As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Versos em quatro estações

Imagem: Casario em Mariana – Bico de pena - Fagundes
               
Dedilhava versos de Rilke, recostada no que restava da tarde, confortável no silêncio dos pensamentos. A luz filtrada pela cortina esvoaçante convidava à dança em seus movimentos. Com o livro entre as mãos junto ao peito coloquei-me no parapeito, como namoradeira a espiar a vida lá fora.

Não havia passantes. Pelas ausências das janelas entreabertas descortinavam-se os horizontes das vidas vividas por trás delas. Somente os sons das TV’s várias em canais vários e um piano insistente ensaiando as Quatro estações de Vivaldi. Era o ar que se respirava morno na pequena cidade que se esvaía em ladeiras.

A figura solitária de um homem inseriu-se nos quadrantes mais longínquos do olhar, ainda um vulto subindo as escadas do passeio. Vinha comum como tantos, tênis, jeans e uma blusa de malha mais solta, desenjambrada no corpo, com o peso da bolsa que trazia no ombro, talvez. Parou por instantes procurando em seu interior algo que lá não se encontrava. Deu de ombros e seguiu em passos lentos até ficar ali, de pé ao largo da praça, gesticulando como se falasse a muitos, elegantemente.

E de lá, depois de colhida a flor que coloria o jardim, correu até uma janela próxima, que fechada não via seu gesto de oferecimento, nem as palavras inaudíveis que dizia arfante, poemas a amada, provavelmente. Sentia como se em seu desvario, declamasse versos que foram sonhos meus um dia.
Cerro os olhos e guardo somente sua presença que já se faz distante. Volto-me na penumbra à poltrona que me acolhe em seus braços. Com o olhar perdido dessa que sou, como a pantera de Rilke, fito as lembranças da que jamais fui, saudosa da que não mais ousarei ser.
“De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração”.

Enfim o conforto, nas estações de Vivaldi!        


Publicada na Revista capita Global News em 02/08/2013

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