Fotografia de Eduardo Gonçalves e Veiga
O tempo fez
uma curva e entre a fumaça e a bruma da manhã, redesenharam-se em minhas
lembranças, histórias minhas, dentro da História. Tempo das ‘Mais belas
Histórias’ e primeiras letras, que o destro gesso, fruto de peraltices, deixou
que brincassem de ser ‘gauches’ e visitas às Igrejas, que pela frequência,
tornaram-me tão eloquente quanto os jovens e descalços guias de então.
“Seu” Juquinha
se apresentava em seu terno de elegância impecável e reverente chapéu de feltro
marrom. Deliciava a todos com seus casos, pausadamente contados e entrecortados
pelos goles fumegantes do café da tarde e os biscoitos de polvilho fresquinhos
que nos trazia. Não fosse pela mineiridade dos sabores, seria um ritual
britânico, tal a pontualidade e gentileza dos gestos e palavras.
Diferente era
a alegria de uma que seria Maria, mas era Lourdes, simplesmente. Chegava com
suas largas e balouçantes ancas, protegida do sol pela trouxa equilibrada sobre
a cabeça. Vinha envolta no sonho ancestral das gentes daquelas vertentes com
provas materiais da riqueza derramada. O menor frasco da botica guardava nas
pequenas pepitas, o sustento para as tantas bocas que a esperavam em casa, seus
unguentos, as roupas de chita e para as meninas, até um laço de fita.
Dos becos
sombrios, surgia o homem negro, de negro vestido, que as noites sem lua
abrigavam. Era quase um espectro, que com olhos trêmulos e revirados, num
sorriso de cera, apresentava as aranhas e serpentes aninhadas sob o roto chapéu
de abas largas e novamente desaparecia entre gargalhadas fantasmagóricas,
depois de colher lágrimas apavoradas no olhar incrédulo das crianças.
Embalada pelo
movimento cadenciado, pelo som monocórdio do trem sobre os trilhos, dormente,
revi pessoas, hoje personagens, guardados em outros tempos, bailando entre as
alegorias das festas pagãs e a constrição das cerimônias religiosas que as
seguiam em quarentena, até que o apito centenário lembrou que a vida seguiu por
outros caminhos, estradas reais.
Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 04/11/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário