As minhas lágrimas regam os sentimentos mais puros e verdadeiros e me fazem renascer a cada nova estação. (Mônica Caetano Gonçalves Maio/2011)
Registro na Biblioteca Nacional nº: 570.118

terça-feira, 17 de abril de 2012

Reminiscências

Imagem: Foto de acervo pessoal

O tempo fez uma curva e entre a fumaça e a bruma da manhã, redesenharam-se doces imagens de minhas lembranças, histórias minhas, dentro da História.

Tempo em que em que a visão infantil, veste com suas fantasias todos os personagens em sua imaginação; tempo das ‘Mais belas Histórias’ e primeiras letras, que o destro gesso, fruto de peraltices, deixou que brincassem de ser ‘gauches’; tempo de casa cheia, visitas, hóspedes e passeios nas incontáveis Igrejas, que pela freqüência, tornaram-me tão eloqüente quanto os jovens e descalços guias de então.

Das memórias, a dança onírica das cenas indelevelmente gravadas...

Era assim que se apresentava a elegância impecável de ‘Seu’ Juquinha em seu terno, tirando o chapéu de feltro marrom em reverência ao ser recebido e deliciando a todos com seus casos, pausadamente contados e entrecortados pelos biscoitos de polvilho fresquinhos que nos trazia e goles fumegantes do café da tarde. Não fosse pela mineiridade dos sabores, seria um ritual britânico, tal a pontualidade, a comedida duração da visita e pela gentileza dos gestos e palavras.

Bem diferente era a alegria de uma que seria Maria, mas era Lourdes, simplesmente. Chegava com suas largas e balouçantes ancas, protegida do sol pela trouxa malabaristicamente equilibrada sobre a cabeça. Roupa lavada, perfumada e amaciada pelo canto de tantas delas à beira do rio, que em outras épocas trazia no nome o presságio das vidas que ali se perderam em embates auríferos.

Era ela que, banhada por aquelas águas ainda douradas, vinha envolta no sonho ancestral das gentes daquelas vertentes e trazia consigo provas materiais da riqueza derramada. O menor frasco da botica, translúcido, guardava nas pequenas pepitas, o sustento para as tantas bocas que a esperavam em casa, seus unguentos, as roupas de chita e para as meninas, até um laço de fita.

Dos becos sombrios, surgia o homem negro, sempre de negro vestido, que as noites sem lua abrigavam. Era quase um espectro a pobre criatura, que com olhos trêmulos e revirados num sorriso de cera, apresentava as aranhas e serpentes aninhadas sob o roto chapéu de abas largas, que um dia ousou sua negritude. Um ser aterrorizante que novamente desaparecia entre gargalhadas fantasmagóricas depois de colher lágrimas de espanto e medo no olhar incrédulo das crianças.

A ciranda de roda; Madre Elizabeth, a professora; o soldado, Dionísio; Arlequins, Pierrots e Colombinas e tantos reminiscentes com quem convivi em tenra idade, bailando entre as alegorias das festas pagãs e a constrição das cerimônias religiosas que as seguiam em quarentena.

Embalada pelo movimento cadenciado, pelo som monocórdio do trem sobre os trilhos, dormente, revivi fragmentos de minha história, guardados em outros tempos, até que o apito da Maria centenária lembra que a vida seguiu por outros caminhos, estradas reais.

17/04/2012

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