As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

domingo, 9 de dezembro de 2012

De nobre estirpe


Rancho na Serra do Cipó, Atlas zur Reise in Brasilien ,1826.


Ando com vontade de cachoeira, de pés descalços, café com rapadura e conversa ao pé do fogão de lenha. E enquanto busco o lugar ideal, viajo por meu interior. Era assim a fazenda com a casa centenária de janelas sem frestas, iluminada a bicos de gás, espantando os uivos lunares que ecoavam nas rochas.
Inevitáveis eram as histórias de não fazer dormir, que animavam nossas noites. Muitas passavam por personagens reais e familiares, já que toda família que se preza tem ao menos um entre os parentes, de quem se tenha casos, digamos, peculiares para contar. Tenho a sorte de ter alguns.
Vem-me a fisionomia rosada e sorridente de Noemi, uma das tias-avós maternas, jovial aos sessenta e poucos anos, quando convivemos com maior proximidade. Eram dias divertidos em sua casa colorida pelas porcelanas chinesas e inglesas que colecionava, milimetricamente dispostas por toda parte. Da mocidade contava, vaidosa, além de ter sido namoradeira, sobre o curso de enfermagem, raridade entre mulheres de sua geração, sua salvação e sustento quando sobreveio a prematura viuvez. Do marido, guardou os olhos azuis da filha e seguiu, sem contudo se negar ao namorado, negro e elegante, que aqueceu suas noites por muitos anos.
Sua alegria de viver e imaginação deliciosamente fértil não se abateram frente ao câncer de mama, combatido com os poucos recursos médicos da época. E sobreviveram! Quem a via em seu tailleur em tom pastel e sedosos cabelos brancos, jamais imaginaria suas tantas cicatrizes.
Pelas dez e meia da manhã, hora de preparar o almoço. E almoço mineiro, temperado pela prosa boa das mulheres na cozinha, partilhando tarefas e receitas, especiais e quase secretas.
Sai Noemi, apressada, voltando do quarto com a grande tesoura de costura na mão. Sem se importar com nossos olhares curiosos, corta inusitadamente a couve, bem fininha, enquanto nos conta da descendência direta do Barão de Catas Altas ou seria de Cocais?

Publicada no Jornal "O Pioneiro" em 09/12/2012

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