Imagem: Fazenda Laranjeiras, em Bananal, ilustração de Tom Maia, no livro "Vale do Paraíba -
Velhas Fazendas",
de Sérgio Buarque de Holanda, publicado originalmente em 1975.
O silêncio, que não ouve a cidade, traz o vento cantando segredos, numa
melodia triste de acordes inesperados. O ranger do torno que embala o menino,
arrepia a crença. Na vela acesa ao pé do Santo, o lenitivo da esperança afasta
as quimeras dos maus agouros, pacificando o coração daquela que também é Maria.
A vida e a boiada seguem, no dia que acorda cedo, ainda escuro, antes do
galo. Aqui é café com rapadura - na cidade, aristocrático açúcar mascavo-
servido junto ao fogão de lenha, com o canto dos primeiros pássaros e um naco
de queijo curado.
Segue a boiada e o menino, que na estrada caminha rumo à escola, sob o
olhar que o acompanha da varanda, com a certeza de que as boas safras, um dia,
o farão doutor na capital.
O silêncio é absoluto na rede e a cadência morna do monjolo anuncia a
tarefa de alimentar e colher os ovos e as verduras frescas na horta, enquanto o
calor do fogo se prepara para o almoço. Comida farta, fruto de terra fértil e
braços fortes e incansáveis.
Depois das mãos já cansadas refrescarem os rostos suados, novidades da
aula de Geografia: “Tem um lugar aqui, Mainha, com um rio tão grande que parece
mar e que tem tantas plantas e árvores de todos os tipos, que é chamado de
Pulmão do Mundo” diz o menino, feliz com as primeiras descobertas e acolhido
com um sorriso, continua, antes da primeira garfada: “É sim, foi a Fessora que
falou!”. Segue a preocupação do Homem aos ouvidos sempre atentos: “A florada do
café é das melhores, mas o Compadre anunciou o risco de geada”.
Tarde de tacho de cobre fumegante, preparando o doce da goiaba vermelha e
generosa, que se oferece nos fundos do quintal. Um cheiro doce inunda a casa!
Entre botões e cerzidos o dia declina e anuncia: Ave Maria!
Em "O Pioneiro" - 26/08/2012
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