Talvez fosse prudente levar uma pequena autobiografia, já que seria indubitavelmente original, sem as polêmicas que dividem opiniões atualmente.

A espera pelo atendimento foi longa apesar do horário marcado e não havendo o que fazer, criei uma história resumida sobre mim, que poderia ser útil para melhorar o humor da atendente, já que quase sempre são inaptas e despreparadas para lidar com pessoas, repetindo frases automáticas e decoradas com o detestável gerundismo.

Algo mais ou menos assim: Era uma vez uma menina, que por sorte e muito empenho dos que a antecederam, nasceu em berço mais confortável do que a maioria. Sonhou sonhos meninos que viveu intensamente em suas fantasias, enquanto os caminhos reais se desenhavam devagarinho a cada passo que inventava imaginando-se bailarina.

Tagarela e perguntadeira, mas mineira, logo aprendeu a buscar as respostas silenciosas dos livros e foi o saber calado que aprendeu neles, que iluminou a escrivaninha, quando lá fora era uma noite escura e triste, entrecortada por lamentos e dores, que pareciam não ter fim.

Quando finalmente anunciaram a manhã, percebeu as sementes já semeadas que exigiriam muito cuidado até que florescessem e seguiu fazendo o seu pouco, menos do que gostaria. Primeiro ouviu o choro desconsolado das crianças abandonadas e desvalidas; depois os brados adolescentes que clamavam às avessas, sedentos por seus direitos; e mais tarde as queixas aflitas dos doentes, amontoados em filas. Já não era a menina sonhadora dos primeiros tempos e anônima como abelha operária numa imensa colmeia, fez de seu trabalho aconchego e lenitivo para tantas dores.

Deixando pedrinhas coloridas por onde passou, agora pôde olhar para trás e ver-se trilhando passo a passo os caminhos que escolheu, reinventando outros tantos a percorrer.



 Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 27/10/2013

domingo, 20 de outubro de 2013

Caso de Família


Imagem: Goethe Gallerie – Wilhelm Von Haubath -1890


Sem que inicialmente me ocorresse o motivo, lembrei-me de um desses casos, repetidas vezes contados que toda família tem. Uma entre tantas histórias de meu bisavô Martim, alemão católico que escolheu o Brasil como pátria de seus filhos.

Na casa de cozinha grande e fogão de lenha, a avó, mãe e tias preparavam o almoço animadas pela conversa, sem se descuidarem do menino, com seus três anos de idade, que brincava por lá. Todas o advertiam quando se aproximava do fogão, encantado pelo brilho e cor das chamas, novidades em seu mundo de magia infantil.

Calmamente sentado à mesa, lendo seu jornal, Vô Martim chama o pequeno e leva-o até o fogão, aproximando a mãozinha arteira do fogo para que sentisse o calor e explicando que poderia se queimar.
               
Depois disso, antes de voltar à sua leitura, chama a avó:

- Jovelina, traz a pomada e que nenhuma de vocês fale mais nada com ele - sentenciou.

Naturalmente, não tardou e o pequeno Robson queimou os dedinhos nas brasas, chorando desconsolado como toda criança depois das travessuras desastradas.

- Fem cá no Fofô! - disse Martim, com seu sotaque carregado.
- Fofô não disse que faz totói? – completou enquanto socorria o pequeno com o unguento que aliviava as dores.

A lição também é para os mais protetores, nem sempre réus confessos como eu. À teimosia infantil e onipotência adolescente, ambas surdas, é a experiência dolorida que ensina. Cabe-nos, com nossas próprias cicatrizes, acalentar-lhes o choro sentido até que entendam que os erros na vida não são como rabiscos que se apagam com borracha; que são suas marcas que firmam nosso passo e orientam o caminho.

Histórias como esta se tornam encantadas em nossas memórias, quase lendas, plenas de saudades. Parafraseando Clarice Lispector, sempre oportuna: Um dia meu anjo da guarda, vestido de pai, disse-me que teria que fazer tudo por mim mesma e foi embora.


Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 20/10/2013

domingo, 13 de outubro de 2013

Álibi


Imagem: Google divulgação


Onde você estava às 21 horas e quinze minutos do dia 23 de fevereiro de 1995? Saberia responder de pronto e entre sorrisos, já que a data me remete a um daqueles momentos inesquecíveis, entre os mais felizes da vida. A pergunta entretanto, me veio zombeteira, ao sair das dependências da Polícia Federal, onde estive para requerer meu passaporte.

Lá, tive a sensação de ser suspeita de algo que não cometi, ao ser recebida pela atendente, não com um boa tarde, mas com um ríspido comando:

                - Documentos!

Muito obediente e calada, apresentei todos, que foram minuciosamente analisados, frente e verso, num silêncio que nem as moscas ousariam interromper, até que a jovem perguntou-me sobre as outras assinaturas que utilizei na vida e torceu o nariz para a minha carteira de identidade, já um tanto gasta pelo tempo e uso. No diálogo que se seguiu, chamou-me a atenção que todas as frases que ouvia como resposta eram negativas. Até que dei-me por insatisfeita, guardei a papelada que havia levado e saí, obrigada a reagendar o atendimento em outra data, trazendo tudo que comprovasse a minha existência, já que a minha presença não bastava.

Na volta, depois de aceitar resignada a perda de tempo, pensei em como as pessoas introjetam com tamanha facilidade os papéis de autoridade nas instituições que representam o poder de toda natureza sobre o cidadão e o quanto nos fazem sentir coibidos diante de seus comportamentos uniformizados, ainda que sem fardas ou patentes.    

Logo me coloquei na posição de um suspeito de fato. A depender da minha memória para datas, se precisasse de um álibi, melhor que fosse numa manhã qualquer de uma tão decantada segunda-feira. Certamente estaria entre os domingueiros de preguiça arrastada, embalados pelos apitos incompetentes que tornam o trânsito ainda mais caótico, em alguma esquina, entre o dever de ir e o desejo alado de estar em outro lugar.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 13/10/2013

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Anjos e demônios



Imagem: Anjos ou demônio 4 – Titina Corso

               
São comuns as charges e até desenhos animados em que aparecem um anjinho e um capetinha segredando nos ouvidos de um pobre coitado, além das tão populares figuras de linguagem como tico e teco, nossos neurônios em constante conflito de opiniões. Tais imagens refletem a dualidade humana, os opostos em que sempre transitam nossos pensamentos e consciência, uma espécie de diálogo íntimo e absolutamente individual. Poderíamos enumerar aos milhares as antíteses e paradoxos com que nos confrontamos todo o tempo, nem sempre conseguindo agir como mediadores nesse embate pessoal.

A nós não basta ser ou não ser, há que se responder à questão, cartesianamente duvidando, pensando, até se definirem as opções de como ser e onde se situar em relação ao universo imediato e mediato também. Nesta trilha, passamos por culpas e medos impostos de fora para dentro por conceitos éticos preestabelecidos, pelo que muitos ainda definem como moral e bons costumes e às leis, naturalmente. Nem sempre nos lembramos que quem realmente guia e estabelece nossa forma de agir e reagir no mundo, mora dentro de nós, aquele chamado de superego e que pode ser nosso maior algoz.

Então, apesar de nos sentirmos lesados, roubados e muitas vezes violentados, quase sempre nos conformamos com a nossa consciência tranquila, que nos deixa em paz com o travesseiro e nos premia com o sono dos justos. E nos iludimos que esse outro que prejudica - a um, muitos ou à maioria – será condenado a pesadelos terríveis e madrugadas insones.

É aí que nos enganamos redondamente ou cometemos um ledo engano, expressões que a propósito acho divertidíssimas.

O código de honra do outro, e muitos não o possuem, foi definido de outra forma a partir de sua história de vida, assim como o nosso. Daí, infelizmente, há muitos que dormem melhor do que nós, os bonzinhos, confortavelmente justificando seus meios, pelos fins que consideram seus por direito.



Publicada na Revista CAPITA News em 11/10/2013

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Pesos e medidas

Imagem: Google/divulgação



Toda fragrância ganha um toque especial ao contato da pele, que torna o perfume único e característico em cada pessoa. Assim, metaforicamente, desenha-se a noção de como o mesmo estímulo pode influenciar de formas absolutamente diferentes a sensibilidade individual, nestes tempos em que se procura tanto a autoajuda como panaceia, seja em livros ou em pílulas mágicas oferecidas graciosamente nas redes sociais, em quadradinhos coloridos, como papeizinhos usados para lembretes.

Se considerarmos somente o termo alemão zeitgeist, mais conhecido a partir de Hegel, como o conjunto das influências intelectuais e culturais em uma determinada época, conclui-se com facilidade que nenhum de nós permanece o mesmo ao longo da própria história; um saber sentido por todos, que apesar disso, foi e será objeto de incontáveis tratados.

Aqui, num espaço tão breve, reflito sobre as manifestações e reações afetivas, minhas e de todos com quem tive e tenho me relacionado mais ou menos intimamente ao longo da vida. Todos tão únicos e especialmente humanos!

Alguns, num primeiro momento, esbravejam e esperneiam, outros se encolhem e isolam ante as adversidades, havendo pelo meio do caminho os que buscam ajuda e colo e os que se iludem com a autossuficiência. Há os que se doam e concedem demais e os que ocupam esse espaço para além do que lhes é cabido. Muitas vezes é aí que nos encontramos naquele puxa e empurra, verdadeiro cabo de guerra sem vencedores ou vencidos, com um desgaste emocional nem sempre percebido como perda e sim como investimento.

Quando se está em uma situação conflitiva, nenhum texto de autoajuda tem a nossa medida. As relações afetivas são exclusivas de quem nelas está envolvido, cabendo sentir o quanto nos pesa esta busca de prazer, entendido para além do sexual e que pode custar muito de nós e do outro.


Há que se encontrar o próprio passo nos solos, duetos e bailados nos palcos da vida.


Publicada na Revista CAPITA News em 07/10/2013

domingo, 6 de outubro de 2013

Sem brincadeira

Imagem: Denise com carneiro branco – Cândido Portinari



Antes, criança era todo dia: pés descalços, pipa, esconde-esconde, bola de gude, bonecas de pano e lápis de cor. Até que inventaram de inventar dia para tudo, além dos santos. Na verdade, dia para tudo que as consciências precisam ser lembradas dos cuidados e atenção que lhes são devidos e ainda não encontramos o jeito de acolhê-los enquanto sociedade. Nem é preciso enumerá-los, já que faltam dias em nosso calendário para tantas faltas nossas, mas é sempre um bom exercício lembrá-los fora do dia que lhes é dedicado.

Ah sim, as crianças!

Logo que criaram um dia só, só para elas, a máquina que nos alimenta e consome, tratou de inventar uma maneira de amainar nossa culpa, até mesmo para o que a própria máquina nos obriga a deixar faltar aos pequenos. E sempre, daí em diante, antes mesmo que chegue outubro, nos abastecem com milhares de pedidos de desculpas coloridos, de todas as formas e preços, empilhados até o teto das lojas de brinquedos e de artigos infantis. São as armadilhas do mercado consumidor a nos induzir à crença de que é possível compensá-las pelo pouco tempo e disponibilidade que nos restam e por uma lista imensa de faltas, incluindo o planeta que estamos deixando como herança.

Ainda que não se possa reverter de todo a forma de se comemorar a data que nos é imposta, há muito mais a ser feito além de comprar o mais recente objeto do desejo infantil. Estimular a garotada na escola ou na vizinhança a doar brinquedos para crianças carentes ou organizar feiras de troca de brinquedos são ótimas opções. Somar um passeio ao ar livre num parque com os amiguinhos ou uma pequena viagem no fim de semana também será muito bom. E acima de tudo, dedicar a elas muito amor, atenção e respeito neste e em todos os dias, salpicados com sorvete, pipoca e algodão doce.



Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 06/10/2013