Ilustração: Pescador – Tarsila do
Amaral
Em meu pequeno mundo de
fantasias, meu pai, além do herói de todos os dias, nas horas vagas era como um
personagem de filme; um misto de Tarzan e Daniel Boone. Era comum passar vários
dias no rancho, nos barrancos do São Francisco e voltar com poucos peixes e
muita história para contar.
Havia um longo
cerimonial que antecedia as viagens, tempo em que eu me via entre anzóis e
chumbadas, molinetes e tarrafas. Natural que eu levasse na bagagem para os dias
adolescentes, um pouco desse espírito aventureiro e de lá trouxesse umas poucas
histórias para contar.
O ambiente era
perfeito: a praia de Itaoca (ES) em fins dos anos 70 era uma típica colônia de
pescadores, com seus costumes, solícitos e hospitaleiros como toda a boa gente
brasileira.
Manhã de azuis
de Van Gogh e perfume de Jorge Amado na brisa mansa à beira-mar; um chapéu e um
punhado de iscas, horas esquecidas ao som cadenciado das ondas na arrebentação.
Calmaria interrompida pelo ranger da vara de pescar envergando e pelo som que ouvia vibrando em minhas mãos. O que
era? Não fazia ideia!
Teria que
trazer aquilo, fosse o que fosse, antes
que a linha arrebentasse. E foi uma briga feia, viu? Um garoto bonito, do alto
dos seus dez anos de sol e mar, disse ser um animal, com um nome que me soou
meio tupi, meio guarani. Inacreditável e de classificação taxonômica tão
misteriosa quanto o monstro de Ness! A cabeça de tartaruga, que não solta o
anzol de jeito nenhum, corpo de cobra, arrematado por um ferrão como o das
arraias, que diziam venenoso.
Assim que
finalmente tirei aquele ser da água, enrolado linha acima, alguém cortou fora a
cabeça e enquanto o corpo se enterrava na areia de ré, corri para casa, pensando
que o melhor seria ter ido a Piúma, colher inofensivas ostras na Ilha do Meio.
* Dia do Nascimento do Homem que me ensinou a pescar.
Em "O Pioneiro" 23/09/2012
Gostei muito ! .... Parabéns , Monica !
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