As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Gênesis



Imagem: Índia do Xingu – Sebastião Salgado – 2007



Sabe-se pequena, quase implume, uma fêmea kaiowá qualquer. Sonha com grandes lobos de olhos de água cristalina refletindo o azul do céu. São eles que aguçam seu espírito, qual sopro na fogueira. Cobre-se com peles de guará e sai na noite profunda. As estrelas guiarão seus passos, seu norte. Seus olhos oblíquos e dissimulados buscam-lhes os rastros. Já é quase madrugada quando aninhada sob os braços da frondosa árvore, adormece exausta.
 
Com os primeiros raios de sol, revigorada pelas águas frescas do riacho guardado pela vegetação margeante, seguiu rumo à planície. Mesmo ao longe, seus ouvidos atentos percebiam sons que sabia não serem da floresta. Mais próxima, soube vozes de uma língua desconhecida. Sua curiosidade menina conduziu-a, até que visse o que pensou ser uma tribo. Um povo muito alvo que não se pintava, mas cobria seus corpos com adereços coloridos.

É somente uma cena criada através de fotografias de Sebastião Salgado, revisitadas a propósito de sua mais recente exposição, Gênesis, que já pode ser apreciada no Museu do Meio Ambiente. Alguns entre os 245 trabalhos estão expostos na área externa, ambientados à exuberância do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. É sem dúvida um dos grandes expoentes da fotografia contemporânea, reconhecido mundialmente. Impressiona-me o foco de suas lentes em flagrantes da vida, muitas vezes denúncias que prescindem das palavras, de realidades humanas artisticamente mostradas.

Há um motivo particular para minha preferência por suas fotos de indígenas e identificação com elas, sejam as da jovem do alto Xingu – uma escultura viva – ou das Zo’e, paraenses, descansando em redes sobre folhas de palmeiras. Tataraneta de uma índia brasileira, quase perdida na memória familiar, pouco se sabe sobre sua história além de ter sido pega a laço nas cercanias de uma fazenda. Como a maioria dos brasileiros, sou fruto de uma miscelânea racial, mas vejo em mim retratados os traços genéticos absolutos da gênese de nosso povo.


Publicada na Revista CAPITA Global News em 30/05/2013

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