Wassily
Kandinsky – Houses in Murnau on Obermarkt, 1908
“Bom dia! Desculpe incomodar”... Assim, educada, a pedinte que me aborda
no semáforo e mais do que isso, desperta minha consciência e o olhar que tantas
vezes segue desatento, ocupado com as atribulações do dia.
Logo adiante, o prédio de estrutura metálica vermelha, contrasta com a
mulher que espera para atravessar a avenida: pequena e de orelhas grandes,
aparentes sob o cabelo, mais parece um duende cabisbaixo que perdeu o
encantamento da mata. E o parque em meio a tantos tons de cinza, é memória
verde de outros tempos. Tempos de coreto, roda gigante, bicicleta e ar mais
puro. Imagens concretas da cidade que me acolheu menina, onde criei raízes,
plantei família e amigos e colhi o pão.
Hoje, uma cidade grande, com todos os contrastes que são inerentes às
cidades brasileiras, mas ainda uma grande cidade. O crescimento desordenado, a
despreocupação quanto aos impactos ambientais, um somatório da falta de
planejamento urbano, resultam agora na busca de soluções que humanizem a
metrópole e tornem a sua existência e a de quem nela vive, mais palatável.
São tantos os rostos anônimos, com suas histórias ímpares, à espera de
oportunidades desiguais e igualados no transporte coletivo ineficiente. Muitos
são vítimas comuns do descaso e das inundações e acidentes que ocorrem na época
das chuvas, apresentadas pela mídia que explora as alterações climáticas
causadas pelo homem e sua economia de cifras poluentes, muitas vezes
esquecendo-se dos bueiros entupidos. E passados o impacto das imagens e as
chuvas, todo esse sofrimento transforma-se em números estatísticos.
Como muitos, falo de raízes, agora de uma forma diferente. É que uma
árvore não se mantém frondosa se suas raízes não forem bem alimentadas e cuidadas,
apesar de não serem aparentes. É, por aqui, é preciso arregaçar as mangas e
cuidar do que é básico, de nossas encostas, rios e raízes antes de se sentar
elegantemente a discutir o protocolo de Kyoto.
Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 25/11/2012
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