Imagem: Casario em Mariana – Bico de pena - Fagundes
Dedilhava
versos de Rilke, recostada no que restava da tarde, confortável no silêncio dos
pensamentos. A luz filtrada pela cortina esvoaçante convidava à dança em seus
movimentos. Com o livro entre as mãos junto ao peito coloquei-me no parapeito,
como namoradeira a espiar a vida lá fora.
Não
havia passantes. Pelas ausências das janelas entreabertas descortinavam-se os
horizontes das vidas vividas por trás delas. Somente os sons das TV’s várias em
canais vários e um piano insistente ensaiando as Quatro estações de Vivaldi. Era
o ar que se respirava morno na pequena cidade que se esvaía em ladeiras.
A
figura solitária de um homem inseriu-se nos quadrantes mais longínquos do
olhar, ainda um vulto subindo as escadas do passeio. Vinha comum como tantos,
tênis, jeans e uma blusa de malha mais solta, desenjambrada no corpo, com o
peso da bolsa que trazia no ombro, talvez. Parou por instantes procurando em
seu interior algo que lá não se encontrava. Deu de ombros e seguiu em passos
lentos até ficar ali, de pé ao largo da praça, gesticulando como se falasse a
muitos, elegantemente.
E
de lá, depois de colhida a flor que coloria o jardim, correu até uma janela
próxima, que fechada não via seu gesto de oferecimento, nem as palavras
inaudíveis que dizia arfante, poemas a amada, provavelmente. Sentia como se em
seu desvario, declamasse versos que foram sonhos meus um dia.
Cerro
os olhos e guardo somente sua presença que já se faz distante. Volto-me na
penumbra à poltrona que me acolhe em seus braços. Com o olhar perdido dessa que
sou, como a pantera de Rilke, fito as lembranças da que jamais fui, saudosa da
que não mais ousarei ser.
“De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração”.
Enfim
o conforto, nas estações de Vivaldi!
Publicada
na Revista capita Global News em 02/08/2013
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração”.
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