Imagem: Foto-memória Casa Blanca
Um sonho em preto e branco, como
nos filmes intimistas tchecos. O figurino aclimatado em Casa Blanca, num
ambiente atual. Sabia que era eu a roteirista, além de protagonista,
expectadora e crítica. Gostei da proposta do diretor de rodar a película em
preto e branco. A trama não era uma história de amor, flashes de memórias
inconscientes, passando por um escritório de marketing cultural.
Numa das cenas, falava-se da renúncia do Papa diante de freiras carmelitas,
que circulavam descalças e cabisbaixas, em seus longos hábitos e terços. Entre
o mobiliário antigo, equipes discutiam projetos de mídia digital, enquanto
outros pareciam conectados aos computadores de última geração. Havia uma
curiosa integração entre o tempo e os espaços, uma harmoniosa atemporalidade,
sem edição ou cortes.
Ao fundo, o elegante executivo levanta-se de sua mesa e vindo em minha
direção, pede o telefone de minha casa, antes de pegar o chapéu à la Bogart. A
secretária em seu tailleur impecavelmente cinza, sob o comando de seu olhar, pede
a ligação à telefonista, pelo telefone preto e antigo. Talvez ele, ou eu,
quisessemos ter a certeza de que realmente estivessemos ali.
Intrigada, acompanho-o silenciosa até a esquina, para um café, rompendo a
solidão urbana de uma pintura de Edward Hopper, servido em louças de Scliar,
sob uma bruma ouropretana, com perfume de Bishop. Nada dissemos, tampouco era
necessário. O mundo parecia atender a todo e qualquer gesto ou olhar daquele
homem. De mim nada esperava, além da companhia e observação obsequiosa do
universo que a ele pertencia. A câmera fecha na xícara fumegante do café
expresso.
O aroma me desperta de meus restos noturnos, não sem antes ouvir Melodia
Sentimental interpretada por Sam, num salão vazio e pleno de recordações; e ler
as letrinhas miúdas com os créditos correrem lentamente pela tela. As luzes se
acendem, sem ninguém na poltrona vermelha ao lado daquela em que não me
assentei.
Publicada no Jornal “O Pioneiro” em 17/02/2013.
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