As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 4 de novembro de 2012

Reminiscências

Fotografia de Eduardo Gonçalves e Veiga

O tempo fez uma curva e entre a fumaça e a bruma da manhã, redesenharam-se em minhas lembranças, histórias minhas, dentro da História. Tempo das ‘Mais belas Histórias’ e primeiras letras, que o destro gesso, fruto de peraltices, deixou que brincassem de ser ‘gauches’ e visitas às Igrejas, que pela frequência, tornaram-me tão eloquente quanto os jovens e descalços guias de então.
“Seu” Juquinha se apresentava em seu terno de elegância impecável e reverente chapéu de feltro marrom. Deliciava a todos com seus casos, pausadamente contados e entrecortados pelos goles fumegantes do café da tarde e os biscoitos de polvilho fresquinhos que nos trazia. Não fosse pela mineiridade dos sabores, seria um ritual britânico, tal a pontualidade e gentileza dos gestos e palavras.
Diferente era a alegria de uma que seria Maria, mas era Lourdes, simplesmente. Chegava com suas largas e balouçantes ancas, protegida do sol pela trouxa equilibrada sobre a cabeça. Vinha envolta no sonho ancestral das gentes daquelas vertentes com provas materiais da riqueza derramada. O menor frasco da botica guardava nas pequenas pepitas, o sustento para as tantas bocas que a esperavam em casa, seus unguentos, as roupas de chita e para as meninas, até um laço de fita.
Dos becos sombrios, surgia o homem negro, de negro vestido, que as noites sem lua abrigavam. Era quase um espectro, que com olhos trêmulos e revirados, num sorriso de cera, apresentava as aranhas e serpentes aninhadas sob o roto chapéu de abas largas e novamente desaparecia entre gargalhadas fantasmagóricas, depois de colher lágrimas apavoradas no olhar incrédulo das crianças.
Embalada pelo movimento cadenciado, pelo som monocórdio do trem sobre os trilhos, dormente, revi pessoas, hoje personagens, guardados em outros tempos, bailando entre as alegorias das festas pagãs e a constrição das cerimônias religiosas que as seguiam em quarentena, até que o apito centenário lembrou que a vida seguiu por outros caminhos, estradas reais.

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 04/11/2012


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