Imagem: Eleanor H. Porter
A
madrugada insone levou-me à modesta estante, morada dos livros aos quais não
dei asas, em busca de um Borges que me acompanhasse até o amanhecer. A pouca
iluminação do abajur me fez tatear entre eles quase às cegas, guiada pela
lembrança de sua localização mais provável.
Acabei
surpreendida ao encontrar outro que nem sabia mais lá: um exemplar adolescente
da Pollyanna de Eleanor H. Porter. Não cabia uma releitura, mas ao abri-lo,
senti como se estivesse folheando minhas recordações meninas.
Hoje
poucos se lembram da história comovente e alegre da encantadora órfã, vivendo
na casa da tia solteirona e rica. Menos se sabe ainda que a primeira tradução
em português chegou-nos pelas mãos de Monteiro Lobato em 1934 e que se seguiram
onze Pollyannas escritas por outras autoras como Elizabeth Borton, Harriet
Lummis Smith, até a última versão na década de 90, de Colleen L. Reece.
O século XX foi realmente decisivo
para a inserção da mulher em todos os cenários, sociais, políticos e culturais.
Naturalmente o universo feminino foi descoberto como nicho de mercado, embora
não houvesse ainda totalmente disseminado, o sincronismo que a globalização e a
internet trouxeram.
Nesse sentido, há correlações
interessantes. Enquanto as americanas incendiavam meio mundo - além de
simbolicamente os sutiãs – as brasileiras suspiravam lendo fotonovelas. A
partir do modelo italiano da década de 50 e da popularização do cinema, a
revista Grande Hotel, precursora da Capricho, Sétimo Céu e outros vinte títulos
encantaram o público feminino.
A maior contribuição das
fotonovelas - assim como das Pollyannas - foi incrementar o hábito de leitura
entre as brasileiras nos mais diversos níveis sócio-culturais, especialmente
por suas edições baratas e acessíveis às de menor poder aquisitivo.
Definitivamente uma grande evolução em um Brasil de alto nível de
analfabetismo.
Amanhecia quando fechei o pequeno
livro amarelecido e o devolvi carinhosamente ao seu espaço na estante. Borges
me acompanharia em outra madrugada.
Publicada na Revista CAPITA Global
News em 08/082013
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